sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Telegrama






Meu Deus e o Deus dos outros

(Trecho do Capítulo 7 - O Deus dos Místicos da “A História de Deus”, de Karen Armstrong – Cia das Letras)



O judaísmo, o cristianismo e – em menor escala – o islamismo desenvolveram a ideia de um Deus pessoal, e por isso tendemos a pensar que esse ideal representa a religião em sua melhor forma. O Deus pessoal ajudou os monoteístas a valorizar os sagrados e inalienáveis direitos do indivíduo e a cultivar uma apreciação da personalidade humana. A tradição judaico-cristã, portanto, ajudou o Ocidente a adquirir o humanismo liberal que tanto preza. Esses valores eram originalmente venerados num Deus pessoal que faz tudo que fazemos: ama, julga, castiga , vê, ouve, cria e destrói como nós. Javé começou como uma dividade altamente personalidade, com ardentes simpatias e antipatias humanas. Mais tarde, tornou-se um símbolo de transcendência, cujos pensamentos não são os nossos e cujos desígnios pairam tão acima dos nossos quanto o céu acima da terra. O Deus pessoal reflete uma importante intuição religiosa: que nenhum valor supremo pode deixar de ser humano. Assim, o personalismo é uma etapa importante e – para muitos – indispensável do desenvolvimento religioso e moral. Os profetas de Israel atribuíram suas próprias emoções e paixões a Deus; budistas e hinduístas incluiram uma devoção pessoal a “avatares” da realidade suprema. O cristianismo fez de uma pessoa humana o centro da vida religiosa, procedento de uma forma única na história da religião: levou ao extremo o personalismo inerente no judaísmo. Talvez a religião não consiga deitar raízes sem um certo grau desse tipo de identificação e empatia.

Contudo, um Deus pessoal pode tornar-se um sério inconveniente. Há quem veja um mero ídolo esculpido à nossa imagem, uma projeção de nossas limitadas necessidades, temores e desejos. Supor que ele ama o que amamos e odeia o que odiamos, endossando nossos preconceitos, em vez de nos obrigar a superá-los. Quando ele não “impede” uma catástrofe ou “deseja” uma tragédia, dá impressão de ser insensível e cruel. Acreditar em um desastre por vontade de Deus pode nos fazer aceitar coisas fundamentalmente inaceitáveis. O fato de, como pessoa, Deus ser do sexo masculino também é limitativo: significa que a sexualidade de metade do gênero humano é sacralizada à custa do feminino e acarretar um desequilíbrio neurótico nos costumes sexuais humanos. Um Deus pessoal pode ser perigoso, portanto. Ao invés de nos arrancar de nossas limitações, acaba nos encorajando a aceitá-las, tornando-nos tão cruéis, insensíveis e presunçosos como “Ele” parece ser. (...) Tudo indica, portanto, que a ideia de um Deus pessoal só pode ser uma etapa de nosso desenvolvimento religioso. Aparentemente, todas a s religiões reconhecem este perigo e procuram transcender a concepação da realidade suprema como pessoa.

É possível ler as Escrituras judaicas como a história do refinamento e ,depois , do abandono do Javé tribal e personalizado que se tornou Yhwh. O cristianismo, talvez a mais “personalizante” das três religiões monoteístas, tentou atenuar o culto do Deus encarnado, introduzindo a doutrina da Trindade transpessoal. Os muçulmanos logo tiveram problemas com os trechos do Corão nos quais Deus “vê”, “ouve”, “julga” como os seres humanos. Todas as três religiões monoteístas desenvolveram uma tradição mística que fez seu Deus transcender a categoria pessoal e tornar-se mais semelhante às realidades impessoais de nirvana e Brahman-Atman. Poucos indivíduos são capazes do verdadeiro misticismo, mas nas três crenças (com exceção do cristianismo ocidental) foi o Deus místico que se tornou normativo entre os fiéis até relativamente pouco tempo."






(imagem - se não me engano - Lomografia via Flickr)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Achados



Estou em tempos atribulados, então serei breve e raro daqui por diante:





a)Mapa da "Não-Monogamia". Achei AQUI.




b)Mapa da Sexualidade Humana. Veio DAQUI.




c)Mergulho em um fractal de Mandelbrot, que faleceu em outubro passado.

Há uma boa matéria sobre ele na Piauí de novembro. O artigo está disponível AQUI.

Fonte do vídeo: Problemas/Teoremas

d)A Humument

pág 27:




Achei graças ao Braulio Tavares, neste ARTIGO do Mundo Fantasmo. TRECHO:

"Por volta de 1966, o artista plástico inglês Tom Philips, então com 29 anos, embarcou num projeto que começou como passatempo e acabou se transformando numa empreitada que já dura quase quatro décadas. Philips tinha curiosidade pelas técnicas do que hoje se chama “desconstrução”, aqueles trabalhos onde um artista pega uma obra já existente e interfere nela de tal forma que extrai dali uma obra de natureza totalmente diversa, e original. Diz ele que o ponto de partida para sua idéia foi o conceito, (popularizado na época pelo escritor William Burroughs) da técnica do “cut-up”. Burroughs pegava uma página de livro ou de jornal, cortava-a em retângulos de igual tamanho, trocava a posição deles, colava-os; e aí copiava o texto resultante, interferindo nele ou não.

A idéia de Philips foi pegar um romance da época vitoriana e usar suas páginas para criar obras que misturassem literatura e pintura. Literalmente, ele se propôs a pintar por cima do texto, ocultando a maior parte dele, e deixando aparecer somente palavras isoladas que iriam formar novas frases não previstas pelo autor. Meio ao acaso, ele comprou num sebo um exemplar do romance A Human Document (“Um Documento Humano”) de um tal W. H. Mallock, publicado em 1892, e pôs-se a trabalhar."

Amostras do trabalho podem ser vistas AQUI.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

amigo visita





...Quem?

Aqui?

Não, acho que o senhor se enganou de endereço. Este número não existe.

Derrubaram uma casa logo ali adiante, foi para colocar o alicerce daquele viaduto. Mas faz anos, eu era menina.

Pra onde ele foi? Acho que voltou pro Nordeste. Ou ganhou na Mega-Sena ou foi preso.

Sei lá, tem diferença?

Não tenho endereço não. Agora, o senhor me dá licença que tô ocupada."

Fecha a porta. Lá em cima do viaduto passa sirene.


O homem coça a cabeça. Lê o endereço. Confirma os números. Olha pra lá, olha pra cá... e nada parece com as lembranças que tinha do lugar. O viaduto sustentado por alicerces delgados como girafas. Onde antes havia árvores estão postes de iluminação. Uma quadra de casas geminadas deu origem a uma fábrica abandonada. Os jardins viraram recantos de entulhos e cacos de azulejo. O campo de bater bola agora virou catedral dos crentes. Ele sabe que são lembranças reais e não de um sonho: o que diferencia uma da outra é uma certeza fina, tênue, resistente como uma teia de aranha. E é só por conta desta certeza que ele caminha até o alicerce do viaduto. Uma parede milagrosamente limpa de grafiteiros e pichadores. Até agora.

Escreve sua mensagem ao amigo. É breve. Descreve como está a vida, como andam os filhos, os dias tediosos do trampo, o último filme a que assistiu. Pensou em deixar email, número de celular. Mas não sabe se haveria conversa para tanto. Depois vai embora sabendo que logo o temporal de verão vai apagar o giz.




(Foto minha de um Grafite na Liberdade. Quem é? Não sei)