segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Telegrama
Meu Deus e o Deus dos outros
(Trecho do Capítulo 7 - O Deus dos Místicos da “A História de Deus”, de Karen Armstrong – Cia das Letras)
O judaísmo, o cristianismo e – em menor escala – o islamismo desenvolveram a ideia de um Deus pessoal, e por isso tendemos a pensar que esse ideal representa a religião em sua melhor forma. O Deus pessoal ajudou os monoteístas a valorizar os sagrados e inalienáveis direitos do indivíduo e a cultivar uma apreciação da personalidade humana. A tradição judaico-cristã, portanto, ajudou o Ocidente a adquirir o humanismo liberal que tanto preza. Esses valores eram originalmente venerados num Deus pessoal que faz tudo que fazemos: ama, julga, castiga , vê, ouve, cria e destrói como nós. Javé começou como uma dividade altamente personalidade, com ardentes simpatias e antipatias humanas. Mais tarde, tornou-se um símbolo de transcendência, cujos pensamentos não são os nossos e cujos desígnios pairam tão acima dos nossos quanto o céu acima da terra. O Deus pessoal reflete uma importante intuição religiosa: que nenhum valor supremo pode deixar de ser humano. Assim, o personalismo é uma etapa importante e – para muitos – indispensável do desenvolvimento religioso e moral. Os profetas de Israel atribuíram suas próprias emoções e paixões a Deus; budistas e hinduístas incluiram uma devoção pessoal a “avatares” da realidade suprema. O cristianismo fez de uma pessoa humana o centro da vida religiosa, procedento de uma forma única na história da religião: levou ao extremo o personalismo inerente no judaísmo. Talvez a religião não consiga deitar raízes sem um certo grau desse tipo de identificação e empatia.
Contudo, um Deus pessoal pode tornar-se um sério inconveniente. Há quem veja um mero ídolo esculpido à nossa imagem, uma projeção de nossas limitadas necessidades, temores e desejos. Supor que ele ama o que amamos e odeia o que odiamos, endossando nossos preconceitos, em vez de nos obrigar a superá-los. Quando ele não “impede” uma catástrofe ou “deseja” uma tragédia, dá impressão de ser insensível e cruel. Acreditar em um desastre por vontade de Deus pode nos fazer aceitar coisas fundamentalmente inaceitáveis. O fato de, como pessoa, Deus ser do sexo masculino também é limitativo: significa que a sexualidade de metade do gênero humano é sacralizada à custa do feminino e acarretar um desequilíbrio neurótico nos costumes sexuais humanos. Um Deus pessoal pode ser perigoso, portanto. Ao invés de nos arrancar de nossas limitações, acaba nos encorajando a aceitá-las, tornando-nos tão cruéis, insensíveis e presunçosos como “Ele” parece ser. (...) Tudo indica, portanto, que a ideia de um Deus pessoal só pode ser uma etapa de nosso desenvolvimento religioso. Aparentemente, todas a s religiões reconhecem este perigo e procuram transcender a concepação da realidade suprema como pessoa.
É possível ler as Escrituras judaicas como a história do refinamento e ,depois , do abandono do Javé tribal e personalizado que se tornou Yhwh. O cristianismo, talvez a mais “personalizante” das três religiões monoteístas, tentou atenuar o culto do Deus encarnado, introduzindo a doutrina da Trindade transpessoal. Os muçulmanos logo tiveram problemas com os trechos do Corão nos quais Deus “vê”, “ouve”, “julga” como os seres humanos. Todas as três religiões monoteístas desenvolveram uma tradição mística que fez seu Deus transcender a categoria pessoal e tornar-se mais semelhante às realidades impessoais de nirvana e Brahman-Atman. Poucos indivíduos são capazes do verdadeiro misticismo, mas nas três crenças (com exceção do cristianismo ocidental) foi o Deus místico que se tornou normativo entre os fiéis até relativamente pouco tempo."
(imagem - se não me engano - Lomografia via Flickr)
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Um Deus pessoal é quase Depeche Mode.
ResponderExcluirFica aqui desejos de um bom Natal (enquanto não mando um mail).