domingo, 29 de março de 2009

Telegramas




"Só os escritores ruins têm respostas; a sabedoria, não só na literatura, encontra morada nas perguntas."

Vinicius Jatobá

sexta-feira, 27 de março de 2009

Telegramas



constelação

ele abriu a boca e apontando o zênite, revelou o lugar da bala.













*

quarta-feira, 25 de março de 2009

interpretação de texto





Mas a redação do aluno apareceu em meio à papelada recolhida da mesa pelo professor. Descrevia um menino caminhando pelos corredores daquela escola, uma automática para cada mão, uma 9 mm no tornozelo, munição na mochila, faca de caça na bainha, cano duplo serrado pendurado pela alça.

Devolveu a composição dias mais tarde. Dobrou por algumas vezes a folha pautada de caderno e a equilibrou sobre os lábios entreabertos do aluno. O mestre orou antes de começar a encher a vala com terra úmida e folhas de outono.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Zerografia


Süskind, Patrick (1882-1917)



Nasceu em Ambach, Alemanha, filho de um condutor de bondes com uma senhora francesa. Aos 14 anos, após a morte do pai em um acidente incomum (Um tigre fugido do zoológico atacou-o enquanto recolhia bilhetes), foi para a França junto com a mãe. Destacou-se em atividades físicas, tornando-se um lutador de savate de certo renome em Paris. Neste tempo, apaixonou-se por uma jovem aspirante atriz, a srta Jeanne Moreau. Entretanto, perdeu o olfato e parte da visão após um golpe violento. Como admiradora de coisas belas, a atriz o abandonou, trocando-o por um jovem oficial alemão, deixando Süskind em melancolia tal que o tornou freqüentador rotineiro de casas de ópio.

Felizmente, um tio por parte de pai de Patrick o retirou desta lama e o levou à Berlim, para trabalhar em seu jornal. Após alguns anos e alguns lances de sorte, passou a publicar sua primeira obra literária de renome, um novela naturalista chamada "O Perfume". Seu livro fez enorme sucesso e chegou a inspirar certos cientistas a criarem máscaras farejadoras artificiais, que infelizmente se revelaram pouco eficientes, mas acabariam por inspirar o químico Fritz Haber a desenvolver as primeiras máscaras anti-gases, utilizadas na Primeira Grande Guerra. Hitler, em sua juventude, foi admirador desta obra de Süskind, até que se descobriu que a família de Patrick era judia. O romance teria inspirado ao historiador francês Alain Corbin a desenvolver o belíssimo ensaio sobre odores entre os séculos XVIII e XIX ("La Miasms et lá Konquille"). Outra obra, mais admirada pelos críticos, é "A Pomba", teria servido de inspiração para "Os Pássaros", do diretor britânico Alfred Hitchcock e a peça de teatro,“Amado Monstro”, do espanhol Javier Tomeo.

Faleceu durante a epidemia de Gripe Espanhola. Tinha 35 anos. Sua esposa morreu duas semanas depois. Não deixou filhos, exceto um cão chamado Tigre.












Achado

(Inside Jabba, the Hutt.)


a)Farrazine 10.

Fanzine on-line disponível para download no blog do Farrazine. Mas também tem para leitura na tela, pelo ISSUU. Nesta edição: Entrevista com Rafael Grampá ( de Mesmo Delivery), Albaria parte 2, RTC Comics, Games, músicas, contos, Farratown, Watchmen, Clube da Luta e etc...

b)Palavras cruzadas

Todas as palavras. Ajuda on-line para palavras cruzadas. Deve servir apenas para palavras cruzadas de jornal, quando as respostas vem no dia seguinte.

c)Junko Mizuno

Dica do Fernando Lima, do Curva Dramática. Artista japonesa famosa por seus monstros e cadáveres fofinhos. Aqui no Brasil, a Conrad publicou o mangá Cinderalla, sobre uma versão zumbi de Cinderela.

