quinta-feira, 5 de novembro de 2009
nascedouro 5
1
Tenho duas filhas, com pouca diferença de idade entre si. Quando conto isto para as pessoas, elas geralmente respondem, E você não vai tentar um menino? Não gostaria de um casal certinho? Mas eu pergunto, Por que esta obsessão em ter um casal? Mesmo que eu tivesse um macho e outra fêmea, estas categorias não esgotariam as alternativas. Mesmo quem já tem um casal deveria tentar mais um: no mínimo, um hermafrodita. Me avisaram que os hermafroditas verdadeiros são raros. Em geral, um dos sexos é atrofiado. Se for assim, ampliam-se as opções: um macho, uma fêmea, um hermafrodita macho, outro fêmea e mais um, o/a verdadeiro/a hermafrodita. Tenho dúvidas se encerrariam aí as alternativas relacionadas ao sexo, mas as deixarei de lado para me concentrar nas outras. Por exemplo, preciso considerar aquelas referentes à raça. Pois eu deveria ter um filho para cada cor: branca, negra, amarela. Um índio. Tupi, guarani ou apache. Tão pouco. Parece inexistir uma palheta adequada para que todas as cores de pele: sardas, café-com-leite, canela ou nanquim. E as cores de cabelos? Continuo tentando uma ruiva. Cabelos lisos ou cacheados. Cristão, judeu, muçulmano, hindu, budista, animista, agnóstico. Ateu. Quero alguns peludos e outros pelados, conforme a síndrome genética adequada. Um pequeno lobisomem irmão de uma menina com cílios ausentes.
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2
Não sei se um dia poderei parar de ter filhos e esposas. Até precisei derrubar a mangueira e vendi o cachorro para construir um puxadinho onde era o quintal. Saudade do João de Barro. Poupei o ninho, deixei sua casa apoiada sobre o muro para depois colocá-la sobre um dos postes de energia. Mas alguém a destruiu com uma estilingada. A temporada de mangas fará falta. A geladeira sempre vazia e estas frutas quebravam um galho. A fome os deixa inquietos. Sempre há muitos gritos e brigas entre eles, mas já mandei parar de se matarem, senão fico obrigado a repor quem estiver faltando. Na hora de dormir, as crianças se espalham por todas as camas, beliches, berços, redes, mesas, sofás, poltronas e colchonetes. Passo pelos quartos apagando as luzes, a maioria me chama de homem que apaga as luzes. Muitos só me veem nesta hora. Outros me chamam de distribuidor de chupetas. Convenço a minhas esposas grávidas que amanhã será um dia melhor. O mais chato é esquecer dos nomes e dos aniversários das crianças. É difícil acompanhar suas notas e as viagens à Praia Grande são sempre um inferno. Mas tudo bem: não se pode querer tudo.
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(...)
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Adoro esse texto, Bronts. Já te disse, né?
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