segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Escadas






Nº12: Gif



Um relógio tremelicava seus ponteiros. Um homem na bilheteria deixara cair moedas. Os centavos desapareciam no voo antes do chão, e então tudo, moedas e homem regressavam a posição anterior. Uma senhora ajeitava continuamente os óculos perante o mapa ao redor da estação. Outro teclava um número infinito no aparelho celular. Um casal, o homem de boné levava a bolsa das fraldas e mamadeiras, a mulher de cabelo preso, carregava com cuidado um bebê em um cobertor de pelinho. Aproximei-me para ver se os bebês daquele tempo eram parecidos com os nossos. Achamos engraçado, eram cabeludos e despenteados. Um dos novos divertia-se numa parede, tentava pichar o próprio nome sobre o concreto, mas o próprio tempo se encarregava de apagar suas marcas, deixando-a sempre lisa, como estava entre aqueles centésimos de segundos.

O professor nos chamou. Mal prestávamos atenção nele, ainda fascinados com aquele sítio paleocivilizado, nem precisávamos, poderíamos baixar aquela aula numa outra hora, isto contaria deméritos no final do ciclo, mas tudo bem, quem quer ouvir explicações? Era nossa primeira excursão. Inicialmente, nos relembrou porque nosso passeio seria impraticável em um momento cravado, em um segundo congelado: seríamos incapazes de se movimentar ou respirar, a atmosfera e suas moléculas não abririam espaço para nossa presença. A escuridão seria total, pois nossos olhos precisam dos fótons refletidos continuamente sobre as retinas. Precisávamos perambular entre aqueles instantes, o que fazia as pessoas se mexerem naquela dança boba, entre um passo e outro, dizendo e desdizendo, inspirando e expirando. E continuou com outros detalhes chatos que só iríamos utilizar se nos tornássemos engenheiros de crononavegação ou compiladores historiográficos. E quem quer penar com salário mixaria...?

-Valendo pontos: alguém arriscaria um palpite para determinar QUANDO estamos? – perguntou o professor à classe. A bagunça parou, ficamos quietos, olhando para os pés. Apenas o mais bajulador dentre nós, o queridinho do Professor, sugeriu que (pelo material e pela ausência de sol) estávamos em um abrigo antinuclear das Guerras Aquíferas ou numa estação de transporte coletivo. O professor sorriu e completou sua resposta, realmente uma estação de transporte de trens METRO-politanos, do latim metrópole, que por sua vez, veio da junção de duas palavras gregas métra, que significa matriz, útero, ventre e pólis, cidade.

-De certa forma, é por isto que estamos aqui.

Descemos as escadas. Este pedia que não mexêssemos nas pessoas, embaladas naquele tempo dobrado. Era tentador e, esquecendo ou desencanando da constante filmagem de nosso comportamento, levantamos as saias de uma mulher, como quem levanta e baixa uma cortina. O gordo, sempre pensando em comida, chegou perto de outro mastigando algo. Insistiu mas não conseguiu arrancar o pão de queijo da mão daquele. Difícil não se divertir com aqueles estranhos e seus movimentos ridículos e repetitivos. Talvez, no fluxo normal dos segundos, aquilo fosse suave e discreto, mas para nós eram pulsos frenéticos de alguém eletrocutado. Não sei se eram feios ou bonitos. Eram esquisitos.


Antes da plataforma e da composição, havia uma escadaria, separada por uma mureta. De um lado, degraus metálicos; d´outro, paleoconcreto. Demoramos a entender que uma delas se movia. Descemos pela maior até um homem. Ele também aprisionado entre instantes, mas aparentava serenidade. Seus gestos não eram abruptos, talvez fosse esta a explicação. O rapaz estava em pé, apenas sua cabeça se movia acompanhava a moça. Depois da mureta, indo em sentido contrário, estava uma mulher. O olhar dos dois movia-se ligeiramente e de novo e de novo e de novo. Deveria ser um tique enervante como o dos demais. Mas não era.

