terça-feira, 9 de junho de 2009

el amor es importante, carajo.


(Pucca e Garu são protegidos comercialmente e qualquer engraçadinho que se meter conosco irá pagar caro por isto)



Para el anônimo



Começou pelos muros, em uma fonte atípica para os pichadores convencionais, aquela agressiva, pontiaguda e quase grega ou quase caco, mas tampouco era caligrafia arredondada e infantil, fofa que nem letra de menina. Eram letras quadradas, sem serifa, quase tijolos, quase janelas ou peças de dominó. A construção da mensagem era, entretanto, irrelevante. No fundo, precisávamos deste chamado às armas: o amor é importante, porra!

As pessoas liam de dentro de seus veículos presos nos engarrafamentos, ou pelas janelas dos coletivos e despertavam do torpor. Lembravam-se. Tiraram fotos com celulares ou anotavam às margens dos livros psicografados. Comentaram pelas mesas dos bares e pontos descolados em meio a copos de chope e latas de redbull, acendendo cigarros de nicotina ou de maconha, escreviam o texto em bilhetinhos, email, torpedos trocados durante a aula ou o serviço: o amor é importante, porra!

Deu num blog, depois num site até chegar ao jornal de domingo. Nas rodas de amigos, gays, lésbicas, simpatizantes ou não, era o que se dizia, era o que se prometia. Todos desconheciam o responsável pela mensagem anônima. Supunha-se alguém nervoso, alguém que tomou um pé na bunda, alguém com raiva. Devia ser alguém com memória. Alguém que ainda se lembrava: o amor é importante, porra!

No dia dos namorados, foi noticia até no telejornal da meia-noite (não se fala “porra” cedo). A repórter corou um pouco, baixou os olhos, não se sabe se de raiva ou vergonha ou de saudade: acabara de se divorciar, deu nas revistas de fofoca. Mas quem a conhecia, sabia o porquê. Um argentino, um colombiano, ou um brasileiro metido a esperto, arriscou o portuñol e pichou em Buenos Aires ou Barcelona: El amor es importante, carajo!

Dali foi pro resto do mundo. Surgiram cartazes, camisetas e camisinhas, com os dizeres para quem quisesse ver. Comerciais de Coca Cola com belíssimos efeitos gráficos e computadorizados. Saiu na capa da Playboy sob a bunda da mulher do Big Brother. Comédia romântica produzida por Drew Barrymore. As meninas escreviam o mote sobre a foto dos meninos do High School Musical ou sob o desenho da Pucca nas capas de caderno: O amor é importante, porra!


Um ano depois, a polícia foi chamada. Encontraram uma cabeça dentro de um saco. Dentro da boca, envolta em um plástico delicado e sem digitais ou DNA, um envelope cor de rosa. Na carta, um pequeno recado em uma caligrafia estilizada de convite de casamento: O amor continua sendo importante.




(Feliz dia dos namorados)

























quinta-feira, 4 de junho de 2009

pequeno infinito




Sei que é uma forma bastante subjetiva de enxergar, mas qualquer coisa acima do que se possa contar já é um infinito. Portanto, para mim, que nunca consegui contar até 1000, 1000 é um infinito. Quando criança, me pediam para ir até cem, antes de começar a procurar os outros no esconde-esconde. Eu acelerava cada vez mais a contagem, enquanto escutava as risadinhas e os gemidos nas minhas costas, alguém reclamava e mandava que eu gritasse os números mais alto e eu gritava a sequência numérica, os olhos abertos fitando os braços, na esperança de pegar alguma sombra que revelasse os movimentos. Adrenalina no sangue, gritava Lá vou eu! Um dia, minha mãe me chamou antes de terminar a contagem. Já era noite, cheiro da janta no ar. Fui embora, não os avisei que a brincadeira terminara. Durante a madrugada, os pais bateram à porta de casa. Eram as mães preocupadas com os filhos que não voltaram para casa. Os dias passaram e eles nunca reapareceram. Acharam que era culpa minha e fico pensando se não foi. Tenho medo de um dia olhar debaixo da cama e encontrar um deles, preservado, ainda criança. Talvez isto ainda aconteça. Acho que eles estão lá escondidos, no infinito.

















Telegrama

as leis do ferro



“Meu amor, o mundo é enfadonho demais. Não há nada, nem telepatia, nem fantasmas, nem discos voadores, nada disso existe. O mundo é regido pelas leis do ferro-fundido, as leis do ferro-frio. É triste.

Infelizmente, estas leis são invioláveis, elas não sabem violar a si próprias.

Em resumo: não conte com discos voadores. Isto seria empolgante demais para ser verdadeiro.”


