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quinta-feira, 3 de março de 2011

Telegrama




"Já ouvira histórias de pessoas que viviam em florestas tropicais tão densas que sua visão nunca avançava além de uns dois metros de distância. Dizia-se que quando eram levadas para fora da mata, sua ideia ou percepção do espeço e distância além de dois metros era tão limitada que elas tentavam tocar o topo das montanhas distantes estendendo os braços (3)...

...(3)

Em The forest people, Colin Turnbull conta o que aconteceu quando ele andou de carro com um pigmeu que nunca havia saído da selva:



Ele viu os búfalos, ainda pastando sossegadamente lá embaixo a vários quilômetros de nós. Virou-se para mim e perguntou: “Que insetos são esses?” A princípio, não entendi; depois percebi que na floresta o alcance da visão é tão limitado que não há muita necessidade de fazer um desconto automático para a distância quando se avalia o tamanho. (...) Quando expliquei a Kenze que os insetos eram búfalos, ele soltou uma gargalhada e me disse para deixar de lorota. (...) Conforme nos aproximamos, os “insetos” devem ter parecido cada vez maiores. Kenge não desgrudou o rosto da janela, que por nada neste mundo ele quis abrir. Nunca pode descobrir o que ele estava imaginando – se pensava que os insetos estavam se transformando em búfalos ou se eram búfalos em miniatura que estavam crescendo velozmente enquanto nos aproximávamos. Seu único comentário foi que aqueles não eram búfalos reais e que ele não sairia do carro enquanto não deixássemos o parque."



Trecho do livro "Olhos da Mente" (2010) de Oliver Sacks

Animação insana do insano (só pode ser) Cyriak

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Telegrama


Sentido, Memória e Lacuna



a)
“(...)Supunha-se que os dados sensoriais que recebemos dos olhos, ouvidos, nariz, dedos e assim por diante, continham toda a informação de que precisamos para a percepção, e que ela funcionava mais ou menos como um rádio. É difícil imaginar que um concerto da Orquestra Sinfônica de Boston possa estar contido numa onda de rádio. Mas está. E podemos achar que o mesmo ocorre com os sinais que recebemos do mundo exterior – que, se pudéssemos conectar os nervos de uma pessoa a um monitor, poderíamos ver o que ela está experimentando, como se fosse um programa de televisão.

À medida que os cientistas se dedicaram a analisar os sinais nervosos, no entanto, descobriram que eles eram radicalmente empobrecidos. Imagine que vemos uma árvore numa clareira. Baseando-se apenas nas transmissões, ao longo do nervo ótico, da luz que entra por nossos olhos, jamais seríamos capazes de reconstruir a tridimensionalidade da imagem, a distância que nos separa da árvore ou os detalhes de sua casca – atributos que percebemos instantanemente. (...) Somos capazes de dizer se uma coisa é líquida ou sólida, pesada ou leve, se está viva ou morta. Mas a informação com a qual operamos é pobre – uma transmissão distorcida e bidimensional à qual faltam partes inteiras. É a mente que preenche as lacunas e responde pela maior parte da imagem. Isto pode ser percebido em muitos estudos de anatomia cerebral. Se as sensações visuais fossem primariamente recebidas e não construídas pelo cérebro, era de esperar que a maioria das fibras que chegam ao córtex visual primário viesse da retina. Cientistas descobriram, porém, que este é o caso de 20% delas; 80% descem de regiões do cérebro que comandam funções como a memória. Richard Gregory, um eminente neuropsicólogo britânico, calcula que a percepção visual seja composta de 90% memória e menos de 10% de sinal dos nervos sensitórios.(...)”

(Trechos do artigo “A Coceira”, do cirurgião norte-americano Atul Gawande publicado na Piauí 42, de março de 2010)

b)
(O capítulo 15 "Aqui-agora: a música e a amnésia" do livro Alucinações Musicais, de Oliver Sacks trata de um amnésico inglês chamado Clive Wearing: possui uma memória de apenas alguns segundos; e, apesar disso, teve as capacidades musicais preservadas. Segue um trecho:)

"Embora não seja possível a uma pessoa ter conhecimento direto de sua própria amnésia, pode haver modos de inferí-la: pela expressão dos outros quando já repetiu algo meia dúzia de vezes, quando ela olha para a xícara de café e a descobre vazia, quando olha para o diário e vê anotações na própria letra. Como não dispõem de memória, como lhes falta o conhecimento direto da experiência, os amnésicos têm de fazer hipóteses e inferências, e geralmente, eles as fazem plausíveis. Inferem que estiveram fazendo alguma coisa, estiveram em algum lugar, embora não saibam o que e onde. Clive, porém, em vez de fazer suposições plausíveis, sempre chegava à conclusão que acabava de ser "despertado", de que estivera "morto". Isso me parecia um reflexo da obliteração quase instantânea de sua percepção - o próprio pensamento era quase impossível naquela minúscula janela de tempo."



(fotografia de Christer Strömholm: Paris 1955)