quarta-feira, 27 de julho de 2011
Achados
a)Memórias
Deu na revista Piauí nº55: Longo trecho do livro de memórias de Persio Arida, um ex-revolucionário que virou banqueiro (odeio resumir assim as pessoas, mas é o sacrifício da comunicação...)
Muito bom. Descreve além do seu envolvimento (e posterior afastamento) com o movimento estudantil, o relacionamento com os pais, a prisão, a tortura. Um dos trechos que mais gostei foi o mesmo que Michel Laub destacou em seu blog, Sobre a Vergonha AQUI.
As questões sobre a tortura levaram a um artigo-réplica de um coronel reformado do Exército, um certo Ostra. Não sei onde o texto foi publicado, mas há uma postagem AQUI com o texto.
Arida respondeu a este artigo (grato Caio). Achei AQUI. De lá só extraio o finalzinho:
"
Estivemos em lados opostos, coronel. Eu deixei de ser comunista ou socialista há muito tempo.
Mas, se tivesse que escolher entre ser um jovem idealista, mas equivocado, ou o chefe da Operação Bandeirantes, eu preferiria ter sido quem fui, mesmo que tivesse que ser preso de novo. Eu não suportaria a vergonha de ter comandado uma casa de torturas.
"
b)Revolução
Para contrapor a visão madura e ponderada do longo texto de Persio Arida leia a entrevista cheia de tesão e vigor com alguém menos velho: Julian Assange na Trip, AQUI.
c)Panopticum
Trecho da coluna Antivírus, de André Caramuru Aubert, na Revista Trip nº199. Para ler tudo clique AQUI.
"O filósofo francês Michel Foucault morreu em 1984, quando a microinformática ainda era incipiente, não se falava em internet e os telefones celulares estavam no jardim da infância. Portanto, quando publicou seus textos sobre os mecanismos do poder (e do controle) e de como Estados e empresas modernos os aplicaram, o mundo ainda não apresentara, para ele, as maravilhas da tecnologia digital. É curioso imaginar como ele teria reagido diante das novidades, e o que teria dito aos que continuam a acreditar nas tecnologias digitais como ferramentas “libertadoras”.
O universo de interesses de Foucault era amplo: passava por prisões, medicina, escolas, governo, sexualidade, urbanismo, arquitetura, entre outros. Mas, no fim das contas, tudo girava em torno da questão do Poder, ou do seu irmão gêmeo, o Controle. E “controlar” pressupõe “olhar”. É por isso que Foucault “gostava” tanto do pan-óptico, o projeto de presídio criado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham em 1791, que trocava as escuras masmorras medievais, ocultas nos subsolos dos castelos, por uma estrutura circular, onde os presos podiam ser facilmente vistos o tempo todo, a partir do centro, sem nunca saber quando estavam sendo observados. Sobre sua criação, Bentham disse que era “um novo modo de obter o poder da mente sobre a mente, de uma forma jamais vista antes”. Ele não estava exagerando. O pan-óptico acabou influenciando projetos tão distintos quanto fábricas, quartéis e traçados urbanos. Em todos esses casos, a ideia era controlar, com eficiência, determinado espaço.
E hoje, quando o espaço se dissolveu em algo obscuro que chamamos de ciberespaço, será que o projeto de Bentham envelheceu? Como ficamos, nesses tempos em que se pode estar em todos os lugares sem sair do lugar? Em que olhar e ser olhado se transformaram em obsessão? Quando o Poder tem à sua disposição, mais do que nunca, ferramentas supereficientes para seguir, olhar e controlar? E não me refiro a um controle do tipo óbvio, como o das ditaduras mumificadas que estão desabando, uma a uma, nos países árabes. Nos nossos tempos de “Sorria, você está sendo filmado” (e ouvido, e rastreado), o pan-óptico está mais vivo do que nunca. Mais do que na forma, no conceito, exatamente da maneira como Foucault o interpretou. Pois o que Bentham se propunha a fazer, no fim das contas, ao trocar o chicote pelo olhar, era tornar o controle mais sutil e eficaz."