Diálogo extraído do filme Stalker(1979), de Andrei Tarkovsky


Vem aí Portal Stalker


Onirogrito

Panfleotário




1

Pã ou Pan, deus grego e fanho, protetor dos bosques, campos, rebanhos, pastores. Morava em grutas, vagava por vales e montanhas. Divertia-se com a caça ou tocando músicas para as ninfas: inventor da sírinx e do pandeiro. Feito Caipora e Curupira, era temido por quem atravessasse a mata durante a noite, ou pelos caçadores. Esta semelhança é justificada por a) uma evolução convergente; b) um misterioso laço de parentesco que só poderia ser explicado por atlantes ou deuses alienígenas antediluvianos; c) por uma memória arquetípica cromossômica. Caipora era um menino montado em um porco do mato. Pã tem algo de
trickster: menino travesso e animal perigoso na mesma criatura. O Curupira tinha pés invertidos: calcanhares voltados para frente, acompanhando os joelhos. Pã possuía patas de bode no lugar de pernas e, como tal, os joelhos dobravam para trás. O medo que provocava à noite deu origem a palavra Pânico. Segue Bulfinch: “Como o nome do deus significa tudo, considerou-se Pã símbolo do universo e personificação da natureza, e mais tarde, enfim, foi olhado como representante da todos os deuses e do próprio paganismo.” Tudo também significava medo, medo que significava tudo. Tudo dava medo ou se tinha medo de tudo ou tudo era medo?

Às vezes, o lado humano e o lado animal de Pã se dividem, como em Peter Pan, na qual o menino sai voando e os meninos selvagens seguem o garoto como bichos de estimação. Às vezes se sobressai, restando apenas a fera, como no caso da Pantera.

Otário: nós todos, os malandros e os otários, somos todos otários. Nome comum de uma espécie de foca preta, muito esperta e fofa, utilizada em espetáculos circenses para bater palmas e tocar musiquinhas em cornetas.

2

Um otário me disse que voltei panfleotário: me disse que não melhor nem pior ninguém para dizer como as coisas tinham ou precisavam ser.

3

Um otário me disse que a arte precisa ser como música: atingir os ouvidos e a alma e não precisar dizer nada.

4
Um otário me disse para falar apenas sobre aquilo que é inerte: aquilo que só serve para entreter.

5

Um otário me disse para ser escapista, mesmo sabendo que escapismo produz escapistas.

6

Um otário me disse para ficar quieto: o melhor efeito é não fazer efeito: que entre falar besteira e falar nada, melhor o nada.

7

Me falaram: a favela tem razão, não porque tenha razão, mas porque o que ela diz, vende.

8

Um otário me disse que harmonizar e puxar o saco é a mesma coisa

9
melhor não revelar o que Deus é

10

Um otário me disse que todos são otários por não gostarem daquilo que os otários gostam: é preciso aprender a consumir arte. Se não precisar aprender, então não é arte.

11

Estilo prescinde mensagem.

12



13

Nós queremos que o mundo acabe, mas não sabemos o que colocar no lugar dele.












quarta-feira, 3 de junho de 2009

Achados

Assinaturas



a) Um diploma desenhado pelo cartunista Saul Steinberg (1914-1999) para seus amigos Victor Civita e Silvana, sua esposa. Fonte: revista de ensaios "O Serrote" nº1, pág 67
. Sem data.
Aproveito para colocar uns links para os desenhos de Steinberg que são maravilhosos.


b) Em 1633, o prior (Superior de convento) de Loudun, Urbain Grandier, foi acusado de enfeitiçar as freiras locais e praticar magia negra. Entre seus papéis foi encontrada esta cópia do pacto com o Demo, e que se localiza "agora" (*) na Biblioteque Nationale em Paris. Escrito em latim, da direita para a esquerda, e assinado com sangue. Os co-signatários seriam demônios. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Lúcifer, Belzebu, Satã, Leviatã, Elimi e Baalberith.

(*)A fonte é de um livro de 1971, que saiu no Brasil pela Coleção Prisma, da Editora Melhoramentos, dedicado à "Magia Negra e Feitiçaria"


sexta-feira, 22 de maio de 2009

fábula


(Fonte da imagem: ver aqui)



Um homem acorda e diz:

-Não me agrada a ideia de que todos devem morrer.

Sabe da existência de um lugar onde não se precisa passar por isto e decide ir para lá. Despede-se de todos. A mãe, pressentindo uma viagem demorada, entrega-lhe um presente envolto em sete panos. Ao desenrolar o embrulho, há uma esfera luminosa.

-É um pedaço do sol. Pertenceu a seu avô e, antes dele, ao avô de seu avô. Enquanto você se lembrar de nós, esta pedra brilhará e o aquecerá.

