sábado, 2 de novembro de 2013
Telegramas
“Parecia um claro dia de primavera. O sol brilhava nos loureiros que ladeavam o caminho do jardim por onde irmã Inez passeava, agarrada a seu breviário. Até ela chegar à fonte, as saias negras compridas esconderam o fato de que estava descalça. Era o tipo de jardim em que se esperaria que o ar estivesse pesado com o cheiro doce do jasmim, e embora os pássaros não aparecessem dava para imaginá-los cantando e roçando as asas com nervoso prazer à sombra dos arbustos. A irmã Inez estendeu um pé brilhante e tocou a água do tanque; o céu cintilava alvo. Dos arbustos, padre José observava, os olhos brilhantes ao acompanharem os pezinhos seguindo um depois do outro pela água transparente. De repente, a irmã Inez soltou o capelo que estava preso por um colchete debaixo do queixo; as madeixas negras rolaram pelos ombros. Com um segundo gesto brusco ela soltou o hábito até embaixo (era incrivelmente fácil), abriu bem e virou para revelar o jovem corpo branco e roliço. Um momento depois ela jogara as roupas em cima de um banco de mármore e estava parada ali, completamente nua, ainda segurando o livrinho preto e o rosário. Os olhos de padre José se abriram ainda mais, e ele voltou o olhar para o céu: estava rezando para pedir forças para resistir a tentação. Na verdade, as palavras PIDIENDO EL AMPARO DIVINO apareceram gravadas no céu e lá ficaram, tremulando ligeiramente, durante vários segundos. O que se seguiu não era uma surpresa para Dyar, uma vez que ele não esperava que viesse o amparo divino, nem se surpreendeu quando, um momento depois, três outras freiras saudáveis entraram de outras tantas direções para se juntar ao ocupado casal na fonte, transformando assim o pas de deux em um número coral.”
Que venha a tempestade, Paul Bowles (1952)
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sábado, 12 de outubro de 2013
Telegramas
Escalas
I was continuing to shrink, to become... what? The infinitesimal? What was I? Still a human being? Or was I the man of the future? If there were other bursts of radiation, other clouds drifting across seas and continents, would other beings follow me into this vast new world? So close — the infinitesimal and the infinite. But suddenly, I knew they were really the two ends of the same concept. The unbelievably small and the unbelievably vast eventually meet — like the closing of a gigantic circle. I looked up, as if somehow I would grasp the heavens. The universe, worlds beyond number, God’s silver tapestry spread across the night. And in that moment, I knew the answer to the riddle of the infinite. I had thought in terms of man’s own limited dimension. I had presumed upon nature. That existence begins and ends in man’s conception, not nature’s. And I felt my body dwindling, melting, becoming nothing. My fears melted away. And in their place came acceptance. All this vast majesty of creation, it had to mean something. And then I meant something, too. Yes, smaller than the smallest, I meant something, too. To God, there is no zero. I still exist!
From Jack Arnold’s The Incredible Shrinking Man
(Via "But does it float")
b)O artista holandês Arne Hendriks iniciou um projeto para promover a ideia da redução de tamanho da espécie humana, reduzindo-a a cinquenta centímetros. O caso está relatado AQUI, no Second Sight e o blog do projeto é ESTE.
(foto: Paisagens de contos-de-fada por Magdalena Bors. Via.)
I was continuing to shrink, to become... what? The infinitesimal? What was I? Still a human being? Or was I the man of the future? If there were other bursts of radiation, other clouds drifting across seas and continents, would other beings follow me into this vast new world? So close — the infinitesimal and the infinite. But suddenly, I knew they were really the two ends of the same concept. The unbelievably small and the unbelievably vast eventually meet — like the closing of a gigantic circle. I looked up, as if somehow I would grasp the heavens. The universe, worlds beyond number, God’s silver tapestry spread across the night. And in that moment, I knew the answer to the riddle of the infinite. I had thought in terms of man’s own limited dimension. I had presumed upon nature. That existence begins and ends in man’s conception, not nature’s. And I felt my body dwindling, melting, becoming nothing. My fears melted away. And in their place came acceptance. All this vast majesty of creation, it had to mean something. And then I meant something, too. Yes, smaller than the smallest, I meant something, too. To God, there is no zero. I still exist!
