quinta-feira, 29 de abril de 2010

Telegrama




Oração ao tempo
(Caetano veloso)


És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e migo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo

Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...


(Leia também o livro infantil "O pato, a morte e a tulipa" do ganhador do prêmio Hans Christian Andersen Wolf Erlbruch. Saiu aqui pela Cosac & Naify.)

Telegrama





"Jan Chipchase diz que o público usuário de celular se expande em todas as direções. Há populações analfabetas aprendendo a usá-lo, e a Nokia está desenvolvendo modelos que facilitam o uso a quem não sabe ler, embora tais modelos não sejam “marquetados” dessa forma, para não criar um estigma e afastar os usuários. Na África é comum um único aparelho servir para uma família inteira, e foi desenvolvido um sistema que permite esse aparelho guardar várias identidades, cada qual com sua agenda telefônica, mantendo a privacidade de cada usuário.

Em Uganda, diz Jan, o celular serve à população pobre como um meio de transferência de dinheiro. Digamos que Fulano está na capital e precisa transferir 50 dólares para sua irmã, que mora num vilarejo onde não há bancos. Ele vai no shopping, compra 50 dólares em crédito num cartão pré-pago, e liga para o cara que mantém no vilarejo um quiosque de celulares pré-pagos para uso da população. Ele informa ao cara o número do cartão pré-pago, o cara carrega o valor num dos seus celulares, e entrega 50 dólares à irmã do outro."

trecho de "Antropologia do Celular", artigo de Bráulio Tavares no Mundo Fantasmo


"Muçulmanos entrevistados pelos etnólogos de consumo almejam celulares com dispositivos de navegação por satélite para poderem orar voltados para Meca. Um refugiado da Libéria sonhou com um celular munido de detector de minas terrestres. Em Mumbai, na Índia, os moradores de favelas queriam celulares com gancho, para poder pendurá-los seguros das chuvas sob os tetos de seus barracos, juntamente com outros pertences, na época das monções. E no Rio de Janeiro, o futuro celular ideal deveria medir a qualidade do ar. Ali, as mulheres também desenharam esboços de celulares que permitissem a elas vigiar e controlar seus maridos."

Revista Geo Brasil nº 09 Editora Escala




(imagem Digital City, por Hubert Blanz)