Percorre campos, cidades, montanhas, desertos, mares e florestas sem parar por dias, meses e anos, sempre em busca da terra onde não se morre ou, ao menos, de alguém que indicasse o caminho. Um dia encontra um camponês de barbas brancas na altura do peito. O camponês empurra com dificuldade um carrinho de mão repleto de terra. O homem pergunta ao velho o que faz, e este lhe responde:

-Transporto esta montanha de cá para lá. Pretendo fazer uma rampa na qual meus netos brinquem em carrinhos de rolimã. Por que não me ajuda? Enquanto não terminar o trabalho, você não morrerá.

O homem agradece e continua sua jornada. Revoadas de araras levam-no a encontrar um bosque que parece não ter fim. Ali há um caçador de barbas brancas na altura do umbigo. Com muito esforço, o caçador carrega uma escada e a posiciona sob uma das árvores da floresta.

-Estou podando toda esta mata. Preciso de madeira para construir uma torre tão alta que me leve à Lua, buscar o queijo com o qual a Lua é feita. Por que não me ajuda? Enquanto não terminar o trabalho, você não morrerá.

Novamente, o homem agradece, mas segue adiante em seu caminho. Encontra um mar sem ondas cercado por uma praia negra. Ali, há um pelicano que carrega água no bico. Um velho pescador de pele escura e barbas longas até os joelhos explica:

-Fique comigo. Enquanto este pássaro não retirar toda a água deste mar, você não morrerá.

O homem recusa a sugestão daquele também. Então pergunta ao pescador sobre a terra onde nunca se morre, e este lhe orienta como chegar lá.

Seguindo as sugestões do terceiro velho, o homem chega onde pretendia. O que mais o impressionou ali foi o silêncio: nem vento, nem chuva, nem grilo, nem roseira, até os passos parecem mudos. Descobre apenas um morador, dono de uma granja de codornas. Os pássaros ciscam a terra e este arranhar de unhas no solo é o único barulho que emitem. O homem pergunta ao dono da granja o que há para fazer naquele lugar.
-Não há o que se fazer: para passar o tempo, tento empilhar estes ovos de codorna em uma pirâmide, mas nunca consigo terminar antes da pilha desmoronar e cair.
Sem opção, o homem fica ali, ajudando aquele ancião. É realmente difícil. Mas uma noite, finalmente, concluem a pirâmide. O ancião resolve deitar para descansar. O homem lembra-se do presente da mãe: abre os sete panos, mas a pedra está negra, fria e dura. Sente saudades e decide rever sua antiga cidade.

Ao passar pelo mar da praia preta, o homem descobre um deserto onde peixes voadores cruzam o céu. O homem pergunta ao cardume se estes sabem do pescador e do pelicano. Do alto, os peixes respondem:

-Meu bisavô me contou algo assim, mas já não me recordo. Seu tempo já passou.

Ao passar pela antiga floresta de araras, o homem descobre um outro deserto. No meio deste deserto, há uma torre que leva até a Lua. Nesta torre, vivem milhares de papagaios. E, olhando acima, há um buraco enorme e escuro sobre a superfície da Lua: um olho enorme solto no céu. O homem pergunta às aves se alguma sabe do caçador que morava ali.

-Meu trisavô me contou uma história sobre ele, mas agora já esqueci. Seu tempo já passou.

No meio da estrada, surge uma montanha. Sobre a montanha, existem as ruínas de uma rampa enorme, pela qual os tatus bola escorregam contentes.

O homem chega ao lugar de sua cidade. Ninguém mais mora nela, apenas os macacos ocupam as construções abandonadas. Pergunta aos macacos se sabem se alguém de sua família ainda vive. Entre guinchos e saltos, os macacos sugerem que vá à biblioteca, basta seguir o som da máquina de escrever: tec-tec-te-tec-tec.

O barulho vem de um prédio em meio ao enorme cemitério. O homem descobre um macaco cego datilografando os livros, livros lidos por papagaios, papagaios escolhidos por tatus bolas. Ao tentar pegar ao acaso um volume da estante, o homem descobre que toda a coleção virou pó.

O homem decide voltar para a granja de codornas. Mas, antes de sair daquele lugar, um velho macaco interrompe seu caminho e pede ajuda: seu neto caiu em um poço fundo e irá morrer se ninguém o ajudar. O homem inicialmente recusa, mas então o macaco lhe convence:

-Você sempre age de acordo com seus interesses. De que adianta viver para sempre, se sempre se vive do mesmo jeito?

