segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Telegramas




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Que leitura você faz do que se passa na literatura contemporânea? 

Não creio que seja possível fazer tal leitura, mas acredito que há mais desconfiança que nunca na ficção. Creio que a sociedade contemporânea deixou de confiar na ficção como uma maneira única e insubstituível de explorar nosso mundo e nossa condição humana. Creio que os modos de pensamento que a ficção propõe - modos ambíguos, baseados no teimoso questionamento de nossa realidade, na vontade de explorar nossos lados mais obscuros sem fechar os olhos - não são muito populares no presente. A ficção que não se resigna a apaziguar o leitor, mas inquietá-lo, que se nega a enganá-lo e busca, ao contrário, dizer as verdades mais dolorosas, essa ficção está desaparecendo porque já não interessa à grande massa dos leitores, cuja consciência foi sequestrada pelo conformismo e pela frivolidade. Nada que, obviamente, seja uma razão para não continuar a escrever. "

Entrevista de Juan Gabriel Vásquez, publicada no Estadão

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Telegramas


O escritor precisa ser um ursinho carinhoso.

"No ensaio “Why I Write”, de George Orwell, o pensador britânico reflete sobre os motivos que levam alguém a escrever um livro. O primeiro item da lista choca os mais idealistas: “puro egoísmo”. Orwell explica o que quis dizer com isso: “O desejo de parecer inteligente, de que outras pessoas falem de você (…)”. Os outros três motivos para escrever, de acordo com Orwell, são: “entusiasmo estético”, “impulso histórico” e “motivação política”. Cada uma destas motivações está presente, nas mais variadas proporções, em todos os escritores – e, como sugere Murphy, talvez também nos leitores. No final, faz diferença o que motivou Orwell a escrever 1984? E se lêssemos uma entrevista no qual ele revelasse ter redigido a obra por pura vaidade? Isso mancharia a imagem do autor? O escritor precisa ser um ursinho carinhoso? O fato é que Orwell escreveu 1984 e que James Murphy compôs Losing My Edge, provavelmente movido por pretensão e por uma leitura que fez por vaidade. E somos gratos ao egoísmo deles."

Finalzinho da postagem de Xerxenesky no blog da Cosac sobre os motivos fúteis e egocêntricos que levam alguém a escrever.

sábado, 9 de novembro de 2013

Achados



O avô de Sherlock Holmes acreditava em fadas





a)Charles Altamont Doyle (1832-1893), pai de Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes), foi pintor de pouca relevância. Foi alcoólatra e sofria de depressão. Dentre seus temas prediletos, cenários com fadas (com o tempo, tornaram-se mais sinistros).  O quadro acima, A Dance around the Moon, me lembrou Charles Vess. Via Victorian Era Fan Guide (que entre outras coisas tem o programa da primeira peça de teatro baseada em Drácula de Bram Stoker em 1897)




b)Sharon Tate - Via Ffactory.


c)Destroy comics, tumbrl de um fã do quadrinista Paul Pope.

sábado, 2 de novembro de 2013

Telegramas





“Parecia um claro dia de primavera. O sol brilhava nos loureiros que ladeavam o caminho do jardim por onde irmã Inez passeava, agarrada a seu breviário. Até ela chegar à fonte, as saias negras compridas esconderam o fato de que estava descalça. Era o tipo de jardim em que se esperaria que o ar estivesse pesado com o cheiro doce do jasmim, e embora os pássaros não aparecessem dava para imaginá-los cantando e roçando as asas com nervoso prazer à sombra dos arbustos. A irmã Inez estendeu um pé brilhante e tocou a água do tanque; o céu cintilava alvo. Dos arbustos, padre José observava, os olhos brilhantes ao acompanharem os pezinhos seguindo um depois do outro pela água transparente. De repente, a irmã Inez soltou o capelo que estava preso por um colchete debaixo do queixo; as madeixas negras rolaram pelos ombros. Com um segundo gesto brusco ela soltou o hábito até embaixo (era incrivelmente fácil), abriu bem e virou para revelar o jovem corpo branco e roliço. Um momento depois ela jogara as roupas em cima de um banco de mármore e estava parada ali, completamente nua, ainda segurando o livrinho preto e o rosário. Os olhos de padre José se abriram ainda mais, e ele voltou o olhar para o céu: estava rezando para pedir forças para resistir a tentação. Na verdade, as palavras PIDIENDO EL AMPARO DIVINO apareceram gravadas no céu e lá ficaram, tremulando ligeiramente, durante vários segundos. O que se seguiu não era uma surpresa para Dyar, uma vez que ele não esperava que viesse o amparo divino, nem se surpreendeu quando, um momento depois, três outras freiras saudáveis entraram de outras tantas direções para se juntar ao ocupado casal na fonte, transformando assim o pas de deux em um número coral.”


 Que venha a tempestade, Paul Bowles (1952)