Para o Panóptico, clique AQUI ou AQUI. Existe também um álbum de histórias em quadrinhos do suíco Thomas Ott chamado Panopticum. Encontrei duas histórias de Ott compiladas em vídeo. Segue abaixo.
Thomas Ott : G.O.D. & Goodbye por My-Name-is-Bruce
Marcadores:
achado,
história,
informação,
julian assange,
panopticum,
persio arida,
quadrinhos,
revistas,
tempos modernos,
thomas ott
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Telegrama
A resolução tá horrível, mas ficou muito bom: edição de um fã para GO!, do Tones on tail (ou "toil", se preferir) + spanking.
Como observou um "comentarista": "Feito com amor, apesar do nome errado".
Marcadores:
amor,
go,
música,
telegramas,
tones on tail
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Achados
a)Farrazine 22
"Desta vez, entrevistamos o André Dahmer (na verdade, o mini-dahmer) e ainda conversamos com o Leo, autor de uma das bedês mais aclamadas na Europa (Aldébaran), e falamos sobre ditadura, quadrinhos, política e etc...
Conheça um pouquinho do Estúdio Vejo em Cores de Bianca e Adam num bate-papo bem pessoal e delicie-se com a HQ Furry dos nossos novos companheiros Guilherme de Sousa e Thaís Leal!
Temos ainda a volta de Nano Falcão com matérias bombásticas, a coluna do Filipêra (Nerds Somos Nozes), um conto com a personagem Garen de Rita Maria Félix da Silva, terceiro e quarto capítulos da HQ Cidade Nua de Snuckbinks e Rafael Camargo (Que ainda assina Aulas de Roteiro), música com Red Baron e Fernando Schittini e contos escritos pelo sempre sagaz Hiro.
E nossa amiga Paloma Diniz trouxe uma superentrevista com o desenhista David Lloyd, além de duas matérias sobre os quadrinhos nacionais!"
b)Cursos Oficina de Escrita Criativa
Informações e inscrições AQUI
Professores: Alessandra Porro, Carlos Rennó, Hélio de Almeida, Julia Alquéres, Luiz Antonio de Assis Brasil, Nanete Neves, Neide Duarte, Pedro Carvalhaes Cherto, Renato Modesto, Rodrigo Lacerda, etc
c)Cursos Prática de Criação Literária
Informações e inscrições AQUI
Professores: Andrea del Fuego, Claudia Vasconcellos, Marcelo Maluf, Nelson de Oliveira, Marne Lucio Guedes, Edson Cruz, Marcelino Freire, Luís Eduardo Marra, etc
d)Cursos de Segundo Semestre na Quanta Academia de Artes (Via Universo HQ)
Informações e inscrições AQUI
"Arte-final para HQs de Super-Heróis, por José Wilson Magalhães; Desenvolvimento de Projetos Autorais: Histórias Longas, com Rafael Coutinho; Ilustração Infantil Editorial, por Al Stefano; e Roteiro para Quadrinhos, com André Diniz."
(Imagem Fonte Felidae/Villaintine)
Marcadores:
achado,
cursos,
drogas,
Farrazine,
literatura,
quadrinhos
Telegrama
a)
Três (possíveis) motivos para a internet mudar a literatura
Por Michel Laub
(Escrito a partir de conversas com Emilio Fraia)
"Leitura – É quase consenso que muito mais gente lê hoje que há dez ou quinze anos, e que na maioria dos casos são leituras dispersas, superficiais. Ficou mais difícil enfrentar um romance extenso, e praticamente impossível fazê-lo com exclusividade, ao longo de meses, com as pausas, voltas e reflexões que uma experiência do gênero exige, ou costumava exigir. Essa dispersão progressiva sempre existiu, mas em geral se dava com a idade: o grosso das leituras descompromissadas, e portanto realmente formativas, acontecia da adolescência/início da vida adulta até a fase em que tudo fica mais difícil por causa de trabalho, família, outros interesses. Tenho dúvidas se o período de concentração inicial ainda existe, ao menos para o número relevante de leitores que forma a base do chamado sistema literário. O mais provável é que não: o pensamento e gosto estético do futuro serão ditados por gente que já começou a vida intelectual imerso na fragmentação e na interatividade típicas da cultura digital. Mudando a forma como se lê, muda a forma como se escreve: não só porque o escritor é antes de tudo um leitor – dos outros e de si mesmo –, mas porque é a tal base que determina as convenções literárias de uma época – que às vezes se adaptam aos autores, é verdade, mas na maioria das vezes fazem com que os autores se adaptem a elas.