baixa pressão






A luz do dia do meio dia rebenta pelas frestas e portas, insinua-se por buracos no forro, esmaecida pelas cores frias dos vitrais. Dissemina-se pela porta da entrada. Por pouco, a igreja não está vazia. Sentados em bancos, ajoelhados. Parados diante dos altares, benzendo-se na pia batismal. Pombos sobre um parapeito. Abismo. Silêncio. Ecos. Arquitetura para reflexão e induzir os fiéis a olhar para o alto. Buzinas. O piso com um bordado de linhas retas entrecruzadas. Cristina entra, fecha as pernas dos óculos escuros. Faz o sinal para o Cristo adiante no altar. Senta-se em uma das últimas fileiras. Cabeça baixa. Mais adiante, uma senhora com terço. Os dedos correm as contas. Cristina abre a bolsa, passa um lenço sobre o suor da testa. Verifica o celular. Sem mensagens. Muda para o modo vibrador. Alguém tosse. Ecos. Um ônibus freia, um urro animalesco no asfalto. Mas todos continuam em suas preces silenciosas. As paredes isolam como uma gruta. As imagens dos Santos: faces tranquilas, olhares tristes, lábios cerrados, rostos raros hoje em dia. As mãos dedilham o ar, acariciam o vazio. Cristina não reza, continua olhando o próprio colo, ou a senhora, ou o teto. Disfarça o celular na mão. Um folheto dobrado em muitas vezes fora abandonado sobre o banco a seguir. Ela estica o braço para pegá-lo. Reaberto, o folheto lembra um mapa, cheio de vincos. Cristina lê a Segunda Leitura e o Evangelho. Parábolas. O Bom Samaritano. Músicas. Creio em Deus Pai, todo poderoso. Confere o horário. Sirenes. Uma moto passa a toda velocidade. Cristina conta as estrelas que atravessam o forro do teto. Verifica o celular. Sem mensagens. Outra tosse. Quase distraidamente, percebe um homem em um terno fino sentado do lado oposto do mesmo banco; permanece de óculos escuros, apesar de estar no interior da igreja. Contendo o medo, ela guarda o celular na bolsa, faz o sinal da cruz e se levanta. Procura manter a calma. Mas há outros dois homens engravatados na porta de saída. Eles estão em pé, fingem orar. Cristina ruma em direção ao altar. Surge um quarto homem detrás de uma das colunas. Passos mais rápidos às suas costas. Faz um desvio final e entra na cabine do confessionário. Sozinha, atrás da cortina de tecido espesso. No escuro. Cristina retira da bolsa a vinte e dois. Fica a espera. (...)1. Há um aviso com os dias e os horários nos quais o padre estará disponível para prestar o sacramento. Os homens sabem que neste horário o padre almoça. Talvez esteja comendo um coroinha. Um deles faz um sinal para que os demais cerquem o confessionário. Os três se aproximam. Chamam-na pelo nome, sussuram, não querem chamar a atenção. Dona Cristina, por favor, sai daí. O Doutor mandou a gente não machucar a senhora. No interior da bolsa, uma luz se acende. Chega uma mensagem, mas de outra pessoa. Está em caixa alta e ela não terá oportunidade de ler: FOGE. ELE DESCOBRIU. MA. Sem resposta, um deles abre o confessionário. Ouve-se um tiro. Não atinge ninguém. Os demais frequentadores da Igreja pressentem circunstâncias incomuns. Alguém corre. Pombos voam. Apesar da ordem do Doutor, o sangue ferve e eles entram à força. Cristina recebe alguns socos, a arma cai pesadamente. Bolsa aberta no chão. Celular corre que nem barata e desaparece em alguma fresta. Os homens carregam-na para fora. Um deles esconde a arma em um lenço. Aquela senhora que rezava pergunta o que aconteceu. O líder responde, pressão baixa, muito calor, ela desmaiou. Ela acompanha os quatro carregando-na em direção à luz da rua. Ela faz o sinal da cruz e pensa Graças a Deus estes anjos estavam aqui para socorrê-la. O sangue pinga do nariz de Cristina formando estrelas gordas sobre as linhas retas no piso.

(1) (Criar neste espaço best-seller de 300 páginas contando a história de Cristina o qual o deixará rico e insuportável, requisitos imprescindíveis para dar sentido à sua vida)






(Encaixe-se: crença. Imagem )

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Telegrama


The killing moon
(Echo & The Bunnymen)

Under blue moon I saw you
So soon you’ll take me
Up in your arms
Too late to beg you or cancel it
Though I know it must be the killing time
Unwillingly mine

Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him

In starlit nights I saw you
So cruelly you kissed me
Your lips a magic world
Your sky all hung with jewels
The killing moon
Will come too soon

Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him

Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him

Under blue moon I saw you
So soon you’ll take me
Up in your arms
Too late to beg you or cancel it
Though I know it must be the killing time
Unwillingly mine
Unwillingly mine


(pintura de John Atkinson Grinshaw de 1879: In Peril aka Harbor Flare)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Achado

Los Muertos


José Guadalupe Posada (1852-1913) foi um gravurista mexicano que produziu mais de 20.000 ilustrações durante sua vida. Adquiriu fama graças às ilustrações satíricas das "calaveras". Surgiram da festa tradicional mexicana do dia de finados (Dia de Los Muertos).

É de conhecimento geral o que se diz: que esta festa teria se originado do sincretismo religioso entre práticas das civilizações pré-colombianas da meso-américa e tradições católicas.

Curiosamente, conheço duas histórias que poderiam explicar, ao menos em parte, o respeito festivo dos mexicanos pela "morte". Uma terceira recentemente foi objeto de um documentário do Discovery Channel.



A primeira que conheci veio em um número da revista Love and Rockets, escrita e desenhada pelos irmãos Jaime e Gilberto Hernandez, publicada pela Fantagraphics. Alguma coisa deles já foi publicada no Brasil, mas não me parece ser um quadrinho popular.