d)Aramis Millarch

Tablóide Digital é um site que se propõe a digitalizar todo o trabalho de Aramis Millarch, um reconhecido jornalista curitibano especializado em música e cinema. Ele faleceu em 1992 e a idéia dos organizadores do site é colocar mais de 50.000 artigos publicados entre 1957 e 1992. Segue também seu artigo sobre Patrick Süskind.

e)Out my window

Descobri esta exposição fotográfica de Gail Albert Halaban depois de postar o Telegrama sobre Peter Greenaway. A fotografia que usei foi tirada da janela de minha casa, mas o tema e as fotos desta exposição são mais apropriadas ao tema de Greenaway.

sábado, 21 de março de 2009

Onirogrito


Fogo

24/06/1997

Uma voz disse:

“Existem dois tipos de fogo: aquele que se pode acender e apagar e aquele que precisa permanecer.”

sexta-feira, 20 de março de 2009

Telegramas


Janelas (Peter Greenaway)



"Em 1973, na paróquia de W, 37 pessoas morreram como conseqüência da queda de janelas.

Das 37 pessoas que caíram, 7 foram crianças de faixa etária inferior a 11 anos, 11 eram adolescentes abaixo dos 18 e os demais eram adultos com idade inferior a 71, exceto por um homem que, segundo a crença de alguns, teria 103.

A queda de 5 das 7 crianças se deu pela janela do quarto, bem como 4 dos 11 adolescentes e 3 dos 19 adultos.

De 7 quedas envolvendo crianças, todas foram acidentais, salvo uma por infanticídio. Dos 11 adolescentes, 3 foram suicídios ocasionados por razões do coração, 2 foram acidentes, 2 estavam bêbados, 1 foi empurrado, 1 supõe-se haver ocorrido por insanidade, 1 pulou por uma aposta, 1 experimentava um para-quedas.

Dos 12 homens, 2 precipitaram-se deliberadamente, 4 foram empurrados, 5 vítimas de acidente e 1, sob a influência de entorpecente desconhecido, acreditou que podia voar.

Dos 11 adolescentes, 2 eram balconistas, 2 desempregados, 1 estava casado, 1 era limpador de janelas, 5 eram estudantes de aeronaútica, um dos quais tocava cravo.

Entre os 19 adultos, um era comissário de bordo, 2 eram políticos, 1 ornitologista, 1 vidraceiro e 1 costureira.

Das 37 pessoas, 19 caíram no verão antes do meio-dia, 8 em tardes de verão e a queda de 3 se deu sobre a neve. O ornitologista, o adolescente de para-quedas e o homem que pensou poder voar, todos caíram ou foram empurrados em anoiteceres da primavera.

Ao pôr do sol de 14 de abril de 1973, a costureira e o estudante de aeronáutica, aquele que sabia tocar cravo, caíram em uma ameixeira ao saltarem da janela desta casa."





(Windows: curta metragem de 1975. Assisti no Eurochannel há um milhão de anos. Legendas anotadas em caderno. Peter Greenaway: diretor de "O Bebê Santo de Macon"; "O Livro de Cabeceira"; "A Tempestade" e outros.)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Telegramas



"por uma vida menos ordinária"


"Se alguém passa por algo traumático, acaba ficando traumatizado. Já imaginou que falar isso pras pessoas pode impedí-las de lidar com os problemas delas?"

Garth Ennis, em Justiceiro (Punisher Max # 44 ou Marvel Max nº66)





*****
(desenho inspirado em Posadas)

terça-feira, 17 de março de 2009

contabilidade






pela lei natural dos encontros,

eu perco/recebo tanto.

Mistério do Planeta, Os Novos Baianos


Zilma não saiu de casa naquele dia.