Escrita – Apesar do discurso comum entre escritores que se criaram na internet – o de que ela seria apenas meio, instrumento –, não dá para desprezar o impacto que uma década de emails, posts sem mediação de editores e conversas on line teve sobre o texto em geral. Achar que essa linguagem do dia-a-dia não terá influência na maneira como produzimos ficção é o mesmo que desprezar a influência da fala nas mudanças da norma culta. Uma possibilidade: que tenhamos menos paciência com a prosa de feição “literária” – num ritmo mais lento, usando verbos no mais que perfeito e coisas assim – do que com a tentativa de reprodução do discurso oral – mais rápido, menos preocupado com o polimento das frases, mais aberto a imperfeições de sintaxe. Ou o contrário: que a escrita “obsoleta” soe mais original, justamente porque diversa dos timbres, tons e inflexões ouvidos a toda hora e em todo lugar.
Intimidade – Conceito que não mudou com o surgimento de blogs e redes sociais, mas teve seu eixo deslocado: há quinze anos, soariam ridículas práticas comuns hoje, como a do artista alardear uma crítica favorável a uma obra sua, ou a de se ter longas conversas privadas em público, ou a de se compartilhar opiniões sobre qualquer assunto. Nos acostumamos com esse tipo de exposição – a ideia de que, para existir, tudo deve ser mostrado e comentado –, e talvez nem mais a consideremos falta de decoro, mas a linha entre o que é íntimo e não é segue existindo. É o que está do outro lado dela que buscamos quando escrevemos ou lemos um autor – quem ele é de fato, como pensa para além das regras do seu tempo e das próprias travas morais, mesmo que isso apareça em histórias descoladas de sua biografia. A impressão é que um nível de revelações mais raso, antes aceitável por funcionar como entrada no universo desconhecido desse autor – entidade então misteriosa e hoje acessível por um simples email ou consulta ao Google ou Facebook –, tornou-se insuficiente para que um texto atinja a densidade que diferencia a literatura do mero relato. Pode-se argumentar que sempre foi assim, mas há uma mudança de grau aí: no que se diz e na forma como isso é dito será preciso ainda mais esforço para construir algo além do testemunho ou experiência pessoal, uma exigência que torna ainda mais duro – e mais compensador quando o resultado é positivo – o caminho para se transmitir a quem lê a verdade de quem escreve."
b)
O que é um livro?
por Deb Olin Unferth.
"
O livro está de saída, me dizem. A era do livro acabou, o grande dragão está se dirigindo ao horizonte, para fora de vista, morrendo. Estou tentando entender o que isso quer dizer. A palavra “livro” é uma abstração quando usada assim e pode significar todo tipo de coisas:
• O objeto, o livro ele mesmo, o dispositivo físico encadernado.
• O texto do livro, o que está entre as capas — o romance, a biografia, o grupo de poemas.
• A habilidade de escrever livros: se há menos livros, o conjunto de habilidades (parte técnica, parte arte intuitiva) requeridas para escrevê-los vai atrofiar.
• O ímpeto, o impulso autoral para articular e moldar narrativas, para puxar aquilo que está dentro da mente e botar em palavras, contar algumas mentiras a respeito, organizá-lo meticulosamente e entregá-lo a estranhos. (E tememos também perder um impulso mais geral — a necessidade de criar impressões narrativas de nós mesmos? A necessidade de criar algo que perdure, de tomar parte numa tradição?)
• O desejo coletivo pelo livro: o público e o buraco que o livro preenche no peito, seja o que for que impulsiona o leitor, uma silenciosa busca passiva de algum tipo, por sentido ou conexão, o desejo de estar ausente ou “perdido”, ou, alternativamente, um desejo de estar presente, conectado, “engajado”.
• A comunidade dos livros: os clubes de leitura, os programas de escrita criativa a AWP (Associação de Escritores e Escrita Criativa).
