terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Telegramas



As rocambolescas aventuras de Dennis Moore e a redistribuição de renda.


...(além de um pouco de poesia)...


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Telegramas




O nascimento do "mercado" na Rússia


Trecho do livro "Limonov" do escritor francês Emmanuel Carrére (Alfaguara)

"Consciente de sua ignorância em assuntos econômicos, [o primeiro presidente da Rússia, Bóris] Iéltsin tirou da cartola um jovem prodígio chamado Egor Gaidar, espécie de Attali russo,  barrigudo, oriundo da alta nomenklatura, comunista e professando um fé absoluta no liberalismo. Nenhum teórico da escola de Chicago, nenhum conselheiro de Ronald Reagan ou de Margaret Tatcher acreditava nas virtudes de mercado com o mesmo fervor de Egor Gaidar. A Rússia nunca conhecera nada que, de perto ou de longe, se assemelhasse a um mercado, e o desafio era gigantesco. Iéltsin e Gaidar julgaram necessário agir depressa, muito depressa, furar o bloqueio para pegar de calças curtas a reação, que prevalecera sobre todos os reformadores russos desde Pedro, o Grande. Batizaram o remédio que teriam de empurrar goela abaixo, de "terapia de choque" e, em matéria de choque, foi um choque.

Para começar, os preços foram liberados, o que provocou uma inflação de 2.600% e malogrou a iniciativa, conduzida em paralelo, de "privatização por bônus". Em 1º de setembro de 1992, foram enviados pelo correio a todos os cidadãos russos acima de um ano de idade bônus de dez mil rublos, correspondentes à fração de cada um na economia do país. A ideia, após sessenta anos durante os quais teoricamente não se tinha o direito de trabalhar para si próprio, mas apenas para a coletividade, era despertar o interesse das pessoas e assim fazer prosperar empresas, propriedade privada, resumindo: mercado. Lamentavelmente, em consequência da inflação, esses bônus não valiam mais nada quando chegaram. Com eles, seus beneficiários descobriam que pagavam no máximo uma garrafa de vodka. Venderam-nos então em massa a espertinhos que por eles ofereciam, digamos, o preço de uma garrafa e meia.

Esses espertinhos, que em poucos meses viram-se reis do petróleo, chamavam-se Boris Berezovski, Vladimir Gussinski e Mikhail Khodorovski. Havia outros, mas para poupar meu leitor, peço que guarde apenas esses três nomes: Berezovski, Gussinski, Khodorovski. Os três porquinhos, que como nas companhias teatrais mambembes em que há mais papéis para representar do que atores para desempenhá-los, encarnarão na continuação desse livro todos aqueles a quem chamamos oligarcas. Eram homens jovens, inteligentes, enérgicos, desonestos não por vocação, embora houvessem crescido num mundo no qual era proibido fazer negócios, quando eles dotados para isso e, de um dia para o outro, disseram-lhes: "Vão em frente." Sem regras, sem leis, sem sistema bancário, sem fiscalidade. Como dizia o jovem comparsa, deslumbrado, o jovem comparsa de Julian Semionov: era o faroeste.

(...)

Enquanto, graças à "terapia de choque", um milhão de espertos começaram a enriquecer freneticamente, cento e cinquenta milhões de retardatários mergulharam na miséria. Os preços não paravam de subir, sem que os salários acompanhassem. Um ex-oficial da KGB, como o pai de Limonov, mal podia com a aposentadoria, comprar um quilo de salame. Um oficial de patente mais elevada, que iniciara a carreira no serviço de informações em Dresden, na Alemanha Oriental, depois de repatriado às pressas, uma vez que não existia mais Alemanha Oriental, via-se sem emprego, sem apartamento funcional, fadado a ser taxista pirata em sua cidade natal, Leningrado, amaldiçoando os "novos-russos" tão asperamente quanto Limonov. Esse oficial não é uma abstração estatística. Chama-se Vladimir Putin, tem quarenta anos, pensa como Limonov que o fim do império soviético é a maior catástrofe do século XX e é convocado (entre outros) a desempenhar um papel não desprezível na última parte deste livro.