Deixou de encontrar o assaltante Alexandre que aproveitaria um descuido para levar-lhe a carteira. Uma quadrilha usaria seus documento em golpes por anos em um outro Estado. Zilma ficaria com o nome sujo. Aguardaria mais que os demais clientes na mesa de análise de crédito até finalmente ser recusada, a despeito de seus protestos. E então numa destas vezes, acabaria se apaixonando pelo funcionário da loja de eletrodomésticos, um sergipano chamado Serapião. Casariam-se e, depois de serem felizes, ele acabaria trocando-a por Giane, uma antiga namorada que conhecera no hospital, enquanto acompanhava sua mãe, vítima de um derrame. Mas talvez não encontrasse o assaltante Alexandre, porque no caminho pararia no supermercado apenas para comprar o que precisava. Diante da abundância de marcas e produtos coloridos, ficaria absorvida mais tempo que o necessário e o encontro com o assaltante não aconteceria. O Alexandre roubaria então um comerciante: na hora de fugir, atravessaria a rua em disparada, e um buraco no asfalto o faria cair sob as rodas de um ônibus. Dentre os passageiros, estaria o desempregado Antônio Coelho que, por conta do acidente, chegaria atrasado ao encontro com sua futura namorada e posterior mãe de seu primeiro filho. O atraso complicaria tudo, Alice receberia um torpedo do seu ex e acabaria desistindo do encontro. Mas a presença de Zilma no supermercado pouparia o ladrão, pois na fila engataria conversa com uma senhora aposentada, dona Tércia. Durante o diálogo que não houve sobre os preços que nunca são satisfatórios, dona Tércia relembraria a falta de material de limpeza. Ela sairia da fila do caixa, ficaria mais tempo no supermercado, e então encontraria Alexandre. Como não houve conversa, dona Tércia só perceberia a falta de material de limpeza no dia seguinte, dia da empregada. Que se chamava Giane e estava apaixonada por um sergipano chamado Serapião. E trabalhava para um português, pai de Antônio Coelho. Que chegou em tempo para o encontro, mas flagrou Alice respondendo ao torpedo. Aquilo gerou uma dúvida, que impediria o namoro de ir mais longe: transaram uma única vez, usando camisinha. E a criança que não nasceu, não se tornaria policial e não salvaria um garoto de afogamento que por sua vez, se tornaria um psicopata, assassino de sete mulheres chamadas Maria, os corpos abandonados à beira de um rio: os jornais chamariam o menino de Cabeça-de-Cuia, uma referência a um monstro folclórico que jamais existiu, por mais que as pessoas insistissem.



Mas Zilma não saiu de casa naquele dia; o homem que a amara na noite anterior a convencera disso. O mesmo homem que revelara o significado de seu nome: escuridão.












quarta-feira, 11 de março de 2009

monstros gigantes






















Poucas paisagens são mais solitárias que os tetos vazios dos edifícios: as portas fechadas, os encanamentos expostos, os para-raios, as antenas como girassóis ou cogumelos, a laje jazendo sob o sol. Parece uma cidade interrompida. Mais interessantes são as pessoas, correndo de uma calçada para outra em direção a estação de metrô (Hoje aliás, elas parecem estar mais apressadas que o normal).


Observá-las assim, do alto me lembra a infância. Há uma grande diferença de idade entre meus irmãos mais velhos e eu. Sem ter com quem brincar, me tornava um deus-alienígena-nazista-monstro-gigante das formigas, raptando-as e realizando experimentos científicos, retirando patas, submetendo-as a banho de detergente, álcool, fogo. Imaginava ser uma brincadeira comum de crianças, mas com o passar dos anos percebi que poucas desperdiçavam seu tempo nisto. Talvez apenas as mais solitárias ou sem irmãos se aplicassem neste passatempo.

-Não dá para ver o sol.

Meus dedos forçavam uma abertura maior entre as persianas do escritório. Por ali vejo o cenário das torres construídas com engenharia anti-terremoto, os edifícios picotando o céu, recortando o horizonte. Em cada uma das caixinhas, pessoas apinhavam-se umas nas outras, sobrevivendo.

Ela trouxe meu café em minha caneca comprada em uma viagem. Figurinhas simpáticas passeiam por uma Kyoto composta apenas de pontos turísticos. Quando criança, me intrigava a impossibilidade de ver ao mesmo tempo todo o desenho que percorria o corpo de uma xícara. Agora sou adulto, poucas coisas me encantam. Ou, se encantam, não é por muito tempo. Uma delas acabou de me trazer o café.