O homem faz uma corda usando os panos que antes envolviam a pedra do sol. Desce por ela até o fundo, de onde retira o filhote da água. O bicho sobe a corda trançada rapidamente e escapa. Mas, na vez do homem subir, a corda arrebenta. Ele cai na água, tenta escalar, mas as paredes são úmidas e cheias de lesmas e caramujos. Olha para cima e é a Morte quem está na boca do poço. Ela lhe responde:

-Fui muito paciente. Agora tenha paciência você, que já venho lhe buscar.










(Esta história é uma adaptação)
* * * * * * editado em 22 de junho de 2009:
(...Esta história é uma adaptação de uma das histórias de Fábulas Italianas de Italo Calvino, publicada aqui no Brasil pela Cia das Letras)



editado em 2016: publicado no Spirit => https://socialspirit.com.br/perfil/brontops

achado




a)O conto acima é uma adaptação. Encontrei-o perdido em um caderno. Esqueci onde li a fábula original. Inicialmente, pensei que fosse dos “103 Contos de Fada de Angela Carter” (Companhia das Letras), mas depois percebi a ausência feminina (Neste livro, Angela recolheu apenas histórias com personagens femininas marcantes). Folheei “O Ofício do Contador de Histórias” (Gislayne Avelar e Inno Sorsy, da Martins Fontes), detendo-me no capítulo sobre “Os Contos da Morte” e meu resultado foi zero.

Posso até ter visto a história na televisão. Se alguém descobrir, me avise nos comentários, por favor.

b)A imagem: Vem do Codex Seraphinianus , de Luigi Serafini (Ed.Franco Maria Ricci). Trata-se de um livro bastante cultuado. A primeira edição é de 1981 e foi lançada em dois volumes, cada uma delas com 127 páginas. Ele foi criado como uma Enciclopédia de um mundo imaginário, em uma linguagem indecifrável. Cada capítulo dá conta de um aspecto deste mundo: fauna, história, flora, minerais, etnografia, etc.

Existe algo nele que me lembrou algo que já vira antes na Internet, uma obra conhecida como Manuscrito Voynich , mas isto até vale um outro post, se eu tiver paciência pra tanto.

Se a gente puder confiar no Wikipedia, o estranho código pode ter efetivamente um significado. Alguns criptologistas teriam conseguido traduzir o sistema numérico. Muitos linguistas tem se debruçado sobre o alfabeto “serafiniano” e o estudado a sério. É curioso, pois Luigi Serafini continua vivo, mas ele se nega a responder se aqueles “cabelinhos” tem ou não sentido (O que deu título ao texto How Mysterious Is A Mysterious Text If The Author Is Still Alive (And Emailing)? )

c)Só o descobri graças a um livro de ensaios e artigos de Italo Calvino, publicados no La Republica e no Corriere Della Sera no início da década de 80 (Calvino faleceu em 85), chamado Coleção de Areia. (Desconfio que nunca saiu no Brasil. Tenho uma versão em espanhol (Editora Siruela) e em preto e branco.) Calvino gostou do Codex Seraphinianus e comentou muitas de suas imagens, assim como sua linguagem elaborada.

Luigi Serafini é um artista conceituado. Mas o tópico dele no Wikipedia é significativamente menor que o do próprio livro. Pela Internet, há várias referências ao livro e não é difícil encontrar imagens dele. Achei até um torrent, mas como não sei usar estas coisas, não baixei. São imagens inquietantes. Um casal que se transforma em um crocodilo; esqueletos esperam para receber a carne sobre seus ossos e depois encaram estarrecidos o trabalho realizado em espelhos; um pombo que também é um ovo; e assim por diante.
Pode ser questão de gosto, mas estes desenhos me pareceram um tanto “datados”. Ou até meio kitsch: tem uma certa falsidade ingênua como aquele quadro de ondas que se arrebentam em cavalos brancos. Deve ser por isto que me fizeram lembrar do Fantástico (o programa de TV) dos anos 70.

Parecem ideias que ficam melhor na nossa própria imaginação do que realizadas.

Outros links: http://www.io.com/~iareth/codindx.html

Achados




a) Movimentos da Arte Moderna: História e Processos de Criação

Curso com Marcelo Maluf e Daniela Pinotti.

Introdução à história da Arte Moderna e seus processos de criação, por meio das teorias dos movimentos de vanguarda e de suas propostas criativas, dando ênfase aos aspectos estéticos e psicológicos da produção desses artistas.

Detalhes: clique

b) Blablablogue: crônicas e confissões: Antologia com os melhores textos de blogues

Nelson de Oliveira organizou este livro com os melhores textos postados em blogues, os famosos "posts". Pelo que ouvi dizer, existe um outro livro que se utiliza deste recurso. Teria sido um tal de Memórias "POST"umas de Brás Cubas... (Péssima, eu sei).