From Jack Arnold’s The Incredible Shrinking Man
(Via "But does it float")
b)O artista holandês Arne Hendriks iniciou um projeto para promover a ideia da redução de tamanho da espécie humana, reduzindo-a a cinquenta centímetros. O caso está relatado AQUI, no Second Sight e o blog do projeto é ESTE.
(foto: Paisagens de contos-de-fada por Magdalena Bors. Via.)
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Telegramas
a)
Até a tolice é perigosa nas mãos de um tolo.
O Mago de Terramar, Crônicas de Terramar, Ursula Le Guin.
b)
Uma horda ávida por tagarelar sem ponderação alguma, emitindo opiniões compulsivas sobre qualquer coisa como se esse desespero servisse para confirmar sua existência.
Digam a Satã que o recado foi recebido, Daniel Pellizzari.
(voltei, mas em ritmo de aranha na teia.)
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sábado, 18 de maio de 2013
Onirogrito
Ando meio sem paciência.
Faz muito tempo que não coloco nada aqui.
A verdade é que a onda já não passa mais pelos blogues. Boa parte do conteúdo (links para outros links) migrou para o Facebook e, apesar do que andam dizendo, ele ainda se sustenta. Não por força própria, eu creio, mas simplesmente por não ter aparecido outro "lugar".
E não sei se este lugar irá "aparecer" tão cedo, pois agora todos já perceberam que ele também irá nascer, crescer, tornar-se imenso, desmoronar sob seu próprio peso e morrer. Além do mais, a rede parece ter se tornado um lugar mais para se comunicar (entre amigos, paqueras, arrumar trabalho) do que para gerar conteúdo.
E, cá entre nós, até mesmo o conteúdo anda chato. Tanta gente falando e fazendo barulho que é difícil encontrar um ponto de vista original, que faça você pensar... É muito mais uma questão de concordar... ou discordar...
Mas isto não é um adeus. Volto aqui qualquer dia desses. "O olho do dono engorda o boi" Já ouviu falar?
Nos comentários, deixarei um email para quem quiser se comunicar.
Obrigado
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sábado, 2 de fevereiro de 2013
Onirogrito
Jogo do Velho
Dentre as penalidades cabíveis ao pai
moderno está a de frequentar aniversários em buffets infantis. Perguntar
ao menino se não quer ir antes ao banheiro, tirar foto, entupir-se de
coxinhas, passear de carrossel, almoçar massa sujeita a alternativas
binárias (bolonhesa ou molho branco), conversar com os pais sobre as
doenças dos filhos, sobre as amizades dos filhos, sobre os times que os
filhos deverão torcer, tomar coca quente fugindo assim do chope quente,
entupir-se de empadinhas, arrastá-lo para o banheiro (o guri escapa por
entre os dedos, sem mijar), tirar foto, tentar alimentar o moleque
enquanto corre, pegar trenzinho, verificar fralda, rastejar no
brinquedão para resgatar criança empacada, levar canelada, gravar vídeo,
enfiar-se na piscina de bolinhas atrás do celular perdido, estimular o
medroso a escorregar por um intestino plástico de cinco metros de
altura, separar brigas na fila do pula-pula, tirar foto, observar as
calças do filho (Você fez xixi? Mas eu não perguntei pra você?).
Chega um momento que a gente aprende a
relaxar, e passa a se divertir. As crianças envelhecem e você pode
afrouxar a atenção. Deixe-as poraí. Existem outras coisas além de calor e
barulho. Veja as monitoras adolescentes com o brilho da idade nova, o
viço necessário para estimular seus vícios. Mães divorciadas com quem
repartir um chope quente. Subornar (mediante uma nota de cinquenta ou
por pura simpatia) o garçom para
que ele sirva sua mesa antes.
Alguns buffets possuem brinquedos
adultos. Nada tão pesado quanto o que passou pela sua cabeça. Uma
televisão com a programação de esportes. Talvez, mesas de bilhar,
pebolins. Dardos são perigosos. O normal é a diversão voltada aos
adolescentes acabe sobrando aos adultos. Inclusive as máquinas de
fliperama. Estes locais tornaram-se um dos últmos nichos para estes
jogos. Os antigos paraísos de office-boys foram extintos das ruas.
Nestas festas, entretanto, é normal ver adultos saudosos disputando
lugar para comandar naves espaciais, bater uma bola ou tirar um racha.
