sábado, 2 de fevereiro de 2013

Onirogrito

Jogo do Velho





Dentre as penalidades cabíveis ao pai moderno está a de frequentar aniversários em buffets infantis. Perguntar ao menino se não quer ir antes ao banheiro, tirar foto, entupir-se de coxinhas, passear de carrossel, almoçar massa sujeita a alternativas binárias (bolonhesa ou molho branco), conversar com os pais sobre as doenças dos filhos, sobre as amizades dos filhos, sobre os times que os filhos deverão torcer, tomar coca quente fugindo assim do chope quente, entupir-se de empadinhas, arrastá-lo para o banheiro (o guri escapa por entre os dedos, sem mijar), tirar foto, tentar alimentar o moleque enquanto corre, pegar trenzinho, verificar fralda, rastejar no brinquedão para resgatar criança empacada, levar canelada, gravar vídeo, enfiar-se na piscina de bolinhas atrás do celular perdido, estimular o medroso a escorregar por um intestino plástico de cinco metros de altura, separar brigas na fila do pula-pula, tirar foto, observar as calças do filho (Você fez xixi? Mas eu não perguntei pra você?).


Chega um momento que a gente aprende a relaxar, e passa a se divertir. As crianças envelhecem e você pode afrouxar a atenção. Deixe-as poraí. Existem outras coisas além de calor e barulho. Veja as monitoras adolescentes com o brilho da idade nova, o viço necessário para estimular seus vícios. Mães divorciadas com quem repartir um chope quente. Subornar (mediante uma nota de cinquenta ou por pura simpatia) o garçom para que ele sirva sua mesa antes.

Alguns buffets possuem brinquedos adultos. Nada tão pesado quanto o que passou pela sua cabeça. Uma televisão com a programação de esportes. Talvez, mesas de bilhar, pebolins. Dardos são perigosos. O normal é a diversão voltada aos adolescentes acabe sobrando aos adultos. Inclusive as máquinas de fliperama. Estes locais tornaram-se um dos últmos nichos para estes jogos. Os antigos paraísos de office-boys foram extintos das ruas. Nestas festas, entretanto, é normal ver adultos saudosos disputando lugar para comandar naves espaciais, bater uma bola ou tirar um racha.

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Em um final de semana qualquer, fomos para uma destas festas. Não era um buffet luxuoso, nada de montanhas russas ou pistas de autorama. Contudo, a comida era boa, salgadinho seco no ponto certo. Além disso, houve a inteligência de separar adultos e pirralhos do convívio. Foi bom, possível até conversar sem gritar. O lugar era simples, depois ficamos sabendo que o imóvel fora vendido e daria lugar a outro destes megaultra-empreendimentos imobiliários residenciais. Isto explicava algum descuido com os brinquedos. Carrinhos de bate-bate já não batiam. Plástico remendado com fita adesiva. Máquinas de fliperama quebradas, apenas uma em funcionamento.

A Máquina tinha uma tela menu na qual seria possível escolher um entre mil jogos, quase todos muito antigos, telas de fundo preto. Asteroids, Frogger, Enduro, Shinobi, River Raid, Green Beret, Galaca, Pitfall, Double Dragon e demais artefatos arqueo-tecno-lógicos. Exemplares pixelados que, se não fosse a capacidade alephiana da Internet de agrupar reunir a eternidade, espaço e tempo, em um único ponto, certamente só existiriam nas nossas memórias. Mas ali estavam estas preciosidades históricas nas mãos inábeis de pimpolhos incapazes de usar até um giz de cera.

Bem que gostaria de ter experimentado um pouco destes jogos. Mas os meninos acostumados a ver filmes 3D, a coreografar em Kinect, crianças que deveriam se encantar com as figuras perfeitas de Final Fantasy e não com aqueles tangrans mal feitos. Digo isto com raiva, pois eu não queria ficar na fila junto com aqueles pirralhos e esperava uma oportunidade que não surgia. Os garotos (eram quase sempre meninos) tentavam um jogo, perdiam as três vidas de praxe e voltavam para a tela de menu, trocando de jogo. Ninguém insistia. Experimentavam, se não funcionava imediatamente, zapeavam para outro jogo. Havia uma rotatividade constante diante da máquina.

Dentre as penalidades sugeridas ao pai moderno, está a de procurar oferecer o máximo de oportunidades possível a seus filhos, como se apenas a liberdade permitisse a melhor alternativa. Mas não. Ao ver aqueles garotos trocando constantemente de jogos, sem se concentrar em nenhum, sofrendo derrota após derrota, pensei que mais que abrir horizontes devêssemos indicar direções para se guiar. Mesmo que você se encontre tão perdido quanto ele.



Quando finalmente consegui jogar, me vi fazendo exatamente o mesmo que as crianças.






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(Original AQUI; desculpem este blog anda preguiçoso; Falando em games antigos, foi notícia recente: a Atari pediu falência.)