O lançamento será agora, 30 de maio. Tem muita gente boa. Vai lá.

Detalhes: clique aqui e ali


c) The Bus era uma série conceituada na antiga Heavy Metal. Tinha algo nonsense e surrealista. Lembrava um pouco Liniers e Laerte.

Outras poucas amostras achei aqui.

d) The Grant Bridge´s Street & other misadventures: Blogue com muitos quadrinhos antigos. Em inglês.

e)FARRAZINE 11: Entrevista com Juan Giménez (Metabarões), Lilian Mitsunaga. Para ver no ISSUU ou baixar aqui ou ali.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

inconsciente coletivo







Distraíra-se com os grafites do muro branco do cemitério. Bocejou. Quando deu por si, ela continuava a seu lado, embora não soubesse precisar desde quando. Ele estava sem fone, o ipod caíra no chão e não havia mais música. Os demais bancos do ônibus vazios e ela sentada ao seu lado e concentrada no livro. O balanço das curvas lhe facilitou ver a capa. A biografia de Eric Clapton. Olhou sem disfarçar o rosto dela. Uma mulher simples.



Você não tem cara de quem gosta de rock.

Eu não gosto. Tenho este livro pela história do filho dele.


Do filho?


É, um filho dele caiu da janela de seu apartamento. Tinha quatro anos de idade. Foi aí que ele compôs tears in heaven
(Cantarola melodia).


Ah... Lembro. Tocou bastante.



Ela fecha o livro, se levanta e aperta a campainha para parar o ônibus.


Gostaria de ter aprendido a tocar um instrumento.


Diante do silêncio do outro, continuou.


Quando meu filho de quatro anos caiu, não tive escolha a não ser saltar atrás.


Antes de qualquer coisa, ela já não estava mais lá.

















(The Bus, by Paul Kirchner - fonte imagens)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Achado


(Jabba + Leia em Retorno de Jedi)



1) Germano Mathias

Que tal ganhar o livro "Sambexplícito - As vidas desvairadas de Germano Mathias" autografado pelo Germano e por Caio Silveira Ramos, o autor? Pois é isso que o Vermute com Amendoim quer te dar na nossa primeira promoção.http://www.vermutecomamendoim.com/2009/04/promocao-quer-ganhar-o-livro.html

Desculpem, Caio e pessoal do Vermute com Amendoim, mas só agora que eu vi a promoção só ia até Primeiro de Maio...


2) II Encontro Prática de Escrita: leituras, feitura e publicação

O primeiro foi bem legal.
Vagas limitadas e inscrições até 16 de maio.
Dia 19 de maio com Marcelo Maluf, Nelson de Oliveira, Marcelino Freire, Edson Cruz, etc.

3)Curso Prática de Criação Literária

Início 02 de Junho
Organização Claudio Brites e Nelson de Oliveira.
Informações: labmind e editora terracota

4)Lançamento livro "Jorge do Pântano que fica logo ali", do Marcelo Maluf

5)O muro e a cerca

Pois é, retiro o que disse. Acabei encontrando mais algum material sobre as cercas de contenção de coelhos na Austrália... Dizem que ela é melhor para segurar os dingos do que os coelhos... Seguem fotos da cerca:


Este último editei para ilustrar o conto do Muro. Ainda que eu preferisse outra coisa.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

aviso

Pretendo depois colocar em um lugar mais permanente (Talvez na imagem título). Mas, por enquanto, vai aqui mesmo: Este blogue terá atualizações de quinzenais a mensais.

Eu não quero viver disso.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Zerografia




Frank Kafka

"If you can dream it, you can do it. Always remember that this whole thing was started with a dream and a simple roach."





Embora alegasse que seu sobrenome era de origem indígena e mirabolasse histórias a respeito de seus antepassados, na realidade, Frank Kafka era judeu e nascido em Praga. O pai, sr. Hermann Kafka, faleceu em sua casa, quando Kafka tinha 03 anos. Pela descrição dos sintomas, suspeita-se de leptospirose. Sempre lamentou muito a ausência do pai. "Ele poderia ter me ensinado muito" Há quem afirme que seu jeito efeminado veio de ser o único homem criado em meio a uma família de mulheres. A mãe e as irmãs tentaram tocar o negócio da família, um armarinho localizado fora do gueto, mas o negócio acabou fechando.

