quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Telegrama


Réquiem por Ruth Handler

Morreu ontem a mãe da Barbie,
a boneca adolescente. À semelhança de
Atena, Barbie saiu armada dum
cérebro, não divino, mas industrioso,
com a longa cabeleira e a azúlea mirada.

Morreu a mãe da Barbie, a filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de sutiã 38 e de 33 polegadas
de altura. Trinta e três polegadas
multidesejantes de sonho
anatomicamente impossível.

Morreu a mãe da Barbie, que
faz balé, esqui, patins em linha e
todos os desportos radicais e tem
um namorado elegante que jamais
a trairá e amigos tão anatomicamente
imperfeitos como ela.

Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas com muitos
vestidos de gala e enegreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente.

Morreu a mãe da Barbie, que jamais
a viu, assim anatomicamente imutável,
padecer de uma gravidez adolescente.
A Barbie é sabida e deve ter tido educação
sexual. Que fará ela com o Ken
no regresso de tantas festas?

Nem paixão nem desgosto nem fome
ou uma boa sova dos adultos alteram
a sua fábula de plástico, muito menos
fabulosa do que a de Branca de Neve ou a
da Bela Adormecida, onde existiam
humanas bruxas, vencidas maldições
e príncipes que davam beijos para acordar.

Morreu a mãe da Barbie, cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou com explosivos escondidos no cinto. No
fim da vida continuava a vender milhões
de próteses mamárias, na seqüência da sua
própria mastectomia. Coisas sem brilho,
impossíveis de acontecer
à Barbie.

(poesia da portuguesa Inês Lourenço, graças ao livro Axis Mundi, de Nelson de Oliveira)

4 comentários:

  1. A composição com a imagem ficou fantástica. Tua toca e sempre uma viagem, literossauro!

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  2. A imagem é de um site de vendas da Internet. Um modelo em resina em cima de uma ilustração de mulher-fetiche-sado-masoquista de Hajime Sorayama (um dos reis do aerógrafo):

    http://hajimesorayama.com/
    http://hajimesorayama.com/03works_gynoid.html

    Abs

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  3. Belo post, Bronts. Esse poema da poeta portuguesa faz pensar em mutilação de sonhos. A imagem soma e muito.

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  4. Lindo poema, não conhecia. Obrigado pela visita lá no meu mundo.

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