Esta história especificamente fora desenhada por Gilberto e seria baseada em um conto folclórico mexicano; daí seu título original: Folktale. Pode-se encontrá-la no volume 9 do Complete Love and Rockets, Flies on the Ceiling.

A história é curta e "muda", com exceção da página final. Ela gira em torno de uma mulher assediada por umas figuras muito estranhas. Ela recusa seus pretendentes, até escolher um grandão com máscara de "calavera". Tem um jeito surreal até a última página, onde se consegue entender o que acontece. A mulher se chama Steña, um nome um tanto estranho. Não encontrei nenhuma referência a este nome. Acredito que seja Stina, uma abreviação de Cristina. Bem, mas vamos a história:

Steña, por que recusaste a Deus?
Porque Deus ignora seus seguidores, trata os bons com dureza e oferece carinho aos maus.
Steña, por que recusaste ao Diabo?
Porque o Diabo ignora seus seguidores, oferece carinho aos maus e trata com dureza os bons.
Stenã, por que aceitaste a Morte?
Porque a Morte não faz distinção entre crianças ou velhos, ricos ou pobres, bons ou maus, todos são bemvindos junto a seu coração.

A outra veio de um livrinho da Conrad, cujo autor é o misterioso B.Traven. São contos que se passam no México. Um deles - Macario - era bastante apreciado por Jorge Luis Borges. O início do conto é bastante parecido com este final dos quadrinhos da Love and Rockets, embora menos "subversivo", vamos dizer assim.

Um pobre camponês chamado Macário finalmente tem a chance de degustar um peru. Mas antes de comer, ele é interrompido por alguns sujeitos que pedem um pedaço a ele. Macário se desvencilha do Diabo e de Deus, mas não consegue recusar de dividir seu almoço especial com a Morte. Isto os torna amigos e vai desencadear os acontecimentos restantes do conto.

(A ordem precisa ser outra: Primeiro Traven, depois Hernandez, e por último o Discovery falando da Santa Muerte)







A primeira é dos (Love and ROckets) a segunda de B.Traven (um conto elogiado por Borges)


While the Posada images recall the 15th century european figures from Holbein in the Danse Macabre, I could find no evidence to suggest that this was a direct influence on Posada. The images here and the background to Día de los Muertos are certainly evidence for the calaveras being a generally 'happy' form of illustration.

Diego Rivera was a big fan of Posada and together with other art students, they would go to the print shop to collect the shaving from the Posada's engraving blocks. Rivera would immortalize Posada in the mural Sueño de una tarde dominical en la Alameda Central (Dream of a Sunday Afternoon in the Alameda).

It was the nature of the times in Mexico that critical publications were suppressed, which meant that the biting satire of illustrations such as those of Posada became all the more poignant. The political and social threads in the illustrations often require some local background however. Despite the important place Posada holds in the pantheon of Mexican (print) art, he was largely unknown and very poor at the time of his death - at the beginning of the Mexican revolution.

Link com a informações sobre Posada e (a partir dali) muitos outros links sobre o autor.
http://bibliodyssey.blogspot.com/2005/11/los-calaveras-de-posada.html

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Onirogrito






Sem título



(Não se apressem nas conclusões, mas meu pai adorava a revista Seleções. Eu acabava lendo, sem muita empolgação. Mas, numa destas vezes, encontrei este fragmento:

Um provérbio persa afirma que tudo o que dizemos deveria passar por três portas: Sobre a primeira, há uma placa escrita “É verdade?”; Na segunda, uma placa “É necessário?”; E na última: “Não vai machucar ninguém?”

Quando criança, acreditava que o respeito a estas regras implicaria em um silêncio absoluto. Acabei sendo uma criança quieta. Mas eu já era meio calado. Vai ver, o provérbio foi a desculpa.

A própria ordem das perguntas sugere uma hierarquia. Enquanto a primeira e última pergunta são de propósitos mais claros, a segunda sempre me pareceu um tanto obscura. Como dizer o que é necessário? Talvez a idade tenha me feito entender melhor seu sentido. Ou a distorcê-la a ponto de desrespeitar as outras duas, conforme o caso. Conforme a necessidade.