Os Kafka decidiram tentar a sorte na Amérika. Foi um começo difícil nos bairros pobres de imigrantes em Nova York. Participou das guerras dos meninos jornaleiros, onde perdeu um olho durante uma briga com estiletes. Durante a recuperação, ficou aos cuidados da mãe. Nesta época, ocorreu um fato que jamais esqueceu e, segundo afirmou mais tarde, foi fundamental para que seguisse seu sonho. Acompanhou a mãe em uma visita a uma senhora doente, uma velha que se tornara um peso insustentável para sua família. Ao adentrarem ao quarto onde dormia a mulher, Kafka viu as baratas correndo para baixo da cama. Depois de saírem dali, havia aprendido sua lição: “Nunca seja um estorvo para sua família”.




Algum tempo depois, assistiu a seu primeiro desenho animado: "Klaus, the Brontossaur", de Winston McKay. Usou seu talento como desenhista para enveredar no indústria em expansão dos desenhos animados. Criou Rock Roach ou Rock, a Barata em 1921. Em 1923, estreou o primeiro desenho da dupla Rock Roach e o seu simplório parceiro, Duck Oklahoma, que foi um imenso sucesso. Começou uma carreira de fama e muita grana. O patrocínio dos produtores de maçãs levou a que Rock Roach se tornasse um fanático por maçãs. Apoiou o governo americano no esforço de guerra, fazendo Rock conhecer a América Latina em "¿Que pasa, compadre?". Construiu o hoje mundialmente famoso, Kafkaland, o maior parque de diversões do mundo, com atrações como o Castelo da Alegria, a Toca Labiríntica ou a Granja Penal de Duck Oklahoma. Alguns dizem que ele, juntamente com Willian Hearst, teria servido de inspiração a Orson Welles para a criação do protagonista do filme "Citizen K". Chaplin o odiava.

Após a Segunda Guerra foi processado por um antigo funcionário que o acusou de ter roubado suas criações. Kafka se defendeu: "Ele queria usar um rato como personagem. Eu disse, se é pra fazer uma criatura nojenta, nada melhor que uma barata. Além disso, ratos são orelhudos e eu já tenho problemas demais com minhas orelhas". O funcionário acabou desistindo do litígio, uns dizem por um acordo milionário, outros por pressão da CIA.

A história repercutiu mal mundo afora. Em 1966, já um senhor idoso, foi morto com tiro no peito por um membros de uma seita satânica gay beatnik. Max Brother Manson foi preso pelo FBI em um tiroteio diante do Chinese Theater. Entre os pertences do assassino, encontraram um envelope, com a estranha história de um sujeito que, ao despertar, havia se transformado em um ninho de ratos.




(Imagens "emprestadas" de Gregor Brown de R.Sikoryak, do grande "Masterpiece Comics")
**************

o muro



0




1

O cartaz está incorreto. Para tudo há limite. Ao homem não cabe respirar no vácuo ou sob a água do oceano. Ele não voa, não plana, não sobrevoa. Exceto quando cai. Ele nada, prende a respiração, não resiste mais que alguns minutos. Seu mergulho é raso, a pressão das profundezas esmagaria os olhos dentro das órbitas. Não cava com as patas feito os tatus ou as toupeiras: é um péssimo escavador, mesmo sendo a própria cova. A ele só se permite caminhar e correr, se puder e se aguentar.


Nós, coelhos, só podemos saltar.


2

O muro vai a perder de vista. As águias não procuram mais por filhotes distraídos, elas engordam pousadas sobre a construção, enfileiradas como pombas. Nós as ignoramos. Elas não atacam. Melhor esperar nossa morte. Então planam até o solo esturricado e calmamente abrem os cadáveres. Começam pelos olhos, pois este é o gosto das aves. O voo predador se resume a este bater de asas desapressado.


Orelhas, pequenos saltos e sobressaltos. Somos levemente ridículos. Entretanto, não aceitamos a morte. Este é o nosso costume: precisamos continuar. Coelhos não se suicidam. Estamos sempre fugindo. Sempre com medo. Por isto, prosseguimos. Apesar das nossas narinas não sentirem frescor de umidade, nossas orelhas não escutarem rumor das águas. Mas continuamos em romaria, saltando rente a cerca. Ela desaparece no horizonte. Procuramos uma fenda no muro. Um lugar para escavar. Mas a cerca está enterrada no solo. A maior obra desde a muralha da China. Mas não se usam mais pedras, ameias, torreões. O homem se aperfeiçoa, aprisiona com paredes ralas, um arame trançado, uma rede, que se prolonga pelo deserto e por baixo da terra. O homem estende sua teia de ferro.