-Pois é.

Ela também não é daqui. Os gaijin se reúnem em guetos, difícil de se integrar. O pessoal aqui não é muito aberto. Ou se são, o inglês é horrível, prefiro que falem japonês.

-Precisamos conversar.

Através das persianas, vislumbro uns sujeitos de capacete correrem pelo interior do prédio vizinho. Deve ser um daqueles exercícios contra incêndio. Ou contra terremotos. Eles têm um dia só para isto aqui. Em nossa empresa, fazemos estes exercícios somente naquele dia. Explicaram que é para não perder produtividade. Outros acreditam que eles não ligam para gente. Eu suspeito que este treinamento não nos ajudará em nada, trabalhando no 27º andar do edifício.

-Hoje não vai dar, Yuri. Combinei com a Keiko de buscar a nossa filha na escolinha hoje.

Tem gente que tem sorte na vida, nasceu com a bunda virada para a lua. Eu sempre me fodi, tinha que correr atrás das coisas. Achei que aqui iria me dar bem, ou pelo menos, melhor do que lá. Conheci Keiko, irmã do cara com quem dividia o cubículo. Acho que nos casamos porque teríamos mais tempo de nos concentrar no trabalho na fábrica. Consegui outro emprego aqui na capital. Ela ficou lá, mais perto de nossa filha, na escola dos brasileiros. Pensei que seria melhor aqui, entre outros gringos. Foi aí que apareceu Yuri.

-Mas é importante.

Ela deixa sua caneca sobre a mesa. Também era uma lembrança de viagem (Canadá). Tinha a forma de um tronco de árvore, atravessada por um Alce com cara de idiota. Provavelmente ela pagou muito mais do que gastei pela minha. Antes, eu a chamaria de Yuri Gagarin, era nossa piada: ela não tinha os pés no chão, merecia um nome de cosmonauta. Agora não há cabimento em usar nosso antigo apelido. Olho ao redor. Ninguém se aproxima ou presta atenção de mais em nós. Falo baixo e em português, mas em um tom decidido.

-Olha, se é sobre a gente, você sabe que não vou deixar minha filha. Já te falei isto.

Ouço sons de jatos cruzando os céus. É incomum, mas não vou interromper a conversa para ver a paisagem lá fora. Além disso, preciso ficar esperto com o que acontece aqui dentro. Há outros brasileiros aqui, e não quero que arrumem mais um motivo para comentarem a nosso respeito. Japoneses são viciados em fofocas... Deve ser assim que se mantêm a sociedade sob controle. Melhor que encher as ruas de câmeras. Ninguém pode dar um passo fora da linha: todo mundo ficará sabendo e você se torna um pária.
Ela baixa os olhos, em silêncio. Uma atitude submissa me excitaria em outras ocasiões, mas ali me impacienta. Não quero demonstrações públicas, deveria ter sido mais cuidadoso, ouvido o que me aconselhavam: padaria não é açougue; onde se come o pão, não se come a carne. Seus cabelos negros e lisos cobrem seu rosto, uma daquelas meninas fantasmas de filmes de terror daqui. Sua boca se abre, prestes a dizer algo.

Mas não a escuto. A caneca dela cai no chão. Poderia ser um tremor.

Então, em seguida, as janelas se estilhaçam em um enxame de cacos e os biombos caem todos de uma vez. Sou arremessado para dentro do edifício, vejo as placas do teto se desmancharem, se eu estivesse de olhos abertos, poderia me ver flutuando sobre micros, mouses, impressoras e grampeadores. As lâmpadas explodem deixando uma nuvem branca de vidro, documentos e papéis revoam na ventania.

