sábado, 4 de janeiro de 2014

Telegramas






Porque os americanos são loucos ou porque o humor torna-se sombrio.

"Na década de 1830, viajando pelos Estados Unidos, na época um país jovem, o advogado e historiador francês [Alexis de Tocqueville] identificou uma doença inesperada que corroía a alma dos cidadãos da nova república. Os americanos tinham muito, mas essa prosperidade não os impedia de querer mais ainda e de sofrer sempre que viam outra pessoa com posses maiores que a suas. Em um capítulo de A democracia na América (1835) intitulado "Por que os americanos costumam ser incansáveis em meio a sua prosperidade", ele esboçou uma análise resignada da relação entre a insatisfação e a expectativa elevada, entre inveja e igualdade:

"Como todas as prerrogativas de nascimento e fortuna foram abolidas, como cada profissão é aberta a todos, um homem ambicioso pensa que é fácil se lançar em uma grande carreira e acha que foi convocado a um destino extraordinário. Mas isso é uma ilusão que a experiência corrige rapidamente. Quando a desigualdade é a regra geral na sociedade [como na Europa até a Revolução Francesa], as maiores desigualdades não atraem atenção nenhuma. Mas, quanto tudo é mais ou menos nivelado, a menor variação é percebida (...). Essa é a razão para a estranha melancolia que com frequência assombra os habitantes de democracias em meio à abundância e por isso o desgosto com a vida às vezes os agarra até em circunstâncias tranquilas e fáceis. Na França, nos preocupamos com a taxa crescente de suicídios. Na América, o suicídio é raro, mas soube que a loucura é mais comum que em qualquer outro lugar."

Familiarizado com as limitações das sociedades aristocráticas, Tocqueville não tinha vontade de voltar às condições que existiam antes de 1776 ou 1789. Ele sabia que os habitantes do Ocidente moderno desfrutavam um padrão de vida muito superior ao das classes mais baixas da Europa medieval. Mas ele gostaria que essas classes excluídas também tivessem beneficiadas com uma tranquilidade mental negada a seus sucessores para sempre.

(...) Nas aristocracias, os servos com frequência aceitavam seu destino de bom grado; eles poderiam nas palavras de Tocqueville, "pensamentos elevados, um forte orgulho e respeito próprio". Nas democracias, contudo, a atmosfera da imprensa e da opinião pública sugeria incansavelmente aos empregados que eles podiam chegar aos pináculos da sociedade, que podiam se tornar industriais, juízes, cientistas ou presidentes. Embora esse senso de oportunidade ilimitada pudesse estimular, no início, um contentamento superficial, especialmente entre os empregados jovens, e, embora ele permitisse que o mais talentoso ou sortudo satisfizesse suas metas, com o passar do tempo e com o insucesso da maioria das pessoas, Tocqueville percebeu que o humor delas tornou-se sombrio, a amargura assumiu o controle e sufocou o espírito e o ódio que tinham de si mesmas e de seus senhores tornou-se feroz."

Alain de Botton, Desejo de Status (Rocco/LPM)


imagem veio daqui.

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