Do outro lado, um mato bravo, outros sertões, outra caatinga, de espinheira, de rosácea, de coroa de cristo. Mas até esta miséria nos bastaria. Nossos olhos observam aquela relva pobre e venenosa, náufragos sedentos diante do oceano salgado. O vento ressequido cruza o muro indiferente. Alguns dos nossos tentam enfiar seus focinhos pelos furos da grade, mas o que se podia devorar já está devorado. Nosso filhos nos acompanham. Mamam de tetas desidratadas. Eles choram. Nós continuamos. O cio continua seu ciclo. É só o que nos resta, este prazer rápido de longas consequências. As fêmeas que sobram são disputadas, mesmo as mortas se pudéssemos as defenderíamos dos cães. Nossos filhos terminarão o que começamos. Nossa prole devorará a terra se esta o permitir.


Coelhos não gritam, mas estes se esgoelam em desespero e rolam na terra vermelha como pardais. Também não sobem em árvores, mas nós escalamos estes troncos esquálidos em busca das últimas folhas verdes. Nossos dentes crescem ininterruptos, mas sem nada o que roer, deixamos que eles cresçam e adentrem a carne, nosso sangue tempera nossa boca sem lábios. Nós permanecemos. Apesar das águias e dos dingos, apesar dos cangurus e dos coalas, nós permanecemos.

3

Contamos histórias que ajudam a esquecer a sede e a fome. Dizem que a cerca termina em meio a um oásis no deserto. Outros, mais cínicos, afirmam que a única fuga seria empilhar os corpos dos mortos e escalar até o outro lado. Há quem diga que um dia haverá um de nós que ensinará o caminho, como derrubar a cerca. Nossos filhos e nossas famílias reunidos contra a cerca. Um empurrão, e este muro vazado tombará. Invadiremos esta terra árida e a povoaremos com nossa ninhada.

Mentimos descaradamente, sabemos que nunca existiu, nunca existirá um de nós assim.


4

Não desistimos, temos fé. Mas para tudo, há limite. Para isto, demarcam-se os muros.












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Achados



Fonte: site do vidrinho (que precisa ser mais atualizado...)


1)Kafka por Crumb
(textos por David Zane Mairowitz. Editora Relume Dumará. 2006)

pg:165

"Na "Praga livre" dos anos noventa, seus livros não estão proibidos (ainda que não necessariamente lidos) e pode-se comprar uma camiseta de Kafka em cada esquina do bairro turístico, ou sua imagem em pratos de porcelana ou em madeiras talhadas por artesãos. É possível fazer uma excursão Kafka ("Almoce com Kafka" - não é piada) e visitar todos os lugares de Praga onde caminham seus fantasmas. Em breve, como Mozart em Salzburgo, será comercializado o rosto de Kafka feito de chocolate. "


2)Robert Sikoryak

Um quadrinista norte-americano que se especializou em fazer adaptações de clássicos da literatura em versões de quadrinhos "clássicos", vamos dizer assim. Então temos "Gregor Brown", metamorfose em versão Charlie Brown, Crime e Castigo em versão Batman e Robin, e até um "Esperando Godot" de Beckett, com Beavis e Butt-Head (?!). Não é um quadrinista muito produtivo, aparentemente. Já publicou na Raw, New Yorker e Drawn & Quaterly.


3)Oz Animals: site apenas com animais da fauna australiana


4)A cerca

Há muitos anos assisti um trecho de um documentário da TV a Cabo que mostrava uma cerca que impede que os coelhos se espalhem pela Austrália. Como o roedor não tem inimigos naturais no continente que deem conta de sua procriação acelerada, as autoridades ergueram uma cerca. As cenas de coelhos gritando e subindo em árvores são verdadeiras. Procurei alguma imagem disso no google e não localizei. Terei sonhado?

Encontrei menções a tal cerca, mas uma antiga, do começo do século XX. A filmagem era recente... Ou no mínimo não era tão antiga assim. Entretanto, como falo tudo de memória, pode ser que eu esteja enganado.

Alguns links que mencionam a história da reprodução descontrolada dos coelhos na Austrália:
http://www.nla.gov.au/pub/nlanews/2007/sep07/story-4.pdf
e http://library.thinkquest.org/03oct/00128/en/rabbits/history.htm


5)Coelhos não se suicidam? Tem certeza? Extratos de "Suicide Bunnies", livro de Andy Riley... Muito engraçado...

6) Caso você não tenha entendido: Não existe um desenho animado chamado Klaus, o Dinossauro. Aquele cartaz da Zerografia de Kafka foi (mal) "photoshopado" e este originalmente dizia respeito à Gertie, de Wilson McCay, o mesmo criador dos quadrinhos de Little Nemo. O cartaz original está aqui.

sábado, 4 de abril de 2009

faca cravada


Estava no alto a faca cravada.