De sessenta e cinco anos em 1987, a expectativa de vida do russo de sexo masculino caiu para cinquenta e oito em 1993. O espetáculo das monótonas filas diante de lojas vazias, tão típico da era soviética, foi substituído pelo dos velhinhos perambulando pelas passagens subterrâneas tentando vender o pouco que possuem. Para sobreviver, vendem de tudo. Se a pessoa é um pobre aposentado, é um quilo de pepinos, um bule, números antigos de Krokodil, o lamentável jornal "satírico" dos anos Brejnev. Se é um general, podem ser tanques ou aviões (...). Se é um juiz, são sentenças. Um policial, sua tolerância. Um veterano do Afeganistão, suas habilidades como matador. Um assassinato encomendado custa entre dez mil e quinze mil dólares. Em 1994, cinquenta banqueiros foram abatidos em Moscou. (...)"



Imagem via English Russia. Vale também uma espiada nos gifs bizarros russos, cheios de testosterona (como esse livro, a seu modo)


sábado, 4 de janeiro de 2014

Telegramas






Porque os americanos são loucos ou porque o humor torna-se sombrio.

"Na década de 1830, viajando pelos Estados Unidos, na época um país jovem, o advogado e historiador francês [Alexis de Tocqueville] identificou uma doença inesperada que corroía a alma dos cidadãos da nova república. Os americanos tinham muito, mas essa prosperidade não os impedia de querer mais ainda e de sofrer sempre que viam outra pessoa com posses maiores que a suas. Em um capítulo de A democracia na América (1835) intitulado "Por que os americanos costumam ser incansáveis em meio a sua prosperidade", ele esboçou uma análise resignada da relação entre a insatisfação e a expectativa elevada, entre inveja e igualdade:

"Como todas as prerrogativas de nascimento e fortuna foram abolidas, como cada profissão é aberta a todos, um homem ambicioso pensa que é fácil se lançar em uma grande carreira e acha que foi convocado a um destino extraordinário. Mas isso é uma ilusão que a experiência corrige rapidamente. Quando a desigualdade é a regra geral na sociedade [como na Europa até a Revolução Francesa], as maiores desigualdades não atraem atenção nenhuma. Mas, quanto tudo é mais ou menos nivelado, a menor variação é percebida (...). Essa é a razão para a estranha melancolia que com frequência assombra os habitantes de democracias em meio à abundância e por isso o desgosto com a vida às vezes os agarra até em circunstâncias tranquilas e fáceis. Na França, nos preocupamos com a taxa crescente de suicídios. Na América, o suicídio é raro, mas soube que a loucura é mais comum que em qualquer outro lugar."

Familiarizado com as limitações das sociedades aristocráticas, Tocqueville não tinha vontade de voltar às condições que existiam antes de 1776 ou 1789. Ele sabia que os habitantes do Ocidente moderno desfrutavam um padrão de vida muito superior ao das classes mais baixas da Europa medieval. Mas ele gostaria que essas classes excluídas também tivessem beneficiadas com uma tranquilidade mental negada a seus sucessores para sempre.

(...) Nas aristocracias, os servos com frequência aceitavam seu destino de bom grado; eles poderiam nas palavras de Tocqueville, "pensamentos elevados, um forte orgulho e respeito próprio". Nas democracias, contudo, a atmosfera da imprensa e da opinião pública sugeria incansavelmente aos empregados que eles podiam chegar aos pináculos da sociedade, que podiam se tornar industriais, juízes, cientistas ou presidentes. Embora esse senso de oportunidade ilimitada pudesse estimular, no início, um contentamento superficial, especialmente entre os empregados jovens, e, embora ele permitisse que o mais talentoso ou sortudo satisfizesse suas metas, com o passar do tempo e com o insucesso da maioria das pessoas, Tocqueville percebeu que o humor delas tornou-se sombrio, a amargura assumiu o controle e sufocou o espírito e o ódio que tinham de si mesmas e de seus senhores tornou-se feroz."

Alain de Botton, Desejo de Status (Rocco/LPM)


imagem veio daqui.