segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Telegrama






“Você publicou seu primeiro livro em 1974. Lá se vão mais de 35 anos de poesia. Poesia não dá retorno financeiro algum. Muitas vezes, nem sequer prestígio, nada. Então, que tipo de energia faz com que uma pessoa se dedique a poesia durante tanto tempo?

É uma energia essencial, difícil de descrever. Na verdade, é a única realidade que conheço. Outro dia a minha mulher ficou indignada porque eu disse a ela que entre as cinco pessoas mais importantes da minha vida uma delas é Shakespeare. Ela ficou indignada. Não compreendia. Ele é fundamental pra minha vida, me sustentou emocionalmente em vários momentos, me fez revelações extraordinárias. Esse elenco de vozes com as quais a gente caminha, e a nossa própria voz que vai sendo construída numa relação crítica , ou no endosso ou na demolição desses gurus que nos antecedem, isso é a única coisa fundamental.




(Final da entrevista que o poeta Geraldo Carneiro deu a Ademir Assunção, na revista Coyote nº22. Abaixo um poema dele:)









bazar de espantos

eu não tenho palavras, exceto duas
ou três que me acompanham desde sempre
desde que me desentendo por gente,
nas priscas eras em que era eu mesmo.
agora sou uma espécie de arremedo,
despido das minhas divinaturas.
já não me atrevo ao ego sum qui sum.
guardo no entanto em meu bazar de espantos
a palavra esplendor, a palavra fúria,
às vezes até me arrisco à palavra amor,
mesmo sabendo por trás de suas plumas
a improvável semântica das brumas
o rastro irremediável de outro verso
ou quem sabe a sintaxe do universo


(Geraldo Carneiro, 2006)




(Obra do artista Kumi Yamashita, via Le Zèbre Bleu)

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