Fora de vista, se não erguesse a cabeça. Quase ninguém olha para cima, enquanto caminha pela rua. Muito arriscado: a calçada cheia de degraus e buracos e fendas e rampas e bostas de cachorro. Mas, por acaso, eu a vi. Uma faca de pão, destas grandes, serrilhadas, cabo de plástico laranja, enfiada em um galho da árvore, quase fora de alcance. Eu não entendo muito de plantas, até hoje mal sei diferenciar rosas e violetas. De árvores, então... Não era um ipê, nem uma quaresmeira, não havia flores. O tronco era escuro, de aparência carnosa e úmida, um tapete de limo surgia nas dobras e se espalhava. Devia ter uns quinze metros, talvez mais, seus galhos disputavam espaço com os cabos de força dos postes. Percebia-se que a prefeitura cortara alguns galhos para não impedir a passagem dos coletivos e caminhões. A natureza não pode atravancar o fluxo de veículos.
A árvore estava na esquina de um cruzamento, perto do semáforo. Cogitei que a faca deveria ser estratégia de malandro. Um bandido deixa a arma na esquina e assim pode ir e vir tranqüilamente e usá-la apenas na hora de fazer o serviço, quando parar uma moça que esqueceu uma fresta na janela do carro. Porém, para ser justo, ponderei uma outra hipótese, menos grave, talvez. Havia uma residência adiante da árvore: bem antiga, com piso de cacos vermelhos e um jardim ressequido. Toda a manhã, eu fazia este caminho para o ponto de ônibus e, vez ou outra, cruzava a velha proprietária, sempre de camisola e óculos e cabelos desgrenhados como uma bruxa a varrer, furiosa, as folhas da calçada e do quintal.
Talvez não fosse uma faca de ladrão afinal. Podia ser que a faca estivesse cravada lá para sangrar a seiva da árvore e fazer então ela morrer. A velha poderia dizer adeus então a sujeita e ao cocô dos pombos que empestiavam seu quintal. Mas não devia ser isto, não. De plantas, conheço pouco, mas pelo que sei, o corte precisava ser mais baixo, no tronco principal e não em um galho alto.
Mas, por outro lado, faca de pão não é arma que se preza para um ladrão: a não ser que ele pretenda passar margarina na vítima depois de cortá-la.



À noite, sonhei estranho. Caminhava por uma floresta de filmes, não aquele mato suarento que a gente tem aqui. Uma névoa cobria o céu e o horizonte e me sentia perdido e gelado. Eu escutei um trote de cavalo, mas quem apareceu foi um velho de barbas longas e brancas, em uma ridícula camisa havaiana estampada com planetas, estrelas e meia-luas. Uma das luas transformou-se em uma foice pequena, e o velho a usava para aparar as extremidades da barba. Seu olhar era malicioso (eu não gosto desta palavra, pois me soa pervertida, mas agora não vou procurar outra), porém seu dizer era sensato: Com aquela faca na madeira há o risco de haver um crime ou morte e é melhor tomar a coroa para si antes que um aventureiro o faça.



Manhã seguinte, feriado. Cidade vazia, pareceria madrugada, não fossem os corredores matutinos e aqueles passeando com os cães. Fui à padaria e enquanto comia meu sonho, lembrei do outro, de verdade.
Saco de pães e jornal na mão, passei pela árvore. A faca permanecia lá. Antes de me render, refleti que poderia ser uma espécie de feitiço, algo como um despacho de macumba. Eu poderia acabar interferindo nas vontades dos orixás, acabar amaldiçoado ou coisa assim. Ainda assim, deixei meus embrulhos sobre a mureta pichada da casa da velha. Meus chinelos ficaram na calçada. Subi pelo tronco, não foi fácil, a madeira podre soltava-se em minhas mãos e sob meus pés.
Sobre a árvore, um último delírio surgiu, aquela árvore era mais antiga que a cidade, ela conseguiu sobreviver a tudo, ao concreto e ao asfalto, à fumaça e às pessoas, a cidade irrompeu a sua volta, apenas porque ela permitiu. E agora ela pede por uma chance, por uma voz. Retirei a faca de pão, escutei um grito à distância, poderia até ser uma sirene, mas a mim pareceu um animal. Caí da árvore.


Machucado, verifiquei o objeto de meu tormento. Estava escrito em letras mínimas sobre o cabo de plástico laranja, quase invisíveis: “Quem retirar esta espada da pedra será o Rei da Inglaterra”. Sorri e voltei para casa, achando tudo uma bobagem. Obviamente, isto foi muitos anos antes de nosso exército de motoboys tomar Londres devastada. Mas esta é uma outra história.













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(basicamente, este foi meu conto publicado em Anno Domini, antologia de contos organizada por Claudio Brites e Helena Gomes e publicado pela editora Andross)