Quais desses estão desaparecendo com “o fim do livro”? Quais seria pior perder?
Quanto ao próprio objeto, parece de fato haver o perigo de que o livro encadernado siga o caminho de outros objetos civis datados e diminuídos: a caixa de fósforos, rolos de cabelo, filmes no drive-in — coisas que ainda existem, mas rarefeitas. Provavelmente haverá menos livros na casa das pessoas, menos em mochilas e pastas, menos livrarias.
E, sim, isso é triste, porque gostamos de livrarias e mochilas cheias de livros (até o filme no drive-in ainda mantém um lugar em nossos corações), mas você não pode se apegar a alguma coisa por puro sentimentalismo — ou pode, mas não vai funcionar. Além disso, um monte de gente nunca sequer teve livros nas suas pastas. Então no fim das contas não acho que isso vá importar muito.
E talvez o que está dentro do livro, o texto, esteja um tanto em perigo também. O formato original pensado para um romance ou um punhado de poemas foi o livro, e se o formato definha, a forma vai definhar — ou se transformar para adequar-se a seu novo meio. O e-book: seja como for que o terremoto literário afinal se acomode, se o e-book sobreviver a escrita para esses aparelhos vai assumir uma forma distinta. Além do e-book provavelmente se tornar uma espécie de dispositivo conectado à internet, em 3-D, com hologramas, raspe-e-cheire, o cérebro lê uma tela diferente do modo como lê uma página impressa, então a escrita vai se readaptar para ajustar-se à leitura em tela.
Como escritora de ficção, posso imaginar que elementos estruturais, como o ritmo, e elementos micro-estruturais, como o tamanho das frases, vão mudar, por exemplo. Então a capacidade de escrever livros poderiam também estar em perigo. A habilidade específica para escrever romances ou compor poemas poderia regredir ou mudar muito. Mas não vai desparecer completamente. Algumas pessoas ainda vão escrever livros não importa o que aconteça, porque é difícil (ao menos para mim), e seres humanos têm uma tendência a fazer coisas difíceis, ainda que sem sentido ou recompensas.
Quanto ao impulso autoral e o desejo coletivo pelo livro — o quanto tantos de nós desejamos tão intensamente dizer o que é ser nós mesmos, e como parecemos fascinados por descobrir o que nossos companheiros pensam da existência — esses não estão indo a lugar nenhum. Seja o que for que o livro faz pela Humanidade, da forma misteriosa como o faz, ainda será feito. Algumas pessoas ainda serão impelidas a representar a experiência e a buscar criativamente sentido narrativo, e outras pessoas vão preferir dedicar-se a consertar aviões ou o que seja, sem ajuda da distração existencial da arte.
E o mundo do livro? E quanto a isso? Todos editores e agentes e divulgadores e resenhistas? O que acontecerá com esse povo merecedor de emprego? Ah, essa espécie é resistente. Vão encontrar outros lugares para fazer o que fazem, apenas de maneira um pouco diferente. Eu não me preocuparia com eles.
E o ensino de escrita criativa? Qual é o sentido disso tudo? Todas essas pós-graduações em criação artística? Não, não, isso ainda é uma boa ideia. Afinal, as universidades estão cheias de cursos que já não dizem respeito a nada. Isso é triste? É uma droga, essa perda do livro-objeto, esse destronamento do ofício? Bem, para mim é uma droga, é claro. Passei muito tempo aprendendo esse ofício específico, em detrimento de todos outros Se você for lamentar o declínio do livro, lamente por pessoas como eu (e você: se você está lendo isso, provavelmente é uma dessas pessoas também). Lamente pela geração anterior à minha, e talvez por alguns dos nossos estudantes que foram bobos o bastante para acreditar quando dissemos que isso era algo de importante, nada a ver com estudar arte bizantina ou literatura francesa. Lamente por aqueles envolvidos na transição, as várias gerações que se prolongam, e por aqueles de nós que, como jovens crédulos, apostaram todas suas fichas no livro e então se tornaram tão especializados que logo qualquer outra vida estava fora do nosso alcance. Essa parte é uma droga.
