quinta-feira, 8 de julho de 2010

Escadas



nº04: os vivos e os mortos


As escadas são paralelas, uma para subir, outra desce. As pessoas tateiam o corrimão de borracha, medem a velocidade dos degraus de aço a correr sob seus pés, deixam-se levar pela máquina; antes corriam, apressadas para chegar ali, então se aquietam, se conformam, se calam, silenciam, calmas ou sufocadas pelas demais. Entregam-se ao percurso. Sem ter o que fazer, batucam a borracha preta, procuram o espaço adiante onde as pessoas desembocam, ou veem a paisagem mudar lentamente sem esforço dos pés, como se flutuassem, como se estivessem mortos.



Mas aquela outra gente que escala os degraus ao lado não admira paisagens, não há espaço para isto. Precisa-se acompanhar o ritmo das demais, o rosto baixo para os próprios pés e degraus, para a bunda logo adiante, o som sibilante dos passos como o de muitos relógios marcando tempos diferentes, ou o de muitos pedidos de silêncio. E o peso de tudo que se carrega está ali, evidente nas bolsas, pastas, mochilas, sacolas, compras, naquele esforço inútil de quem está vivo ou Sísifo condenado, porque no dia seguinte, se estará ali de volta, no caminho inverso de ir para o trabalho. Rebanho, cardume, enxame. Sobrevive melhor quem não está sozinho, dizem. Mentira: sobrevive melhor quem está vivo.




E ali ele levantou o rosto, querendo ver um além adiante, saber se ainda faltavam muitos degraus, e ela no ritmo suave e contínuo da máquina o viu também e os olhares trocados ali, um fitando o outro, sem piscar, como animais predadores ou cegos. A máquina continuou a impelindo e a multidão atrás o impediu de se voltar ou de parar. O rosto um do outro se misturou com a indiferença dos outros todos vistos naquele dia. Mas por aquele breve pequeno momento souberam. E acreditaram.







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