Quando consigo erguer minha cabeça, vejo a criatura cruzando a janela. Os olhos do tamanho de automóveis nos ignoram, como ignoramos as formigas ou as folhas ao caminhar por uma floresta. As pálpebras da criatura piscam, talvez pela sua escala, eles parecem estranhamente lentos. Pode ser assim que as moscas nos vêem: lerdos, pesados, em câmera lenta ou em um reino submerso. Uma ventania ergue uma nuvem de poeira e sulfite. Tenho a curiosidade insana de correr até o que restou da parede para ver a criatura por inteiro, cruzando a avenida, esmigalhando os carros, deixando suas pegadas sobre a faixa de pedestres. Mas ouço um choro abaixo de mim. Eu caí sobre Yuri. Um clipe de papel penetrou superficialmente em seu rosto, feito um piercing mal colocado. Saía um filete de sangue.

-Você está bem?

E ela responde simplesmente, com seus olhos grandes, negros e brilhantes, como se fosse uma Sailor Moon.

-Estou grávida.











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(Este conto foi publicado originalmente no Farrazine nº04. Fiz umas alterações nele e o repostei aqui. Clique aqui pra ver o resto do fanzine e demais números.)

segunda-feira, 9 de março de 2009

achado




a)Filmes

http://www.giantmonstermovies.com/monster-index.html

Um index dos filmes de Monstros Gigantes. Foco em filmes antigos... Resenhas engraçadinhas. Não me parece o mais completo.

http://giantmonstersattack.blogspot.com/

Um blog de um fanático por estes filmes. Me parece muito mais interessante e o autor se preocupa em fuçar e trazer monstrões de outras mídias... Games, gibis, artes plásticas...

Falando em filmes, gostaria apenas de alertar que este texto foi escrito antes do Cloverfield (e antes dos dekasséguis baterem em retirada do Japão). Não que faça grande diferença, mas...

http://www.amandavisell.com/

Site de uma artista norte-americana que faz desenhos de monstros gigantes simpáticos e destruidores em estilo anos 60. Fofo! Me lembrou As Meninas Superpoderosas.


b)Já que falamos de pessoas que - ao longe - parecem formigas, que tal formigas que - de perto - parecem pessoas?



Dêem uma olhada no trabalho acadêmico da USP e vejam o bizarro:



Insetos em presépios e as "formigas vestidas" de Jules Martin (1832-1906)

RESUMO

"Encontrados no Brasil desde os primórdios da colonização portuguesa, os presépios logo tiveram de adaptar-se à realidade local, circunstância muito propícia ao aparecimento de concepções heterodoxas e ao emprego de elementos exóticos da fauna e flora de cada região. Como registros envolvendo insetos são muito pouco comuns, chama a atenção que fêmeas de saúva, (...) tenham sido aproveitadas na composição de presépios no estado de São Paulo. Tendo subsistido pelo menos até a década 1960, os "presépios de formigas" existentes em cidades como Embu das Artes poderiam estar relacionados às "formigas vestidas" criadas por Jules Martin, curiosa manufatura paulistana do último quartel do século XIX."

sexta-feira, 6 de março de 2009

Telegramas


solve et coagula


solve


Trecho da crítica de Vinicius Jatobá no Estado de São Paulo (01/02/2009): "Aos outros tudo, menos a tolerância"



"(...)A literatura cada vez mais se afasta de um enfrentamento do torto nos termos do torto: narradores são puros, compreensivos, iluminados, generosos e sem preconceitos. Uma neutralidade do olhar narrativo, curiosamente em tempos de distopia e demolição dos projetos políticos, tem levado a literatura para um terreno que sequer ela parece ter consciência que está ocupando: a do porta-voz do bom-mocismo. O núcleo deste conflito literário á a intransigência, e em última instância o próprio preconceito, porque é do choque e tensão entre a incapacidade de se comunicar dos personagens que surgem os grandes abismos e contradições da alma humana.
Narradores que compreendem tudo, capazes de construir seus mundos dando oportunidades iguais a todos, sem jamais emitirem qualquer fala agressiva se aproximam mais de uma suposta missão evangelizadora de elevar a consciência pública do que da própria carnalidade do cotidiano das pessoas, que é a própria matéria da literatura. As vozes dos livros parecem de plástico, mas as pessoas são feitas de carne. É por isto que autores como Roth, Bernhard, Bolaño, Naipaul, Kertész, Lobo Antunes são capazes de cativar tanto o emocional do leitor para além da experiência da própria leitura - seus narradores veem os problemas do mundo, mas nunca se eximem da própria carne da matéria do problema. São, evidentemente, parte do problema. Denunciam o antissemitismo, mas são antissemitas; substituem uma violência pela outra; sentem saudade do poder que detinham; desprezam abertamente outras classe sociais; são mesquinhos e pouco generosos; não possuem paciência com o que veem como fraqueza. Isto não quer dizer que os autores padecem da mesma carne dos narradores que inventam (e não importa); esta construção narrativa apenas indica que o narrador que vê tem um corpo que sabe, mesmo em silêncio, aquilo que a cultura ao seu redor não sabe e não escapa nunca desta cultura porque ninguém escapa da história.(...)"