Mas na maior parte não é uma droga. Outras coisas são uma droga. Pense nos bilhões de animais terrestres nascidos para serem torturados e assassinados para nosso divertimento culinário a cada ano. Redes de pesca industrial arrastam cinquenta toneladas de animais marítimos a cada puxão. Pense no desmatamento. Estamos esmagando tudo que pudermos. O livro agonizante parece algo suave em comparação, insignificante e natural e nada de inédito. Estou me tornando antiquada, e daí. Meus amigos também, e daí. Formas de arte evoluem, e suas mídias se transformam ou são substituídas. Para mim esse planeta parece um holocausto: os corpos se empilhando, a terra se enchendo de plástico e sangue, enquanto a única vida restante (nós) se arrasta pelo grande cemitério, pulsando e destruindo. Se eu for prever o futuro da narrativa (Para quê? Para que possamos olhar para nós mesmos e rir?) meu palpite é que as próximas grandes obras — seja como forem transmitidas — serão um enorme jorro de desespero e arrependimento pelo que fizemos, por nossa estupidez e egoísmo. Estaremos sentados em nosso tanque esterilizado, esfregando as janelas na esperança de ver a terra de sonho que destruímos. Estaremos escrevendo com nossas barras em nossas telas-espaciais sobre a punição que merecemos, a punição que não virá.
"
Via AQUI e ALI, no Prosa Online do Globo.
Três (possíveis) motivos para a internet mudar a literatura
Por Michel Laub
(Escrito a partir de conversas com Emilio Fraia)
"Leitura – É quase consenso que muito mais gente lê hoje que há dez ou quinze anos, e que na maioria dos casos são leituras dispersas, superficiais. Ficou mais difícil enfrentar um romance extenso, e praticamente impossível fazê-lo com exclusividade, ao longo de meses, com as pausas, voltas e reflexões que uma experiência do gênero exige, ou costumava exigir. Essa dispersão progressiva sempre existiu, mas em geral se dava com a idade: o grosso das leituras descompromissadas, e portanto realmente formativas, acontecia da adolescência/início da vida adulta até a fase em que tudo fica mais difícil por causa de trabalho, família, outros interesses. Tenho dúvidas se o período de concentração inicial ainda existe, ao menos para o número relevante de leitores que forma a base do chamado sistema literário. O mais provável é que não: o pensamento e gosto estético do futuro serão ditados por gente que já começou a vida intelectual imerso na fragmentação e na interatividade típicas da cultura digital. Mudando a forma como se lê, muda a forma como se escreve: não só porque o escritor é antes de tudo um leitor – dos outros e de si mesmo –, mas porque é a tal base que determina as convenções literárias de uma época – que às vezes se adaptam aos autores, é verdade, mas na maioria das vezes fazem com que os autores se adaptem a elas.
Escrita – Apesar do discurso comum entre escritores que se criaram na internet – o de que ela seria apenas meio, instrumento –, não dá para desprezar o impacto que uma década de emails, posts sem mediação de editores e conversas on line teve sobre o texto em geral. Achar que essa linguagem do dia-a-dia não terá influência na maneira como produzimos ficção é o mesmo que desprezar a influência da fala nas mudanças da norma culta. Uma possibilidade: que tenhamos menos paciência com a prosa de feição “literária” – num ritmo mais lento, usando verbos no mais que perfeito e coisas assim – do que com a tentativa de reprodução do discurso oral – mais rápido, menos preocupado com o polimento das frases, mais aberto a imperfeições de sintaxe. Ou o contrário: que a escrita “obsoleta” soe mais original, justamente porque diversa dos timbres, tons e inflexões ouvidos a toda hora e em todo lugar.
