quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Onirogrito


(desenho de Adrian Tomine em Optic Nerve)

monocromo


A

Eu não gosto de opinar. Isto deve ser incomum hoje em dia, quando todos têm sempre algo a dizer sobre tudo. Todos são técnicos de futebol e críticos de tudo, de cinema a quadrinhos, do comportamento do vizinho ou da celebridade. Todos sabem tudo sobre tudo. Mostram-se humildes, mas é pretexto. Porque ficar quieto é indício de ignorância. Mas se você parar para refletir antes de dizer algo, outra pessoa foi à sua frente e falou o mesmo ou o contrário, não sei se com melhores argumentos. Simplesmente falou mais alto. Eu levanto o braço e espero alguém perceber, mas ninguém notará, pois todos estão latindo contra aquele um ou o anterior a este. Então o negócio não é ter o que argumentar, e sim como se expressar. Não é a harmonia ou melodia ou composição. É o volume. Propaganda e marketing. Não que eu saiba tocar algum instrumento. Não que eu tenha algo a dizer que seja melhor do que todos. E mesmo que seja melhor, vocês nunca irão descobrir. Mas se souberem, só ouvirão aquilo que concordam. O que discordarem, deixarão de lado, como espinhas de peixe na beirada do prato.


B

Eu gosto do vermelho. Porém, não saberia dizer o motivo. Prefiro vermelho ao azul ou ao amarelo, mas o subordino em favor do laranja e do branco. Não sou de esquerda. Ou de direita. Ou de centro. O vermelho está na bandeira de quase todos os países da Europa. Vermelho fraternidade. A esquerda pretendia socializar o vermelho. A coca-cola fez isto em seu lugar. Posso lhe dizer que o nome Rússia vem do escandinavo Rus, que significa vermelho. Sei que vermelha é a cor oficial da China. Que a tinta vermelha surgia do esmigalhar da larva de um inseto. Que daí vem seu nome: VERME-lho. Que rubro vem do rubi. O sapo de onde se extrai o curare é vermelho e preto, feito o livro de Stendhal. Este livro fez o pai de um amigo ser preso durante a Ditadura: temiam a revolta dos pretos e dos guaranis. O vermelho vive nos glóbulos. É sinal de ferro. Marte, o planeta vermelho. Já nadei em um rio vermelho, flutuava sobre o anoitecer. Há como contar a história da humanidade apenas sob o ponto de vista das tintas vermelhas. Os cientistas afirmam que o ser humano desenvolveu a visão das cores para enxergar o vermelho das frutas maduras. Todo ser humano reage biologicamente ao vermelho. O vermelho não irrita o touro, irrita a arena. A casa da luz vermelha na rua da lama. Na Idade Média, as ruivas tinham a fama de serem voluptuosas. Vermelho do vampiro e da conjuntivite. Vermelho do batom e do vergão, vermelho da rosa e do bombeiro, o vermelho do freio e do semáforo. Vermelho indicando “On”, vermelho na macarronada. Sei que o normal dos dias exige o cinza, o negro ou azul. O outono pede verde. O mar não pede nada. Sei que é muito difícil eu me sentir à vontade com o vermelho. Mas ainda assim, gosto do vermelho. Mas existe argumento naquilo já dito, seja falso ou verdadeiro, que convenceria os amantes do amarelo?

C

No silêncio daquilo que digo, subentenda-se a defesa do vermelho.
















*(editei em 08/08/2009)

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