quinta-feira, 6 de setembro de 2012

a biblioteca de Alexandria









Um homem no Cairo pede um café e abre um livro. Antes de começar a ler, distrai-se com a paisagem restrita e entulhada de gente e mercadorias em exposição na rua. Acende um cigarro e se detem sobre um par de velhos entretido numa partida de gamão. Em outra mesa, um senhor elegante tosse perdigotos enquanto transfere resultados do futebol do jornal para uma caderneta. Uma mulher apressada passa arrastando sua filha que tenta seguí-la. Um garoto surge e oferece engraxar sapatos e vender haxixe. Em uma das janelas acima, escuta-se um choro miado de criança. Numa outra mesa, um senhor ri sozinho diante do Ipad. Um vendedor de bexigas e cataventos oferece um inflável com a forma do Bob Esponja. Saiu o novo filme do Homem Aranha, assista dublado no Gizé Center Shopping, veio por uma mensagem no celular. Um velho dormita enquanto espera clientes. Um rádio ligado dispara nova música da M.I.A. Sob o solo, escavam o túnel do metrô destruindo artefatos milenares. Dois jovens turistas debatem a real influência da Internet na Primavera Árabe. Um deles discute de forma enfática e, concomitante, escuta música mp3 no fone. Na televisão é o horário das notícias: um apresentador conhecido por ligações próximas com senhores pouco honestos expressa revolta e indignação: houve um desvio brutal de verbas destinadas originalmente para a construção da nova biblioteca de Alexandria. O garçom usa o controle remoto e muda para um canal de esportes no qual se transmite uma antiga corrida de Fórmula 1. O café chega, aguado como chá. O homem que lhe serve tem uma tatuagem de chefe apache. O cliente toma um gole, acha horrível, deixa algumas piastras e se retira: a xícara praticamente cheia, no qual logo se afogará uma mosca. O livro ficou aberto na mesa e não há nem uma brisa capaz de folheá-lo.







(Fotografia (a mais conhecida, talvez?) de Peter Beard. Aqui, um blog para o turista explorador colonial.)

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