O professor nos explicou que neste dia eles se conheceram. Que nos momentos seguintes, ele correria atrás dela e conversariam. Que as pessoas ainda se reproduziam e não eram como nós, dependentes dos bancos paleogenômicos. Bancos que começaram a ser desenvolvidos naquele tempo de pouca radiação. Que ela tinha um problema físico que os obrigou a fazer inseminação artificial. Que naquele tempo, ao contrário do nosso, o clima era ameno e o ar respirável. Nossos cromossomos vieram dali, daqueles improváveis Adão e Eva. Éramos todos irmãos, filhos daquele sangue antigo, daqueles nossos velhos jovens pais, os pais de todos os clones e iríamos repovoar o planeta.














(Fonte imagem Villantine)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Telegrama



Postado pelo italiano Shivabel no YouTube: Ilustrações de Contos de Fadas pelo inglês Arthur Rackham

(Texto de Shivabel em inglês)

The Fairy world of Arthur Rackham (1867-1939). Rackham was born in London as one of 12 children. At the age of 18, he worked as a clerk at the Westminster Fire Office and began studying part-time at the Lambeth School of Art. In 1892 he quit his job and started working for The Westminster Budget as a reporter and illustrator. His first book illustrations were published in 1893 in To the Other Side by Thomas Rhodes, but his first serious commission was in 1894 for The Dolly Dialogues, the collected sketches of Anthony Hope, who later went on to write The Prisoner of Zenda. Book illustrating then became Rackham's career for the rest of his life.
In 1903 he married Edyth Starkie, with whom he had one daughter, Barbara, in 1908. Rackham won a gold medal at the Milan International Exhibition in 1906 and another one at the Barcelona International Exposition in 1912. His works were included in numerous exhibitions, including one at the Louvre in Paris in 1914. Arthur Rackham died 1939 of cancer in his home in Limpsfield, Surrey.

Music by Pachelbel, 'Canon'

Achados

Gustaf Tenggreen

O Gato de Botas











Gustaf foi diretor artístico dos estúdios Disney a partir de 1936. Daí os estudos para a produção de Pinóquio. Imagens via ESTA postagem do ótimo blog francês "Illustrateurs" sobre ilustradores.


Falando em coisas antigas, que tal este "Museu dos Objetos Obsoletos" com pequenos vídeos ensinando para que serviam e como proceder com utensílios já-não-tão-úteis.

Link AQUI. Via PIX.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Telegramas

Creep (Radiohead) - Scala & Kolacny Brothers from Alex Heller on Vimeo.




Creep
(Radiohead)

When you were here before,
Couldn't look you in the eye.
You're just like an angel,
Your skin makes me cry.
You float like a feather,
In a beautiful world
I wish I was special,
You're so fucking special.

But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here.

I don't care if it hurts,
I wanna have control.
I want a perfect body,
I want a perfect soul.
I want you to notice,
When I'm not around.
You're so fucking special,
I wish I was special.

But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here

She's running out again,
She's running,
She run, run, run, run, run.

Whatever makes you happy,
Whatever you want.
You're so fucking special,
I wish I was special,

But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here,
I don't belong here.

(vídeo Via o Mundo de K)

domingo, 11 de setembro de 2011

Achados





Seria interessante você primeiro jogar o jogo. Mas faça o que quiser. Eu não mando em você e nem você tem que me obedecer.

a) Um Not-Game

Depois do jogo baixar, clique espaço.

Use fone

Baseado no que houve durante o regime de Pol Pot no Camboja.

(Via - salvo engano - SuperPunch)

b)"A Onda" e "A Terceira Onda" (1967)

Lembro de ter assistido, quando criança, a um filme chamado "A Onda" (Provavelmente na Sessão da Tarde). A ideia deste filme parece ter sido mais "forte" que a história ou a trama. Dizia-se que era baseado em fatos reais e descrevia um... "Experimento" que pretendia demonstrar aos alunos de uma escola como o fascismo transformara as pessoas. A tal "experiência" começou a dar sinais de possuir vida própria e antes que saísse de controle o professor a interrompeu. O filme está disponível pelo youtube... dublado, inclusive.

Sei que houve uma refilmagem, desta vez se passava na Alemanha nos tempos atuais. Não assisti a este. Porém, amigos mais jovens me falaram deste, não sei se foi um filme recomendado por professores ou coisa assim.

