sexta-feira, 6 de março de 2009

Telegramas


solve et coagula


solve


Trecho da crítica de Vinicius Jatobá no Estado de São Paulo (01/02/2009): "Aos outros tudo, menos a tolerância"



"(...)A literatura cada vez mais se afasta de um enfrentamento do torto nos termos do torto: narradores são puros, compreensivos, iluminados, generosos e sem preconceitos. Uma neutralidade do olhar narrativo, curiosamente em tempos de distopia e demolição dos projetos políticos, tem levado a literatura para um terreno que sequer ela parece ter consciência que está ocupando: a do porta-voz do bom-mocismo. O núcleo deste conflito literário á a intransigência, e em última instância o próprio preconceito, porque é do choque e tensão entre a incapacidade de se comunicar dos personagens que surgem os grandes abismos e contradições da alma humana.
Narradores que compreendem tudo, capazes de construir seus mundos dando oportunidades iguais a todos, sem jamais emitirem qualquer fala agressiva se aproximam mais de uma suposta missão evangelizadora de elevar a consciência pública do que da própria carnalidade do cotidiano das pessoas, que é a própria matéria da literatura. As vozes dos livros parecem de plástico, mas as pessoas são feitas de carne. É por isto que autores como Roth, Bernhard, Bolaño, Naipaul, Kertész, Lobo Antunes são capazes de cativar tanto o emocional do leitor para além da experiência da própria leitura - seus narradores veem os problemas do mundo, mas nunca se eximem da própria carne da matéria do problema. São, evidentemente, parte do problema. Denunciam o antissemitismo, mas são antissemitas; substituem uma violência pela outra; sentem saudade do poder que detinham; desprezam abertamente outras classe sociais; são mesquinhos e pouco generosos; não possuem paciência com o que veem como fraqueza. Isto não quer dizer que os autores padecem da mesma carne dos narradores que inventam (e não importa); esta construção narrativa apenas indica que o narrador que vê tem um corpo que sabe, mesmo em silêncio, aquilo que a cultura ao seu redor não sabe e não escapa nunca desta cultura porque ninguém escapa da história.(...)"

coagula

Trecho do documentário Mindscape de Alan Moore. Palavras do próprio (segundo tradução pirata):

"Os alquimistas tinham os componentes para sua filosofia. Eram os princípios Solve et Coagula. Solve era basicamente a análise, separar as coisas para ver como funcionavam. Coagula significava síntese, ou seja, colocar todas as peças separadas juntas novamente para que funcionem com mais eficácia. Estes dois princípios podem ser aplicados a praticamente qualquer coisa na cultura. Ultimamente, na literatura, por exemplo, surgiu uma corrente de pós-modernismo, desconstrutivismo. Isto é Solve. Talvez seja tempo nas Artes de um pouco mais de Coagula. Tendo desconstruído tudo, talvez seja hora de começar a pensar em pôr as coisas em seu lugar."

2 comentários:

  1. caro Brontops:
    quem lhe escreve é a Beluga (aquela do Belogue, está lembrado?). Ainda não vi o seu blog com toda a atenção que certamente merece, mas curiosamente quando estava no google a pesquisar por "brontops+blog" fui ter ao post em que elogia o Belogue, o que me deixou muito lisonjeada (embora não deslumbrada porque é sempre bom termos os pés na terra e não ficarmos à sombra da bananeira - esta expressão é muito brasileira). desejo-lhe muito sucesso neste seu blog, espero em breve retomar a postagem no Belogue e fazer-lhe umas visitas mais regulares. Cumprimentos e bons posts, Beluga

    Vai como anónimo porque não percebi como é que funcionava este esquema. Não tenho nenhuma destas inovações no Belogue.

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  2. Obrigado, Beluga, e vc tem toda razão: é preciso evitar a todo custo o deslumbre... Vou me lembrar disso.

    Estamos cá abaixo do Equador a aguardar novas postagens suas...

    Uma bjk

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