* * *
Em um final de semana qualquer, fomos
para uma destas festas. Não era um buffet luxuoso, nada de montanhas
russas ou pistas de autorama. Contudo, a comida era boa, salgadinho seco
no ponto certo. Além disso, houve a inteligência de separar adultos e
pirralhos do convívio. Foi bom, possível até conversar sem gritar. O
lugar era simples, depois ficamos sabendo que o imóvel fora vendido e
daria lugar a outro destes megaultra-empreendimentos imobiliários
residenciais. Isto explicava algum descuido com os brinquedos. Carrinhos
de bate-bate já não batiam. Plástico remendado com fita adesiva.
Máquinas de fliperama quebradas, apenas uma em funcionamento.
A Máquina tinha uma tela menu na qual
seria possível escolher um entre mil jogos, quase todos muito antigos,
telas de fundo preto. Asteroids, Frogger, Enduro, Shinobi, River Raid,
Green Beret, Galaca, Pitfall, Double Dragon e demais artefatos
arqueo-tecno-lógicos. Exemplares pixelados que, se não fosse a
capacidade alephiana da Internet de agrupar reunir a eternidade, espaço e
tempo, em um único ponto, certamente só existiriam nas nossas memórias.
Mas ali estavam estas preciosidades históricas nas mãos inábeis de
pimpolhos incapazes de usar até um giz de cera.
Bem que gostaria de ter experimentado um
pouco destes jogos. Mas os meninos acostumados a ver filmes 3D, a
coreografar em Kinect, crianças que deveriam se encantar com as figuras
perfeitas de Final Fantasy e não com aqueles tangrans mal feitos. Digo
isto com raiva, pois eu não queria ficar na fila junto com aqueles
pirralhos e esperava uma oportunidade que não surgia. Os garotos (eram
quase sempre meninos) tentavam um jogo, perdiam as três vidas de praxe e
voltavam para a tela de menu, trocando de jogo. Ninguém insistia.
Experimentavam, se não funcionava imediatamente, zapeavam para outro
jogo. Havia uma rotatividade constante diante da máquina.
Dentre as penalidades sugeridas ao pai
moderno, está a de procurar oferecer o máximo de oportunidades possível a
seus filhos, como se apenas a liberdade permitisse a melhor
alternativa. Mas não. Ao ver aqueles garotos trocando constantemente de
jogos, sem se concentrar em nenhum, sofrendo derrota após derrota,
pensei que mais que abrir horizontes devêssemos indicar direções para se
guiar. Mesmo que você se encontre tão perdido quanto ele.
Quando finalmente consegui jogar, me vi fazendo exatamente o mesmo que as crianças.
(Original AQUI; desculpem este blog anda preguiçoso; Falando em games antigos, foi notícia recente: a Atari pediu falência.)
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Telegrama
One perfect sunrise
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sábado, 5 de janeiro de 2013
Onirogrito
Uma afirmação negativa do método
Bom… foi mais difícil que esperava falar de meus métodos de criação. Conheço alguns e pesquiso constantemente a respeito do processo criatívo. É um vício. Muito do
que vou dizer já foi dito, portanto. Mas, na realidade, eu não sei se
posso afirmar positivamente (¿Existe “afirmar negativamente”?) “Tenho um
método e ele é x”. Sou muito intuitivo. Me esforço para continuar
sendo. Não sei se vale a pena repartir este esboço de metodologia. Pelo
pouco que conheço das pessoas, elas são muito diferentes para existir
uma receita geral.
Toda a regra (não apenas as fórmulas
mágicas da criatividade) devem ser observadas com parcimônia. O contexto
do próprio autor e da obra, aquilo que se deseja dizer e não-dizer,
tudo isto não se ensina. Aprende-se, desaprende-se, apreende-se sozinho.
Bem que tentei me organizar, separar em
tópicos, fazer alíneas e parágrafos, mas não conseguia botar tudo em uma
hierarquia ou ajeitar didaticamente. A exemplo de Jodorowsky ou de um
mendigo verborrágico, preferi emendar frase em frase, como provérbios,
ordens, mandamentos, gritos de guerra, sem ordem. Seja crítico e
criterioso e veja o que serve e o que não serve para você.