Curioso, decidi dar uma espiada e descobri que os fatos reais inspiradores da história aconteceram durante uma semana em abril de 1967 e não foi documentado com exatidão. Apenas nove anos depois, a história foi contada. Em 1981, a história foi adaptada para um romance infanto-juvenil.

A história ficou bastante similar àquele filme de 1981: Diante da dificuldade dos alunos de entender como as pessoas na Alemanha se "deixaram levar" pelas ideias totalitárias, um professor de história decidiu realizar um "experimento" que logo saiu do controle. Ele iniciou um movimento chamado de "Terceira Onda" - uma referência não ao livro de Alvin Toffler (que aliás nem existia), mas a ideia que a terceira de uma série de ondas seria a maior e mais forte - que obteve "sucesso" em um período de tempo absurdamente curto.

Além dos verbetes do Wikipedia, existe um site sobre aquela semana de abril de 1967, com artigos e relatos dos envolvidos. Dê uma espiada.

c)Experimento de Obediência de Milgram
(1961)

Um outro experimento psicológico famoso foi levado adiante por Stanley Milgram (1933-1984). Neste experimento (citado na minissérie em quadrinhos Watchmen), os voluntários deveriam fazer algumas perguntas a outros participantes. A cada resposta incorreta, deveriam ministrar choques elétricos, cada vez mais fortes. (Segundo Alan Moore) Muitos continuaram a provocar estes choques mesmo depois de acreditarem que os sujeitos estavam mortos.

O que os voluntários desconheciam é que as tais "vítimas" não sofriam nenhuma descarga elétrica: a orientação do psicólogo é que deveriam simular dor. Dois terços dos que ligava as correntes elétricas não hesitaram em provocar os choques.

Existe bastante material em português sobre o assunto. E um vídeo em inglês (fácil de decifrar, agora sabendo da história) com uma recriação moderna do experimento para um documentário britânico de TV. Doloroso. Aqui e ali, outro documentário sobre o assunto, mas do Horizon.

d)A Prisão de Stanford (1971)

Já o experimento da Prisão de Standford (The Stanford Prison Experiment) foi levado adiante na Universidade de Standford pelo psicólogo Phillip C. Zimbardo. Ele deu uma entrevista sobre o assunto na última edição da (nº224) Mente e Cérebro , na qual afirmou: "Stanley Milgram me abraçou e disse: Obrigado por ter tirado um peso das minhas costas ao apresentar um estudo ainda mais antiético que o meu!"

(cá entre nós, pelas fotografias, Zimbardo realmente tem cara de vilão de HQ ou de séries de TV)

Estudantes voluntários foram divididos aleatoriamente em papéis de "carcereiros" e "prisioneiros". A ideia era estudar as dinâmicas e como os grupos se comportariam e se confrontariam. O próprio Zimbardo passou a se comportar mais como "Diretor" de presídio do que um cientista. Os "carcereiros" passaram a exercer seu papel de forma tão brutal que, seis dias depois de iniciado, o experimento foi suspenso.

Como a coisa se deu (e entrevistas com psicólogos, "carcereiros" e "prisioneiros") em um artigo eletrônico da própria Stanford (Via Neatorama). Encontrei este documentário da BBC sobre o assunto.

Também fizeram um filme sobre o assunto.

e)Piada de Aleister Crowley

"Aleister Crowley conta uma piada que, dizem, se entendida, tornará a magia clara como o dia"



Dois homens dividem uma cabine durante uma viagem de trem. Eles não se conhecem. Um deles tem uma caixa com pequenos furos na tampa e de vez em quando olha pelos buracos e parece conversar com o que há dentro. Curioso, o segundo homem pergunta que animal o outro leva na caixa.

-É uma fuinha.

-Uma fuinha...? Esperaria um cachorro, até mesmo um gato ou um coelho. Mas uma fuinha é um animal bastante incomum para possuir. Perdoe a intromissão, mas de onde vem sua relação com o animal?

O primeiro homem encolhe os ombros e então responde,
-Veja, na verdade, é um drama familiar... Mas creio que posso confiar na sua discrição: esta história triste é sobre meu irmão mais velho. Ele sempre foi um problema para nós, envolvido desde cedo com bebidas... O vício o derrubou de tal forma que agora ele vive em delirius tremens, vendo cobras e serpentes por todos os lados.