Escrever é outro ato de ódio. Entretanto, são precisos bons motivos para machucar alguém. No mínimo, seja verdadeiro e necessário.

Depois de escrever, faço as perguntas. Dependendo da resposta, apago tudo.
)




(*imagem via Neatorama: mas esqueci o assunto)

sábado, 10 de abril de 2010

Achados


1)INCAL, Le film

Cinco minutos com imagens de um desenho animado que não foi pra frente: INCAL, baseado nos quadrinhos de Jodorowsky e Moebius. Desconheço os detalhes, mas há algumas imagens de Arzach também (Não é a série nova, com episódios curtos...). Descoberto graças ao RETINA (Television is reality, and reality is less than television). Veja também o curta Starwatcher (1992). Gostei do Chemical Brothers na trilha usada para esta "versão" de Is man good?

2)Interstate76

Falando em trilha sonora, conheça a trilha "super-groovy" do jogo para PC de 1997, Interstate76. O jogo se passa em um universo decadente cheio de "muscle cars" armados até os dentes... Uma mistura de "Vanishing Point" com o primeiro "Mad Max". O jogo era bem divertido (apesar de algumas passagens dificílimas), mas a trilha era fantástica.

3)Passagem

"Virando o Jogo" é o nome do ensaio que o escritor Daniel Galera fez para a revista Serrote nº04. Assunto: videogames. A partir da história de "Prince of Persia", Galera faz uma análise dos impactos emocionais a que podem passar os jogadores. Ótimo ensaio, recomendo não só para fãs de videogame, mas também para aqueles que escrevem.

Em determinado ponto, Galera fala de um joguinho muito simples chamado Passage. Ele sugere que a pessoa jogue antes de ler (Sim, meus amigos, o ensaio de Galera é cheio de spoilers; mas não reclame). Realmente, penso que o impacto seria maior. Sendo assim, experimente: É preciso baixar o jogo que está disponível neste link.

Dura cinco minutinhos.

Jogue algumas vezes.

Depois deixe os seus comentários.

4)Pulverize

Neste quadrinho de Kevin Huizenga, temos o videogame sendo usado a favor de uma história. Ela descreve a "bolha" das empresas ponto com dos anos 90, ao mesmo tempo que se aprofunda na "viagem" proporcionada por um video game de tiro em primeira pessoa. A história ganhou um Eisner, ainda é possível de encontrar. Tem um "pedacinho" AQUI.

Descrição: "Everyman Glenn Ganges ruminates on the simple times of the dot-com era when the reality of business was propped up by the unreality of addictive technology and hope. Kevin Huizenga cleverly parallels that unreality with the unreality of addictive networked first-person shooter video games, and the attempts of people around him to genuinely connect with each other. Huizenga’s elegant neo-clear-line style brings a crispness and humor to these low-key slice-of-life stories, and the gray-blue duotone he has picked gives the art a new depth and complexity."


6)Fotografias médicas

Retratos clínicos (Via Coisas do Arco da Velha). Imagens fortes.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Telegrama







Velho inimigo




Come as you are, as you were,
As I want you to be as a friend,
As a friend, as an old enemy

Take your time, hurry up
Choice is yours, don't be late
Take a rest, as a friend

As an old memory, memory,
Memory, memory, memory, memory

Come downsed in mud,
Soaked in bleach
As I want you to be

As a trend, as a friend,
As an old memory, memory,
Memory, memory, memory, memory

And I swear that I don't have a gun
No I don't have a gun, no I don't have a gun
No I don't have a gun, no I don't have a gun


(imagem via HawLin)