Divirta-se. Entre um cenário verossímil e
um personagem verdadeiro, prefira sempre os personagens. Se possível,
bole a conclusão antes; se não, aproveite a viagem e o leitor a
aproveitará com você. Não tenha medo ou vergonha de errar. Divirta-se
com o que está fazendo, mesmo que seja horrível. Abstrações emocionais
funcionam melhor que as concretas. Apaixone-se por estranhos e escreva
antes que aconteça. Se acontecer, não tente escrever. Surpreenda-se.
Pesquise 300%, mas use 10%. Seja aberto: leia Dom Quixote e assista a A
Hora da Aventura. Divirta-se. Leia (ou assista) de tudo, seja
compreensivo com o mundo. Pergunte-se porque é assim. Cuidado com
qualquer fórmula: Jornada do Herói, Morfologia de Propp, Manual de Syd
Fields, Situações de Polti, Gramática de Rodari, inclusive aquelas que
você mesmo inventar. Evite (ou recuse-se) a petrificar teorias.
Surpreenda-se. Seja verdadeiro. Divirta-se. Anote as sincronicidades.
Não faça charadas. Acredite no que está fazendo. Acredite até naquilo
que duvida. Pesquise as brincadeiras das crianças. Escute as pessoas
conversando. Observe, seja o fotógrafo secreto do mundo. Explore.
Divirta-se.
Por último, creio que isto seja o mais
importante (Hoje, pelo menos; amanhã posso acreditar em outra coisa),
algo que li folheando um livro: Conhecer-se e escolher o “seu” próprio
estilo de criação.
“Certa vez, perguntei ao artista gráfico
Saul Steinberg “Por que será que não consigo conversar com alguns
escritores? Não encontro assunto: por que parece que estou falando com
pediatras ou corretores de imóveis e não escritores? Ele pensou e
respondeu: “Isto é fácil: existem dois tipos de artistas, nenhum deles
superior ao outro; um responde à própria vida e o outro responde à
história da arte até aquele momento.” (Kurt Vonnegut, em leitura ao
acaso na livraria)
(Publicado originalmente AQUI, no Universo Insônia. Imagem do livro Como a Mente Funciona, de Steven Pinker veio DAQUI)
(Publicado originalmente AQUI, no Universo Insônia. Imagem do livro Como a Mente Funciona, de Steven Pinker veio DAQUI)
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Telegrama
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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Telegrama
Feliz ano velho.
Espero que você não passe o final de ano diante do micro. De toda forma, segundo dizem, daqui a uns dias será o fim do mundo. Portanto, feliz 2010.
ViaViva Saliva
domingo, 9 de dezembro de 2012
Telegramas
(O sábio e desafortunado romano Pompônio Flato fala umas verdades ao
Jesus menino. Ou Jesus moleque, se preferir.)
-Tudo que acontece, acontece por vontade de Deus, raboni?
-Não sei. Mas se é assim, devemos perdoá-lo, porque Deus ou os deuses do Olimpo não conhecem a dor de perder as pessoas queridas e isso os faz inferiores a nós.
Jesus me olhou com intensidade e exclamou:
-Isso que você está dizendo não é uma blasfêmia:
-Com certeza. Blasfemar é outro privilégio privativo dos homens. Não serve para muito, mas, em ocasiões como esta, até que não vai mal.
(...e, logo adiante, sobre a imortalidade da alma)
-Das muitas coisas escritas, muito poucas estão comprovadas.