-Mas... não entendo. Estas serpentes são frutos de uma ilusão; de que adianta uma fuinha contra cobras imaginárias... ?

-Ora meu amigo... A fuinha também é imaginária.




(Não está lá muito engraçada para uma piada, mas o "estilo" foi apropriada da história de Promethea de onde eu a extraí.)

Voltando ao game do item "a".









O que você fez?



(Imagem VIA)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

agosto a setembro





“O ser humano não enlouquece pelas guerras, catástrofes, desastres, epidemias; o cadarço que arrebenta todo dia na hora de amarrar os sapatos isto sim enlouquece o ser humano.”, disse certa vez um grande homem[1].

Quem respira sabe, para viver é necessário inspiração. Empenhei a vida na confecção de um cadarço resistente. Cadarço ou atacador, nada mais que uma forma simplificada de corda. A corda, nada mais que um rolo de fibras. As fibras, nada mais que materiais muito finos e alongados. Estes fios numa trança transversal e longitudinal, de forma a criar força através de sua reunião. Suas pontas podem ser chamadas de pontas- de-cadarço, ponteiras, aguilhas, agulhetas, uroboleta, unhas-dos-fios, rabos-de-capeta.

Estudei os fios e os fiapos, o cabo de aço e a teia de aranha. Investiguei a biologia do sisal e do algodão, e o método pelo qual os povos pré-colombianos teciam seus mantos. Da Amazônia, trouxe pés de cipoeira-brava, de liana-vermelha, figueira de sete caudas, plantei-os em vasos do meu apartamento. Pelo meu quarto voejam borboletas e mariposas nascidos em minha coleção de casulos de seda. Na mesa da cozinha, experimentei os diversos nós possíveis e os encadeamentos pelos buracos, a quantidade adequada de buracos, cheguei a 118 formas de entrelaçar, das quais selecionei 25, entre elas o nó direto, o francês, o corrediço, o zigue-zague americano, a volta do fiel, o ostromo e o górdio. Na área de serviço, criei amostras caseiras de polímeros, do poliéster, da poliamida, da policarbamida, do poliuretano elastomérico. Descobri casualmente a decomposição das diaminas pelos raios ultravioleta quando esqueci as fibras no varal. Cheguei perto, muito perto.

O grande homem envelheceu. Agora aposentado, caminhava todo final de tarde pelo calçadão. Faz bem ao coração; para a cabeça, faz bem olhar a bundinha geralmente inalcançável das adolescentes. Ele sentado no banco parecia um senhor comum. Fazia frio naquela tarde, a praia meio deserta, e eu me aproximei reverente. O grande homem continuava sendo grande, mesmo velho, gordo, acomodado e pelancudo, mesmo na esperada ausência de grandeza. Contei-lhe meu projeto, como me inspirara, como me dera um objetivo.

O grande (velho, gordo, acomodado e pelancudo) homem riu. Primeiro, lembrou que as pessoas têm forças e disposições diferentes; aquilo que era resistente para uma, não seria para todas. Segundo, de que valeria um cadarço indestrutível se não o fossem os aros por onde ele se entrelaça ou as ponteiras que os reúnem? Terceiro, o custo de um atacador inquebrantável jamais poderia ser superior ao do próprio sapato. Quarto, e aqueles que andam de chinelos e enlouquecem ao se soltar as tiras? Quinto, criaram o velcro e hoje o homem enlouquece por não mais se arrebentarem os cadarços. Escutei tudo com atenção. Até ele terminar, o sol havia se posto e as ondas batiam nas pedras. Era dia de semana, estava frio. Eu o estrangulei com meu protótipo. Conforme esperado, funcionou à contento.





In virgine mulieres et fugitivi et compediti
Em Virgem, as mulheres, os fugitivos e aqueles que têm os pés atados

(39, 10) Satiricon, Petronius
[2]


[1] Se não me engano, a frase original é do Bukowski

[2] Este conto não teria sido construído sem o generoso auxílio do google










(.)