quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Onirogrito

Vampiros x Zumbis





Vampiros e Zumbis são parentes. Ambos são mortos-vivos, são diferentes de fantasmas e demônios, uma vez que sua existência física não se discute.

Os vampiros são aristocráticos e elitistas. Os zumbis são a classe C. Os vampiros são criaturas especiais. O zumbi é gente como a gente. O vampiro vive em um castelo de onde sai para aterrorizar os indefesos. Os zumbis cercam shopping centers e casas isoladas, a última defesa possível contra suas hordas. Todos sabem os pontos fracos dos vampiros: alho, cruz, estacas, o sol. Zumbis são frágeis, morrem facilmente, sua força é o seu número. Mas não temem nada. São democráticos.

Os vampiros sobrevivem da exploração e do sangue de suas vítimas: são vistos como os senhores secretos do mundo. São elegantes, refinados, inteligentes, insidiosos, sedutores, provocadores. Os zumbis existem. Eles são o caos. Parecem bêbados, agem estupidamente. Vampiros e Zumbis são criaturas do desejo. Mas enquanto você deseja ser um vampiro, os Zumbis desejam você. O ataque do Vampiro o torna rico e eternamente jovem. A mordida do Zumbi o torna um idiota e um eterno mendigo.

O Vampiro da forma segundo a qual entendemos é relativamente recente, sua base se estruturando ao redor de Polidori, Le Fanu e Stoker[1] durante o século XIX. Nesta época, talvez, pudessem ser vistos como uma resposta do anseio burguês por um reconhecimento “nobre”. Depois dali se disseminou pela literatura, filmes, quadrinhos, discos, atravessando a maior parte do século XX. Eu estaria forçando muito se visse nos Vampiros e na sua relação com a humanidade uma metáfora política para exploração econômica e alienação? Não me ocorre nenhum caso, mas devem haver histórias nas quais Vampiros foram abordados sob o ponto de vista declaradamente político.

Já os Zumbis parecem ser moldados para este tipo de abordagem. Os Zumbis são criaturas ainda mais recentes no folclore do medo. Nos termos que nos interessam[2], os Zumbis se originaram no vudu haitiano. O Zumbi, inicialmente, seria um pobre coitado amaldiçoado que, após ser envenenado e “morrer”, tornava-se um escravo incapaz de desobedecer às ordens de um feiticeiro[3]. Mas este Zumbi inicial (que talvez remetesse à opressão da escravatura) foi ofuscado pelos criados por George Romero em “Night of the Living Dead”[4] e que, praticamente, redefiniu o mito a partir de então. Os Zumbis não são personagens, personagens são os outros que procuram escapar de seu ataque, e a história é montada basicamente na tensa relação entre os sadios contra os doentes.

Enquanto a tragédia do Vampiro é ser obrigado a ser “mau” e matar[5], o trágico no Zumbi é o fim da individualidade. Os zumbis são o olhar da sociedade “pressionando” a liberdade, nos restringindo, nos aprisionando. Adequado a nossos tempos neo-provincianos, onde o olhar do vizinho está na rede, querendo nossos miolos, querendo nos formatar sob um mesmo comportamento. Talvez seja revelador pensar que o sonho do último Vampiro de grande sucesso é ser igualzinho a todos os mortais.

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[1] Histórias dos Vampiros – Autópsia de um Mito, Editora Unesp
[2] Há um livro francês de 1697 Le Zombi du grand Pérou, ou La comtesse de Cocagne e existem lendas de mortos-vivos similares aos zumbis na África Central 
[3] Posteriormente encontrou-se certa base “científica” para esta lenda, no caso de homem chamado Clairvius Narcisse. Veja AQUI
[4] Conforme o próprio Romero admitiu, sua principal influência foi “Eu sou a Lenda” de Richard Matheson.
[5] Uma tragédia um tanto relativa já que o cardápio da maior parte da humanidade contem animais mortos.





(publicado originalmente AQUI, no blog da Terracota. Imagem é a primeira das tiras de "Z" de Raphael Salimena, disponível no Quadrinhos IG)

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