domingo, 4 de abril de 2010

agradeça a marv wolfman





Enquanto o mundo enlouquecia, escutei alguém bater palmas. Devagar, entreabri a porta da casa. Ouvira dizer de um sujeito descuidado que acabou morto por um grupo de bugres a golpes de tacape. Melhor não dar bobeira.
Espiei pela janela, escondendo-me na cortina, a garagem estava vazia, eu podia ver o sujeito por inteiro, sua silhueta cortada pelas grades do portão. Era um homem familiar, lembrava alguém da família de meu pai, mas era bem mais robusto. Bem, estou sendo legal: era meio gordo. Sua camiseta verde estava bem justa ao corpo, e bem no meio do peito, o emblema dos lanternas verdes, o herói do gibi e dos Superamigos. Bateu palmas de novo. Não havia me visto ainda.
-Pois não? – gritei lá da porta, colocando apenas a cabeça para fora.
-Aqui é da casa dos Moreiras?
-É sim.
-O seu Moreira está?
Meu pai fora buscar minha mãe na Igreja, desde que começaram estes rolos, minha mãe resolveu ser beata, orando o terço pela salvação de nossos pecados. Como as coisas estavam muito confusas, ele preferiu ir buscá-la com o Monza. Se a coisa continuasse feia, a gente pensava em fugir para o sítio dos meus avós. Não que estivesse muito melhor por lá.
Fiquei com medo de dizer que ele não estava, mas também não sabia como provar sua presença. Preferi o meio-termo.
-Ele não pode atender agora, volta mais tarde.
O homem ficou quieto, ajeitou o óculos escuro na testa e tentou me ver de onde estava. Eu já ia fechar a porta, mas ele insistiu.
-Espera. Você é o Maurício, não é?
-Te conheço?
-Sou seu xará, também. Conheço seu pai e sua mãe... E você também... Mas faz muitos anos que não o vejo. Eu... Eu não poderia esperá-lo aí dentro? Aqui fora, a coisa está meio... esquisita.
Relutei um pouco. Neste meio-tempo da conversa, o sobrado de fronte a minha casa desapareceu, sendo substituído por um matagal, melhor dizer, uma floresta, as árvores enormes como um prédio, os cipós longos como elevadores, as copas remexendo-se ao sabor do vento feito os lençóis que minha mãe deixou no quintal dos fundos. Bem lá no alto, os bugios rugiam (de medo, eu suponho).