coagula

Trecho do documentário Mindscape de Alan Moore. Palavras do próprio (segundo tradução pirata):

"Os alquimistas tinham os componentes para sua filosofia. Eram os princípios Solve et Coagula. Solve era basicamente a análise, separar as coisas para ver como funcionavam. Coagula significava síntese, ou seja, colocar todas as peças separadas juntas novamente para que funcionem com mais eficácia. Estes dois princípios podem ser aplicados a praticamente qualquer coisa na cultura. Ultimamente, na literatura, por exemplo, surgiu uma corrente de pós-modernismo, desconstrutivismo. Isto é Solve. Talvez seja tempo nas Artes de um pouco mais de Coagula. Tendo desconstruído tudo, talvez seja hora de começar a pensar em pôr as coisas em seu lugar."

Achado

a)site http://www.sacred-texts.com/index.htm
Propõe-se a ser o maior arquivo online de livros sobre religião, mitologia, folclore e o esotérico na Internet.

b)site http://unurthed.com/

Este site "forneceu" as imagens dos posts de hoje. Segue o perfil do blog definido pelo autor Greg Pass :
"The Unurthed blog is a survey of diagrams, cosmograms, emblems, etchings, sketches, illustrations, yantras, paintings, engravings, photographs, figures, cutouts, seals, depictions, pictures, images, with an eye for that which cannot be diagrammed, cosmogrammed, emblemed, etched, sketched, illustrated, plucked, painted, engraved, photographed, figured out, cut out, sealed, depicted, pictured, imagined."

O blog é uma coletânea de imagens, diagramas, mandalas, gravuras, esquemas, xilogravuras, fotografias... Vale muito uma olhada com mais carinho.






(um diagrama que apresenta as interrelações entre as "Leis da Magia". Maiores informações no site)

c)Para ler resenhas do crítico Vinicius Jatobá, procure nos colunistas do Terra Magazine (link aí na lateral)

quarta-feira, 4 de março de 2009

corrente




O Carioca estava de cabeça para baixo, dependurado, esticando ao máximo a corrente que prendia seu pé. Me distraíra tratando dos assuntos referentes ao enterro de minha mulher, esquecera do papagaio e de sua gaiola no quintal. Passamos a noite no velório, apesar de parentes insistirem no perigo, não quis sair de perto dela. Chegando em casa, notei o Carioca no mesmo lugar, penando sob o sol de meio-dia.

-Genalva,vem me buscar que eu estou odiando.


O bicho jamais aprendeu meu nome, apenas o de sua dona. Arrastei a gaiola para a sombra.




Do cemitério para casa, meu filho deu uma carona. Não nos falávamos. Já perto de casa, um sinal ficou vermelho e o CD player não cobriu o silêncio. Surgiu então o convite do filho para almoçar. Em seguida, justificou que não poderia acompanhá-lo naquela tarde, a empresa estava na loucura de fechamento. Minha neta também estava atarefada: era fim de ano, época de provas, tinha que estudar. Todos pareciam lamentar muito. Recusei. Para disfarçar e evitar insistências, observei que um pássaro penetrara dentro do poste de sustentação do semáforo fechado adiante de nós. Comentei que eles deveriam fazer ninhos lá no oco, as árvores da cidade acabavam, assim como lugares a salvo de gatos e ratos.



