A história do carcereiro de Lao Tsé
Lao Tsé, um dia, cansou-se dos homens por estes não o
escutarem, e decidiu deixar a China para trás – como se a China pudesse ser
deixada para trás. O guarda da fronteira, ao ver o velho mestre abandonar o
Império do Meio, a China, impediu-o. Levou-o para sua casa.
-Mulher – disse ele para a esposa -, sirva-lhe um chá.
Depois, o prendeu em um quarto que antes fora de seu filho.
Quando lhe levou o chá, hesitou. Será que Lao Tsé bebia chá?
Diziam que se alimentava de orvalho.
-Mestre, tenho dúvidas quanto ao que vai comer e beber. Que
tal se me dissesse? Pode ser chá?
-Chá está bem – disse o velho de um modo oriental.
-Já sabe, lamento sublinhar, que só sairá daqui quando
escrever todos os seus ensinamentos. Não vai deixar a China completamente
despovoada. Olhe para mim como uma grande muralha que impedirá sua sabedoria de
escapar. Trouxe papel. Que grande invenção esta!... Uma pena, tinta e ordem
para começar a escrever.
O velho pegou a grande invenção, a pena, a tinta e pousou-se
ao lado do corpo. Estava sentado no chão, observando a parede de bambu e terra.
-Não sei por onde começar.
-Não sabe por onde começar? Quer que eu lhe faça um desenho?
Mestre, deixe de brincadeira. Pegue sua sabedoria toda e escreva-a aí, com
todos os caracteres que é composta.
-Não sei por onde começar – insistia o velho.
Chang coçou a cabeça:
-Por que é que não começa, por exemplo, dizendo o que é o
Tao o Caminho?
-Como se eu soubesse.
-Isso é isso mesmo. O mestre começa por dizer que o Tao que
pode ser dito não é o verdadeiro Tao. Que tal? Parece-lhe bom? O Tao que pode
ser pronunciado não é o verdadeiro Tao. Vá, escreva isso.
O mestre, com dificuldade, escreveu o que o guarda da
fronteira lhe dissera. Durante meses, escreveu o que o guarda lhe ditava. No
fim desse tempo, perguntou:
-Já posso ir embora, venerável Chuang?
-Chang.
-Ou isso. Nunca fui bom em decorar nomes chineses.
-Pode ser embora. Deixou este belo livro para trás, toda a
sua sabedoria está aqui. Já não precisamos do senhor.
Lao Tsé saiu daquela
casa pensando: “O mundo não precisa de lao tsés. Precisa, isso sim, de lao tsés
calados”. E nunca mais voltou à China.
O escritor português Afonso Cruz em “Os Livros que devoraram meu pai’ (Leya). Foto Wolfgang Weinhardt
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