Sócrates estava convencido da imortalidade da alma, assim como Platão. Mas
nisso, com toda a humildade, discrepo de tão grandes mestres pelas razões que a
seguir exporei. Antes de mais nada, partamos do pressuposto de que o homem é
formado de duas partes bem diferenciadas, isto é a matéria e o espírito, ou, o
que dá na mesma, o corpo e a alma. A alma é o que infunde vida ao corpo, de tal
modo que quando o abandona, o corpo deixa de funcionar e dizemos que o homem a
quem pertencia morreu. Já a alma, sim, pode existir sem o corpo, como demonstra
o fato de que o corpo inanimado, seja quando dorme, seja quando por alguma
causa perdeu a consciência, a alma o abandona e segue a seu bel-prazer, liberada
de qualquer amarra, e por isso pode cobrir as maiores distâncias num instante,
inclusive se deslocar no tempo, transmutar-se em outra pessoa sem perder, por
isso, a consciência de sua própria identidade, e ter contato com seres vivos ou
mortos, humanos ou animais, até mesmo com monstros ou quimeras, assim como
conseguir façanhas que o corpo seria incapaz de realizar, ou desfrutar
deleites, que ao corpo seriam inalcançáveis, para não falar de todo tipo de
perversões. A essas experiências chamamos de sonhos. Não obstante, se os
analisarmos um pouco, veremos que nesses episódios a alma obtém mais pesares
que alegrias, com frequência sofre perseguições, opressões, angústias e
tristezas, e encontra-se sempre em um estado de grande confusão, como se
tivesse perdido o juízo. Por isso, ao cabo de muito pouco tempo, retorna ao
corpo e o desperta com grande pressa e agitação, e quando de novo se une a ele, tranquiliza-se e experimenta tal bem-estar
que os problemas e aborrecimentos da vida real lhe parecem nímios em comparação
com os apuros pelos quais passou em suas andanças. E, se é assim, o que
acontecerá em comparação com os apuros pelos quais passou em suas andanças. E,
se é assim, o que acontecerá se depois da morte a alma se vir obrigada a vagar
eternamente, sabendo que nunca poderá voltar ao corpo que a conteve, posto que
este se reduziu a pó? Por essa razão, muitos povos embalsamam e mumificam o
corpo, para que a alma não se veja totalmente privada dele. Pois embora a alma,
por sua capacidade, pareça pertencer à mesma ordem natural dos deuses, na
realidade é inferior ao corpo, e está subordinada a ele, e só com ele consegue
proteção e sossego. Por tudo isso, não me parece lógico que os deuses nos
tenham condenado a um suplício semelhante, e prefiro acreditar que uma vez
apurados os trabalhos e dissabores desta vida, quando também nosso corpo deixar
de sentir, o espírito também encontrará seu descanso regressando para o nada em
que estava tão placidamente antes de ter nascido.
(Imagem: Tracejado do grafite de Alexámanos. Encontrado em uma das ruínas do Monte Palatino em Roma. Supõe-se que seja uma chacota (bullying?) de um soldado romano contra outro, de fé cristã. No desenho, Cristo estaria representado com uma cabeça de burro. A legenda está em grego: Αλεξαμενοϲ ϲεβετε θεον, que poderia ser algo como "Alexámanos adorando a seu deus". A imagem seria do século III d.C.)
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sábado, 8 de dezembro de 2012
Zerografia
Alexandre
Anteontem meu vizinho morreu.
Era um senhor bastante idoso, patriarca
de uma família de muitas mulheres, que se distribui em vários
apartamentos de meu condomínio. São imigrantes, vieram do ******. São
Paulo é uma cidade com gente de todo lugar, do Líbano ao Japão, da
Nigéria a Bolívia, mas ****** não é um país típico. Temos curiosidade
sobre como vieram para aqui. Por conta das guerras e de tudo mais,
imaginamos alguma história triste de fuga. Mas também pode não ser. Como
é típico entre vizinhos, não somos íntimos. Não temos coragem de
perguntar sua história.
Era um senhor de nome jovem, helênico.
Nos dias frios usava uma boina. Tinha olhos azuis, o que imagino ser
incomum no oriente. É uma família de muitas mulheres, divididas entre
solteiras, viuvas e solteironas. Com elas há um pouco mais de diálogo. O
básico de elevador. Bom dia, boa tarde, boa noite, meteorologia
amadora, o crescimento dos filhos, o síndico, a roubalheira do governo
ou de quem quer que seja.
Com aquele senhor, entretanto,
evitávamos uma conversa mais longa. Falava com dificuldade, e não
somente pelo sotaque. Por culpa do trânsito e de nossa preguiça, estamos
sempre atrasados e com pressa. E que diálogo poderia haver entre nós,
sem nada em comum?
Os encontros com este senhor viúvo
ocorriam quase sempre pela manhã, horário para uma caminhada lenta ao
redor do condomínio ou do quarteirão, dependendo do clima. Depois do
passeio, ele sentava ao lado do porteiro do prédio e observava o
movimento de pedestres e de carros e de vizinhos indo para escola ou
trabalhar.