Comi o que encontrei dentro das panelas. Ouvia o Carioca a gritar, Genalva, água, estou sedento, água! Para abafar os pedidos e assobios da ave, liguei o AM nas notícias do dia: calor, viria chuva, etc.



Terminado o almoço, deixei água e bolacha para o bicho. O Carioca afastou-se de mim, desconfiado, suponho. Não sei interpretar os sentimentos das aves, quantas vezes tentei acariciar sua cabeça e recebi bicadas. Ele só aceitava agrados de Genalva. Prefiro os cães, mais transparentes, talvez mais francos.




Deitei-me no sofá. Evitava nossa cama, nosso quarto. Sonhei:



Entrando pelos semáforos, os pássaros descem aos subterrâneos da cidade. Eles se arrastam pelos canos e se reúnem secretamente em uma gruta sob a catedral. Lá, as aves arquitetam seu plano. Uma noite elas sairão pelas torneiras, arrebentarão as duchas dos chuveiros, emergirão das pias e dos vasos sanitários como gaivotas. Invadirão nossos quartos e, enquanto dormimos, penetrarão em nossas narinas, voarão por nossas traquéias, farão seus ninhos e ovos em nossos brônquios. Morreremos então, feito uma esposa que é sufocada pelo travesseiro fofinho do marido.



Acordei assustado, o Carioca bradava lá fora. Levantei-me e percebi, horrorizado, que ele finalmente aprendera meu nome.

-Otelo, não me mata, Otelo, não me mata.

Olhei para os lados antes de esmagá-lo entre meus dedos, imaginava se algum vizinho o escutara.












****
(Escrito para um daqueles concursos da Piauí. Mas, por algum motivo, não consegui enviar.)

Onirogrito

Football.

Está anotado como 29 de fevereiro de 1992 e foi o segundo sonho daquela noite. No dia anterior, testemunhara o atropelamento de duas pessoas. O acidente mereceria uma descrição melhor, mais elaborada. Mas aqui não é lugar para isto. Basta saber que impressionou-me o bastante a ponto de me provocar este pesadelo. Pode até ser coincidência, mas não acredito.

Estava na casa da praia, madrugada e eu sem sono. Escutei um barulho no quintal. Pela janela da sala, espiei as plantas do nosso jardim mal cuidado, exuberante como mato de beira de estrada e precisando de uma capinada. Localizei o bicho entre as folhas da bananeira, apenas a cabeça era visível. Sabia ser uma espécie maravilhosa de ave carniceira, um cruzamento de urubu-rei e de condor. Era bonito. No relato, escrevi “laranja”: uma de suas cores. Talvez não seja exato, foi anotado às pressas para que não se perdesse. Amarelo-manga me parece hoje ser mais correto.

Saí para o quintal, para o ver de perto. Porém, não encontrei mais a árvore. Retornei para o interior da casa e redescobri a bananeira na sala. Ainda não o enxergava, mas se ouvia o chiado de sua respiração no alto, como criança com o pulmão entupido de catarro. Arrumei um pau e futuquei a folhagem até derrubá-lo feito fruto maduro. O pássaro caiu todo desengonçado.

Não era mais o mesmo animal do início. Este parecia mais um papagaio, pela sua cor verde de coco, daqueles vendidos à beira do mar. Não tinha mais olhos, as asas e os pés foram cortados, estava bastante ferido e me sujou com sangue. Ao tentar se movimentar, parecia um cavalo tentando trotar sem as patas dianteiras. Saiu neste rastejo manco pela porta, deixando um rastro de sangue em seu caminho.


Em um livro, sua história. Era um “football”. Durante a guerra do Vietnã, os soldados norte-americanos tinham o hábito macabro de mutilar papagaios, amputar asas e vazar olhos. Tudo isto deixava o andar do papagaio “engraçado”. No Brasil, a tortura era realizada com urubus. Aquele pássaro fora deixado sobre a planta para viver de coco ou de mamão. Portanto, provavelmente, não era uma bananeira como imaginava. De todo modo, nunca houve bananeiras no quintal de nossa casa de praia.