Intimidade – Conceito que não mudou com o surgimento de blogs e redes sociais, mas teve seu eixo deslocado: há quinze anos, soariam ridículas práticas comuns hoje, como a do artista alardear uma crítica favorável a uma obra sua, ou a de se ter longas conversas privadas em público, ou a de se compartilhar opiniões sobre qualquer assunto. Nos acostumamos com esse tipo de exposição – a ideia de que, para existir, tudo deve ser mostrado e comentado –, e talvez nem mais a consideremos falta de decoro, mas a linha entre o que é íntimo e não é segue existindo. É o que está do outro lado dela que buscamos quando escrevemos ou lemos um autor – quem ele é de fato, como pensa para além das regras do seu tempo e das próprias travas morais, mesmo que isso apareça em histórias descoladas de sua biografia. A impressão é que um nível de revelações mais raso, antes aceitável por funcionar como entrada no universo desconhecido desse autor – entidade então misteriosa e hoje acessível por um simples email ou consulta ao Google ou Facebook –, tornou-se insuficiente para que um texto atinja a densidade que diferencia a literatura do mero relato. Pode-se argumentar que sempre foi assim, mas há uma mudança de grau aí: no que se diz e na forma como isso é dito será preciso ainda mais esforço para construir algo além do testemunho ou experiência pessoal, uma exigência que torna ainda mais duro – e mais compensador quando o resultado é positivo – o caminho para se transmitir a quem lê a verdade de quem escreve."
b)
O que é um livro?
por Deb Olin Unferth.
"
O livro está de saída, me dizem. A era do livro acabou, o grande dragão está se dirigindo ao horizonte, para fora de vista, morrendo. Estou tentando entender o que isso quer dizer. A palavra “livro” é uma abstração quando usada assim e pode significar todo tipo de coisas:
• O objeto, o livro ele mesmo, o dispositivo físico encadernado.
• O texto do livro, o que está entre as capas — o romance, a biografia, o grupo de poemas.
• A habilidade de escrever livros: se há menos livros, o conjunto de habilidades (parte técnica, parte arte intuitiva) requeridas para escrevê-los vai atrofiar.
• O ímpeto, o impulso autoral para articular e moldar narrativas, para puxar aquilo que está dentro da mente e botar em palavras, contar algumas mentiras a respeito, organizá-lo meticulosamente e entregá-lo a estranhos. (E tememos também perder um impulso mais geral — a necessidade de criar impressões narrativas de nós mesmos? A necessidade de criar algo que perdure, de tomar parte numa tradição?)
• O desejo coletivo pelo livro: o público e o buraco que o livro preenche no peito, seja o que for que impulsiona o leitor, uma silenciosa busca passiva de algum tipo, por sentido ou conexão, o desejo de estar ausente ou “perdido”, ou, alternativamente, um desejo de estar presente, conectado, “engajado”.
• A comunidade dos livros: os clubes de leitura, os programas de escrita criativa a AWP (Associação de Escritores e Escrita Criativa).
Quais desses estão desaparecendo com “o fim do livro”? Quais seria pior perder?
Quanto ao próprio objeto, parece de fato haver o perigo de que o livro encadernado siga o caminho de outros objetos civis datados e diminuídos: a caixa de fósforos, rolos de cabelo, filmes no drive-in — coisas que ainda existem, mas rarefeitas. Provavelmente haverá menos livros na casa das pessoas, menos em mochilas e pastas, menos livrarias.
E, sim, isso é triste, porque gostamos de livrarias e mochilas cheias de livros (até o filme no drive-in ainda mantém um lugar em nossos corações), mas você não pode se apegar a alguma coisa por puro sentimentalismo — ou pode, mas não vai funcionar. Além disso, um monte de gente nunca sequer teve livros nas suas pastas. Então no fim das contas não acho que isso vá importar muito.
E talvez o que está dentro do livro, o texto, esteja um tanto em perigo também. O formato original pensado para um romance ou um punhado de poemas foi o livro, e se o formato definha, a forma vai definhar — ou se transformar para adequar-se a seu novo meio. O e-book: seja como for que o terremoto literário afinal se acomode, se o e-book sobreviver a escrita para esses aparelhos vai assumir uma forma distinta. Além do e-book provavelmente se tornar uma espécie de dispositivo conectado à internet, em 3-D, com hologramas, raspe-e-cheire, o cérebro lê uma tela diferente do modo como lê uma página impressa, então a escrita vai se readaptar para ajustar-se à leitura em tela.
