segunda-feira, 14 de abril de 2014

Achados




a)Obra de Jean Fabre, via La Zèbre bleu.





"Je me vide de moi même"
 

b)O Google patenteou o gesto de S2.

Parece que tem a ver com o Google Glass.

E se o Google patentear o dedo do meio?



c)Homem boneca encontra Homem sem cabeça. Os Quadrinhos já foram mais divertidos.

História clássica (1946) do Polegar (Acho que esse é o nome oficial do personagem) via Pappy´s Golden Age Comics.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Telegrama


Justiças






"Quando ainda era um jovem professor, quando a guerra estava começando para valer, Rey usou seu velho pseudônimo para publicar um ensaio num dos jornais mais sectários da cidade. O comitê central tinha decidido que o risco valia a pena: uma provocação calculada. Apesar da pouca circulação do jornal, o ensaio causou uma certa controvérsia. Numa série de artigos, Rey descrevia um ritual que tinha testemunhado na selva. Ele chamou o ritual de tadek, que era o nome da planta psicotrópica usada, embora ele afirmasse que os nativos da aldeia tinham mais de meia dúzia de nomes para ele, dependendo da época do ano em que fosse realizado, do dia da semana, do crime que ele serviria para punir, et cetera. Tadek, segundo a descrição de Rey, era uma forma rudimentar de justiça e funcionava assim: diante de um roubo, por exemplo, os anciãos da aldeia escolhiam um menino com menos de dez anos, drogavam-no com um chá muito forte e deixavam a criança embriagada encontrar o culpado. Rey tinha testemunhado isso: um menino cambaleando bêbado pelos caminhos enlameados de uma aldeia, entrando no mercado, sentindo-se atraído pela cor da camisa de um homem, pelos padrões geométricos do vestido de uma mulher ou por um cheiro ou sensação que só o menino, naquele estado alterado, podia identificar. A criança se dirigia a um adulto e isso era o bastante. Os anciões anunciavam que o tadek estava terminado e levavam embora o criminoso para cortar fora as mãos dele ou dela.

Se o artigo de Rey tivesse sido meramente uma descrição de um ritual raramente praticado, as coisas poderiam ter terminado por aí. Esta parte não era polêmica, uma vez que os lugares da selva, naquela época, eram conhecidos principalmente por serem desconhecidos, e um leigo não se surpreenderia com um rito pagão violento vindo da floresta tenebrosa. Mas Rey foi mais longe. Tadek, ele argumentou, era algo quase em extinção, mas agora sofria uma espécie de renascimento. Além disso, ele se recusou a condená-lo, a chama-lo de rito bárbaro e não deu nenhuma conotação pejorativa à descrição de sua crueldade. Tadek, na visão de Rey, era o precursor do sistema de justiça inteiramente moderno que vinha sendo empregado na nação. Justiça de guerra, justiça arbitrária, ele argumentou, era válida tanto ética (ninguém podia saber quais os crimes no coração e na mente dos homens) quanto pragmaticamente (castigo rápido, violento, mesmo que de natureza fortuita, podia apoiar a causa da paz, amedrontando subversivos potenciais antes que estes atacassem). Numa prosa equilibrada, ele aplaudia alguns poucos casos conhecidos de líderes sindicais torturados e do desaparecimento de estudantes como versões contemporâneas, bem-sucedidas, do tadek, nos quais o estado com base em indicadores externos (juventude, ocupação, classe social), nem mais nem menos reveladores do que o padrão geométrico de um vestido de mulher. A criança bêbada era talvez extrínseca num contexto moderno, mas a essência era a mesma. A presença do tadek da selva não era o vestígio de uma tradição moribunda e sim uma reinterpretação da justiça contemporânea pelo prisma do folclore. O Estado-nação, em tempos de guerra, tinha finalmente conseguido infiltrar-se nas massas isoladas: condená-las agora por recriar nossas instituições em suas próprias comunidades era nada menos que hipocrisia."





(Extraído de Rádio Cidade Perdida, Daniel Alarcón (Rocco). Imagem do PocketComics de Isabella Amaral)