O cara percebeu minha insegurança e disse o nome de meu pai, minha mãe, meus avós e até do nosso vira-lata. Descreveu alguns fatos com intimidade, como se ele já estivesse estado ali. Inclusive, qual o episódio do Caverna do Dragão que eu mais gostava. O homem parecia meio bobo, mas inofensivo. Mas, por via das dúvidas, catei um estilete (que usava para apontar lápis) e escondi em meu bolso.
Não dei minhas costas ao cara, não sei quem me ensinou isto, deve ter sido em um filme, ou simplesmente não sou tão burro para minha idade. O homem entrou em nossa sala simples e olhava a tudo maravilhado, como se ele fosse um explorador invadindo a sala dos tesouros de um faraó. Ele deu atenção a nossa televisão e ficou mexendo no seletor, tec-tec-tec, mudando de canais. Muitos estavam fora do ar, mas repentinamente a gente pegava umas transmissões da Copa de 94 ou de 78. Era realmente assombroso assistí-los, pois a última que acompanhei foi a da Espanha. Quando a gente percebia que era algo de fora de nosso tempo, a gente achava melhor desligar o aparelho. Era muito estranho, uma espécie de pornografia ficar espiando o passado ou o futuro assim. Mas o sujeito parecia não se importar. Ele disse de repente:
-Meu Deus, como o Chacrinha era ridículo...
Olhou, estupefato, para o Atari sob a tevê. Experimentou os joysticks na mão. Depois, voltou a atenção para os bonequinhos do Comandos em Ação que eu havia largado sobre o sofá. Eu estava fazendo eles brigarem com um do Hulk. O Hulk era da Gulliver, e sua escala estava toda errada, parecia um tampinha perto dos soldados, mas quem se importa? Havia uns Playmobils (é assim que se escreve?); eles eu usava para serem vítimas do monstro verde (apesar do boneco ser todo de plástico cinza). Eu retirava a peruca dos mortos, como se seus miolos estivessem espalhados para fora do crânio.
-Eu tinha a coleção, mas me roubaram todos. Eu gostava mais do índio. Você não tem?
Pensei, um marmanjo destes ainda brincando com bonequinhos, não tem nada melhor a fazer, não?
-Que eu saiba, são só estes cinco bonecos.
-Acho que estes não saíram ainda.
Eu ia perguntar se ele trabalhava na Estrela, mas pela televisão mostraram imagens de outros lugares, cavaleiros medievais e romanos se enfrentando em Paris, a tropa de choque avançando sobre uma revolta de escravos em Salvador, um tiranossauro de verdade devorando gado no Texas, os pterossauros sobrevoando Fortaleza, Londres sendo bombardeada por V2 e um etéreo cogumelo atômico sobre Hiroshima, como se fosse um véu sobre a cidade atual.
Finalmente, em uma reunião de cientistas em Washington (entre os quais estavam Einstein, da Vinci e um outro de cadeira de rodas que não conhecia), exibiram-se fotos do espaço, onde uma estranha nuvem branca aparecia por todos os cantos e recantos do universo, engolfando tudo como um leocócito, e as estrelas e os planetas, fossemos a doença.
Quando me virei para o sujeito no sofá, ele estava com lágrimas nos olhos. Sem saber o que dizer, tentei animá-lo, como meu pai fazia comigo quando ia mal na prova, ou quando os demais moleques na escola me chamava de quatro-olhos C.D.F:
-Calma, não é o fim do mundo...
O sujeito sorriu apenas, mas um sorriso esquisito, daqueles que se mostram os dentes, por dentro se continua todo infelicidade.
-Você não tem idéia de quem sou, tem?
Ele me explicou que, na verdade, era eu mesmo, só que daqui a uns quinze, vinte anos. Eu não acreditei assim, tão fácil. Será que eu iria me tornar um babacão daquele jeito?
-Como é que você não usa óculos?
Ele me explicou que inventariam uma cirurgia para correção de miopia. Mas o que realmente me convenceu, foi sua descrição de como era a nossa família (o que havia dito sobre mim, não era tão exato, acho que a gente se torna adulto e precisa se esquecer de muitas coisas de como era quando criança). Para completar, me mostrou umas revistinhas que descreviam com grande precisão o que acontecia no planeta e no universo.
Eram quadrinhos de super-heróis. Eu tinha algumas, mas não era assim um fanático... Gostava mais do Homem Aranha e do X-Men, e as que ele tinha envolviam Batman, Superman, esta galera dos Superamigos. Ele tentou me descrever de forma sucinta o que acontecia ali, eu não compreendi muito, parecia uma coisa meio complicada, fora que umas páginas tinham uns duzentos personagens na mesmo quadrinho... Mas percebi que, realmente, umas coisas que estavam acontecendo eram do mesmo jeito que no gibi: o tempo ficando todo estranho e misturado, o clima endoidecendo e a tal nuvem branca absorvendo e apagando tudo, passado, futuro e presente. Questionei como a história acabava e ele me respondeu que os super-herós reunidos davam um jeito nas coisas.
-Os super-heróis? Quer dizer, Superman, o Capitão Marvel, este pessoal?
-É.
-Mas... Mas isto é coisa de gibi. Não existem heróis de verdade, assim que nem estes, pelo menos.
-Eu sei. Estamos condenados.
Outro dia no jornal, falavam da crise, da inflação, da política, de que como nada parecia ter uma solução fácil. Nada como uma crise de verdade para colocar as coisas sob nova perspectiva. Me senti feito o Reed Richards diante do Galactus, feito a cabeça de Maria Antonieta ouvindo o zunido da guilhotina, me deu vontade de comer chocolate e de chamar minha mãe. Me senti fodido e mal pago.
-Não fique triste. Agradeça a Marv Wolfman, o cara que escreveu este gibi: pelo menos, o mundo não está acabando por nossa responsabilidade, como parecia acontecer em minha época. A culpa não será mais nossa.