Numa destas manhãs, nevoeiro prometendo
sol depois, eu saía com as crianças. Meus filhos não são dados,
escondem-se entre as pernas na presença de estranhos no elevador. “São
tímidos”, explicamos, enquanto os incentivamos a cumprimentar. Passamos
pelo senhor viúvo, ele de boina e o cumprimentei. Enquanto esperávamos a
grade da prisão se abrir (a portaria do nosso edifício também têm dois
portões que se abrem separadamente), aquele velho senhor sentado
gesticulou com as mãos um rápido “vem cá-vem cá” para meus filhos. Sem
dizer nada, as crianças foram até lá para serem abraçadas. Meus dois
filhos nascidos após a queda das Torres e a dispersão do wireless
responderam ao abraço daquele senhor viúvo das montanhas, que caminhou
entre ovelhas e rios gelados, em vilarejos destruídos por bombas e
terremotos. Século XX e século XXI. Depois se afastaram.
Enquanto o portão se fechava, houve
tempo para um último tchauzinho. Não sei se eles se viram depois disso.
Possivelmente minha mulher e as crianças tenham se cruzado mais uma vez.
Naquele dia de neblina, caminhamos de mãos dadas rumo a escola, onde se
espera que sejam preparados para a vida. Enquanto isto, deixamos vidas
passarem.
(Publicado originalmente no blog da Terracota. Imagem: pedaço de um mosaico encontrado em uma casa (A Casa do Fauno) nas ruínas de Pompéia, representando Alexandre o Grande enfrentando Dario III. O mosaico representa a batalha de Isso e é parte do acervo do Museu Arqueológico de Nápoles)
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domingo, 2 de dezembro de 2012
Telegrama
(Páprika, o anime)
1)
"O mundo dos vivos já contém suficientes maravilhas e mistérios sendo como é; maravilhas e mistérios agindo sobre nossas emoções e inteligências de modos tão inexplicáveis que quase justificariam a vida como um estado de encantamento."
Joseph Conrad, ao justificar seu desapego ao Sobrenatural, em introdução para o livro "A Linha de Sombra".
2)
Dois trechos (fora de ordem) de uma antiga (2009) matéria de Audrey Furlaneto (na Folha de São Paulo) sobre Jorge Furtado, diretor da TV Globo e de filmes, como “O Homem que Copiava” e “Meu Tio Matou um Cara” e que fez a versão de Decamerão (Bocaccio).
a)
“
Em 2002, hospedado com a equipe num hotel para as filmagens de “O Homem que Copiava”, Furtado descobriu na TV do quarto um canal que exibia imagens da recepção em tempo real.”Eu ficava olhando a TV no quarto e me dei conta de que toda a equipe assistia”, lembra, rindo.
“Tem uma compulsão pela realidade, com Big Brother e todos os realities, os blogs, o YouTube. E o atrativo é: isso está acontecendo. Tudo bem. A “TV Portaria” está realmente acontecendo. O cara está realmente chegando com a pizza, está realmente entregando a pizza para a pessoa. E daí? Qual o valor dramático disso? O que eu aprendo com isso? É quase um voyeurismo e eu acho que a poesia é outra coisa. A arte é uma outra coisa.
Ou pelo menos, pode ser outra coisa que não tem nada a ver com a realidade.”
“
b)
“
Numa casa de matéria em que tudo remete ao século XIX, há uma caneca de plástico esquecida sobre a mesa. Nela, lê-se a frase de Rimbaud: “Jamais réel et toujours vrai”(Nunca real e sempre verdadeiro). Foi escrita à mão por Jorge Furtado, porque sintetiza sua busca como diretor de cinema e televisão: quer estar distante da realidade e perto da mágica.
”
(“Abaixo o realismo na TV”
Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, sexta-feira, 22 de maio de 2009)
3)
“
- Lembre-se: é a verdade que surge da ficção.
“
(Páprika, anime de 2006 dirigido por Satoshi Kon)
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segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Telegrama
Strange Fruit
Southern trees bear strange fruit
Blood on the leaves and blood at the root
Black bodies swinging in the southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees
Pastoral scene of the gallant south
The bulging eyes and the twisted mouth
Scent of magnolias, sweet and fresh
Then the sudden smell of burning flesh
Here is fruit for the crows to pluck
For the rain to gather, for the wind to suck
For the sun to rot, for the trees to drop
Here is a strange and bitter crop
(Billie Holiday, 1939)
* * *
"Billie Holiday tinha apenas 23 anos quando cantou pela primeira vez "Strange Fruit".