Perguntei-me se meu pai teria feito isto durante a sua juventude. Senti pena do animal. Considerei matá-lo com o mesmo pau que o revelei. Não pude. Mas precisava expulsá-lo de minha vista, e então passei a empurrá-lo, com repulsa. Ele me sujou mais com aquele sangue, pude ver o corte aberto onde antes estava uma de suas asas, sua pele era um couro grosso. Fui tangendo a coisa, até esta ir para a calçada. Temi que algum vizinho me observasse e me culpasse pelo sofrimento do pássaro. Na realidade, uma mulher me flagrou. Mas não sei o que pensou: ela simplesmente não disse nada.

Continuei afastando-o, espantando-o para longe da frente de minha casa. Em seguida, esperei na frente do portão, temendo seu retorno. Mas um cachorro branco de um dos vizinhos da rua, um pequinês, encontrou o “football”. Cheirou, depois latiu, pastoreando o pássaro até que este fosse para dentro daquela casa.

Nas anotações, não há descrição de alívio. Retornei para o interior de minha casa, mas um policial se interpôs e recomendou “Vá fechar o portão, quer que todos entrem?”. Fiz o que me pedia. Na verdade, um excesso de segurança, pois já havia um outro portão fechado.


E quando me virei, dentro do quintal, em meio àquele mato, dois caiçaras seguravam um urubu azul. Uma lanterna estava focalizada sobre a cabeça da ave para que melhor pudessem furar um de seus olhos. Angustiei-me com a possibilidade de presenciar o restante do cegamento e mutilação, e corri na direção deles. Pensei ter acordado gritando. Mas se gritei, ninguém despertou além de mim.

Achado





Muitos anos depois, conheci - através de um documentário na TV - o Kea, uma espécie bastante incomum de papagaio, uma das muitas espécies de psitacídeos exclusivas da Nova Zelândia. Não é o maior dos papagaios, mas é o único de habitat montanhês. Acusa-se o Nestor Notabilis de matar ovelhas. Em filmagens noturnas, observou-se o pássaro sobre o lombo destes animais. Ele usaria seu longo bico curvo, como uma foice de obsidiana, para perfurar e sorver a gordura dos rins das ovelhas. Presume-se que este hábito tenha se desenvolvido desde a época em que havia moas, uma gigantesca ave não voadora de quase três metros. Os keas teriam se adaptado e alterado seu cardápio para as doces ovelhas trazidas pelos europeus. São uma das aves mais inteligentes. Talvez seja um dos poucos animais (como, por exemplo, chipanzés e golfinhos) dotados de auto-consciência: o teste mais conhecido capaz de identificar esta faculdade seria o de se reconhecer em frente a um espelho, e não achar que é um outro bicho. Realmente, o comportamento destruidor desta espécie de papagaio, arrebentando antenas e borrachas de automóveis e jogando estalactites de gelo sobre turistas, recordava o tipo de travessura de um macaco, arremessando sua merda contra os visitantes do zoológico.

O aspecto pesado, robusto, me lembrava o “football” mutilado de meu pesadelo descrito no Onirogrito. Fora isto, não sei se há outra relação.




***
http://www.papagaiosecia.com.br/
(um blog de fãs e criadores de papagaios. Não sei se é o melhor, mas foi um dos primeiros que apareceu... Pouco atualizado)

* * *

Preciso também comentar que as informações do Wikipedia não são confiáveis no que se refere às aves. Os administradores "lusófonos" da Wikipedia usam uma classificação incomum e pouco aceita no restante do mundo, inclusive Brasil. Além disso, há informações estranhas: até que ponto é relevante saber que papagaios vivem até 100 anos? Será que o albatroz é uma ave voadora maior que o condor andino?

(Evidentemente, posso estar enganado e me retratarei se for o caso. Afinal, não sou especialista...)

Aliás, é conveniente sublinhar que ainda não encontrei um site decente sobre zoologia.