-Bem, e o que você veio fazer aqui? Veio só contar as novidades? Não veio até aqui para dizer que vamos perder o final de Roque Santeiro?
O homem que eu um dia seria explicou que, ao ver o noticiário na tevê, resolveu voltar a cidadezinha onde nasceu, reencontrar a mãe (O nosso pai faleceria daqui a uns dez anos). Não havia mais ninguém que se importasse, com quem valesse a pena passar pelo fim de tudo. Na estrada, passou por colonos italianos do começo do século e um rebanho de camelos pré-históricos. Já perto da cidade, houve uma nevasca repentina, sem a experiência para dirigir nestas condições, acabou derrapando e batendo. Tentou ligar para pedir ajuda, mas o celular só pegava um noticiário da Radio Libre de Cuba. Resolveu prosseguir a pé, e percebeu assombrado que não estava mais na mesma época de antes.
-Estou feliz, por ter a chance de reencontrar nosso pai.
Fiquei amuado. Olhei para meus bonecos e decidi guardá-los. Ao menos uma vez fazer a vontade de minha mãe. O meu eu mais velho me ajudou, ele também sabia onde guardá-los. No meu quarto, vislumbrou meu caderno de escola. Ao folheá-lo, comentou ao chegar na última página.
-Sabe a Andreia Zóinho?
-Quem?
-Para com isto, eu sei que você sabe quem ela é, para que mentir para si mesmo? Não é a menina que escreveu esta mensagem em seu caderno com estas canetas coloridas?
-Tá, que que tem...?
-Declare-se a ela.
-Como é? Quem você pensa...?
-Sou você mesmo, mais velho e mais esperto (em algumas coisas, talvez mais bobo em outras). Hoje ela pode parecer meio esquisita, de aparelho e de óculos, mas acredite, ela vai melhorar bastante com o tempo. Não seja o babaca solitário que me tornei agora... Ou depois, não sei bem.
Diante de minha indecisão, ele contou outras coisas a respeito de meu futuro, aquele que viria. Não vou descrever todas as cagadas que ainda iria fazer. Mas basta saber que decidi seguir seu conselho. Escovei os dentes, peguei a bicicleta e tênis. Antes de sair pelo portão, questionei:
-Mas e meus pais?
-Eu fico aqui, não se preocupe, se o mundo acabar durante este tempo, você ainda estará aqui. Estarei esperando por eles. Agora, vá fazer o que precisa.
-Mas... Isto não tem sentido. Se você nunca disse nada a ela, como eu, ou melhor, o seu “eu” passado poderia dizer?
-Você quer viver sua vida, ou fazer dela um exercício de lógica? Some daqui e corre atrás dela enquanto ainda há no que correr.
Saí pedalando, a casa dela não ficava longe. Espero que permaneça no mesmo lugar... e na mesma época. Ainda estou na dúvida se não estou cometendo uma loucura... Mas se todo o universo pirou, porque eu não? Olhei para o céu, sem certeza de vê-lo novamente, uma esquadrilha de discos voadores passou em formação, acima dos cabos de energia, onde um par de chuteiras velhas jazia pendurado como se fosse um casal unido para sempre na forca.








* * *
(3 observações: Gostaria de informar que esta história foi escrita antes de 1985, de Mark Millar (publicada na revista Marvel Max, da Panini; "agradeça" já havia sido publicada em uma das edições do fanzine eletrônico Farrazine - aliás, saiu a edição 15; Imagem de Rafael Grampá).

Achados








(Fortunate Son - Creedence Clearwater Revival)


a)SOFRIMENTO

-Bob Flanagan é um artista, escritor, humorista, e... masoquista. Você deve se perguntar o motivo de alguém gostar de sofrer. Por quê? Aposto que muito mais gente já deve ter feito esta pergunta. Ele responde a sua pergunta em um VÍDEO (legendado em espanhol). Mais informações sobre Bob Flanagan, via "The Weird World of"(blog em espanhol)

Alguns trechos:

"Por quê?
Porque me faz sentir bem. Porque me provoca ereção. Me faz gozar. Porque estou doente. Porque sou um doente. Porque quero que se foda a doença. Assim chamo atenção. Sou um solitário. Assim sou diferente. Porque me batiam no caminho da escola. Fui humilhado pelas freiras. Pela Igreja e pela crucifixação. (...) Pelos caubóis e índios. Devido a Houdini. Meu primo Cliff. Pelos fortes que construímos e o que fazíamos dentro deles. (...)Porque meus pais diziam, "Seja aquilo que quer ser", e é isto o que quero ser."(...) Porque sempre se fere àquele que ama."

b)EXPLOSÕES NUCLEARES

-The Nuclear Weapon Archive: um guia para as Armas Nucleares ao redor do mundo.