Ela estava no palco do Café Society, "a única boate de Nova York realmente integrada", descreve o jornalista americano David Margolick, referindo-se ao fato de que este era um dos raros locais em que brancos e negros eram tratados como iguais, em 1939, nos Estados Unidos.
Mas mesmo ali, continua Margolick, Billie Holiday teve medo de interpretar "uma canção que atacava de frente o ódio racial, numa época em que nem se sonhava com a música de protesto".
"Não houve nem mesmo uma tentativa de aplauso quando eu terminei", escreveu Holiday em sua autobiografia. "Então uma pessoa começou a aplaudir nervosamente. De repente, todo mundo estava aplaudindo."
Nos 21 anos seguintes, até sua morte, aos 44 anos, Billie Holiday causou comoção todas as vezes que entoou "Strange Fruit", música que descrevia o horror dos linchamentos de negros nos Estados do sul do país.
A trajetória dessa triste canção inspirou Margolick a escrever "Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de uma Canção" (2000), que chega agora ao Brasil."
(Para ler o restante da matéria de Adriana Ferreira Silva na Folha, clique AQUI. A imagem é do linchamento de C.J.Miller em 1893. Encontrei no Abagond. Outras informações sobre sua morte injusta, AQUI e AQUI.)
Southern trees bear strange fruit
Blood on the leaves and blood at the root
Black bodies swinging in the southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees
Pastoral scene of the gallant south
The bulging eyes and the twisted mouth
Scent of magnolias, sweet and fresh
Then the sudden smell of burning flesh
Here is fruit for the crows to pluck
For the rain to gather, for the wind to suck
For the sun to rot, for the trees to drop
Here is a strange and bitter crop
(Billie Holiday, 1939)
* * *
"Billie Holiday tinha apenas 23 anos quando cantou pela primeira vez "Strange Fruit".
Ela estava no palco do Café Society, "a única boate de Nova York realmente integrada", descreve o jornalista americano David Margolick, referindo-se ao fato de que este era um dos raros locais em que brancos e negros eram tratados como iguais, em 1939, nos Estados Unidos.
Mas mesmo ali, continua Margolick, Billie Holiday teve medo de interpretar "uma canção que atacava de frente o ódio racial, numa época em que nem se sonhava com a música de protesto".
"Não houve nem mesmo uma tentativa de aplauso quando eu terminei", escreveu Holiday em sua autobiografia. "Então uma pessoa começou a aplaudir nervosamente. De repente, todo mundo estava aplaudindo."
Nos 21 anos seguintes, até sua morte, aos 44 anos, Billie Holiday causou comoção todas as vezes que entoou "Strange Fruit", música que descrevia o horror dos linchamentos de negros nos Estados do sul do país.
A trajetória dessa triste canção inspirou Margolick a escrever "Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de uma Canção" (2000), que chega agora ao Brasil."
(Para ler o restante da matéria de Adriana Ferreira Silva na Folha, clique AQUI. A imagem é do linchamento de C.J.Miller em 1893. Encontrei no Abagond. Outras informações sobre sua morte injusta, AQUI e AQUI.)
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sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Escadas
nº17: Prova
Responda as questões
abaixo baseado no conto lido anteriormente:
1)Quem é a menina que
se dirige ao metrô? Para onde ela vai?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
2)Por que ela usa
uniforme escolar se é sábado?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
3)Quem é o personagem
que irá descer na mesma estação da menina? Para onde ele vai?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
4)Por que ele carrega
um capacete cor-de-rosa na mão?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
5)O que ela pensa
enquanto desce a escada rolante? Por que ela não está teclando seu
celular?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
6)O que faz João parar
enquanto sobe a escadaria?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
7)Complete a frase
abaixo, de acordo com sua interpretação.
Quando os olhares dos
dois jovens se cruzam, eles________________________________.
8)O que João disse
para Maria sobre extintores de incêndio? Por quê?
R:_________________________________________________
___________________________________________________
9)Maria respondeu
furiosa “A melhor história é sempre aquela que ainda está na sua
cabeça, aquela que ainda não foi para o papel.” Relacione esta
resposta com os eventos ocorridos na rave durante a madrugada.
R:_________________________________________________
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10)Você aprovaria a ação da polícia, alvejando João dentro do vagão
antes que pudesse reagir? Justifique.
R:_________________________________________________
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(imagem pelo Flickr)
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