-Alguns vídeos feitos pelo Governo Americano mostrando testes atômicos. O filme nº 55 mostra a construção de uma cidade e o posicionamento de tropas.

Filme nº00. Filme nº 32. Filme nº 54. Filme nº55 ("Vamos encarar os fatos!": Com a imagem das tropas caminhando em direção ao cogumelo atômico) trincheira Filme nº 56. Filme nº57 (mudo): um teste submarino realizado no Oceano Pacífico. Existem vários vídeos disponíveis.

Neste outro vídeo, o Google Earth mostra pra você os lugares onde se realizaram e realizam testes nucleares ao redor do planeta.

c)HIROSHIMA



Trecho de documentário da BBC com o momento da explosão em Hiroshima. Trecho de um anime sobre Hiroshima. As cenas do desenho animado são bem fortes. Versão anime de Gen Pés Descalços (disponível em mangá por aqui). O mangá foi feito justamente por um sobrevivente.


d)TSAR

embrando que a maior explosão nuclear já deflagrada sobre a superfície do planeta foi provocada pela Bomba soviética Tsar sobre uma ilha no Oceano Ártico chamada Novaia Zemlia... Uma bomba de 50 megatons... Muito mais poderosa que qualquer outra já detonada pelo homem... Para terem uma ideia, observem AQUI no Hangar do Vinna um quadro comparativo.)



* * * * *

e)Resenha do Livro Negro dos Vampiros

“Vampiros me parece ser o clichê da década”, disse um leitor do r.izze.nhas. Ele está certo. Mas nesse momento, o clichê está mais ligado a personagens embebidos em leite condensado. Ou lantejoulas. Doce demais enjoa, sempre disse minha mãe, e o mesmo acontece com personagens com mel em demasia. Os vampiros que fazem sucesso hoje infelizmente são assim. É interessante ver uma abordagem diferente, mas preferimos que eles não fujam tanto daquilo que conhecemos.

Para ler o resto, clique AQUI

(Via r.izze.nhas)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Telegrama




1)2010

"
...
A revista nasceu há três anos para aplacar um anseio não confessado dos não-VIPS: o de se comprazer com o fato de que as celebridades metem o pé na jaca. Os editores da Cuore, finos conhecedores da alma humana, partem de um princípio insofismável: muito melhor que o sublime desfile de deuses e deusas pelos tapetes vermelhos do grand monde é o tropeção que eles dão na calçada, se possível pondo à mostra a roupa de baixo. (...) "É uma filosofia 100% livre do Photoshop", define Sílvia, repetindo um slogan da revista.
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Joanetes, celulite, estrias, pelos à mostra, seios caídos, manchas de suor e mazelas assemelhadas de nossa triste condição são prospectadas com zelo de relojoeiro suíço. (...) A sua função é separar o joio do trigo - para publicar o joio. Das fotos, Sílvia pinça tão somente as mais impublicáveis e as encaminha aos seus dois colegas de comando, a redatora-chefe Mayka Sánchez e o diretor Alvaro Garcia.
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O sucesso foi instantâneo e o caminho estava traçado. Era uma questão de tempo para a publicação de reportagens investigativas "Dentes amarelos" (com presença marcante de Amy Winehouse), "Aarg! Por que não se depilam? (Julia Roberts), a as churchilianas "Espinhas, suor e herpes" e "Vícios, anorexia e halitose".
As nádegas têm especial destaque na publicação como na edificante matéria "É rica, famosa, top model... Mas com essa bunda! Suba sua autoestima com Kate Moss". No concurso "As Piores Bundas do Ano", foram agraciadas Britney Spears, Beyoncé e Victoria Beckham. A revista foi processada cinco vezes. Ganhou quatro.
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Matéria "AARG! - Revista de celebridades abraça ideais igualitários" da Sessão Esquina da Revista Piauí nº 41, de fevereiro de 2010, sobre o magazine espanhol Cuore.


2)1998







José Carlos Fernandes; Série "A Pior Banda do Mundo" nº01; O Quiosque da Utopia.