Como escritora de ficção, posso imaginar que elementos estruturais, como o ritmo, e elementos micro-estruturais, como o tamanho das frases, vão mudar, por exemplo. Então a capacidade de escrever livros poderiam também estar em perigo. A habilidade específica para escrever romances ou compor poemas poderia regredir ou mudar muito. Mas não vai desparecer completamente. Algumas pessoas ainda vão escrever livros não importa o que aconteça, porque é difícil (ao menos para mim), e seres humanos têm uma tendência a fazer coisas difíceis, ainda que sem sentido ou recompensas.
Quanto ao impulso autoral e o desejo coletivo pelo livro — o quanto tantos de nós desejamos tão intensamente dizer o que é ser nós mesmos, e como parecemos fascinados por descobrir o que nossos companheiros pensam da existência — esses não estão indo a lugar nenhum. Seja o que for que o livro faz pela Humanidade, da forma misteriosa como o faz, ainda será feito. Algumas pessoas ainda serão impelidas a representar a experiência e a buscar criativamente sentido narrativo, e outras pessoas vão preferir dedicar-se a consertar aviões ou o que seja, sem ajuda da distração existencial da arte.
E o mundo do livro? E quanto a isso? Todos editores e agentes e divulgadores e resenhistas? O que acontecerá com esse povo merecedor de emprego? Ah, essa espécie é resistente. Vão encontrar outros lugares para fazer o que fazem, apenas de maneira um pouco diferente. Eu não me preocuparia com eles.
E o ensino de escrita criativa? Qual é o sentido disso tudo? Todas essas pós-graduações em criação artística? Não, não, isso ainda é uma boa ideia. Afinal, as universidades estão cheias de cursos que já não dizem respeito a nada. Isso é triste? É uma droga, essa perda do livro-objeto, esse destronamento do ofício? Bem, para mim é uma droga, é claro. Passei muito tempo aprendendo esse ofício específico, em detrimento de todos outros Se você for lamentar o declínio do livro, lamente por pessoas como eu (e você: se você está lendo isso, provavelmente é uma dessas pessoas também). Lamente pela geração anterior à minha, e talvez por alguns dos nossos estudantes que foram bobos o bastante para acreditar quando dissemos que isso era algo de importante, nada a ver com estudar arte bizantina ou literatura francesa. Lamente por aqueles envolvidos na transição, as várias gerações que se prolongam, e por aqueles de nós que, como jovens crédulos, apostaram todas suas fichas no livro e então se tornaram tão especializados que logo qualquer outra vida estava fora do nosso alcance. Essa parte é uma droga.
Mas na maior parte não é uma droga. Outras coisas são uma droga. Pense nos bilhões de animais terrestres nascidos para serem torturados e assassinados para nosso divertimento culinário a cada ano. Redes de pesca industrial arrastam cinquenta toneladas de animais marítimos a cada puxão. Pense no desmatamento. Estamos esmagando tudo que pudermos. O livro agonizante parece algo suave em comparação, insignificante e natural e nada de inédito. Estou me tornando antiquada, e daí. Meus amigos também, e daí. Formas de arte evoluem, e suas mídias se transformam ou são substituídas. Para mim esse planeta parece um holocausto: os corpos se empilhando, a terra se enchendo de plástico e sangue, enquanto a única vida restante (nós) se arrasta pelo grande cemitério, pulsando e destruindo. Se eu for prever o futuro da narrativa (Para quê? Para que possamos olhar para nós mesmos e rir?) meu palpite é que as próximas grandes obras — seja como forem transmitidas — serão um enorme jorro de desespero e arrependimento pelo que fizemos, por nossa estupidez e egoísmo. Estaremos sentados em nosso tanque esterilizado, esfregando as janelas na esperança de ver a terra de sonho que destruímos. Estaremos escrevendo com nossas barras em nossas telas-espaciais sobre a punição que merecemos, a punição que não virá.
"
Via AQUI e ALI, no Prosa Online do Globo.
Marcadores:
ciberia,
Deb Olin Unferth,
emilio fraia,
literatura,
michel laub,
telegramas
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Onirogrito
Ritual de lo habitual
( Não sou artista. Odeio quem se diz artista. Ou melhor, odeio quem se diz Artista. Eu não tenho, não desenvolvi, não sei se vou ter um ritual para escrever. Trabalho, tenho filhos, etc. Escrever não é meu "viver". Escrever não é viver. Assim, procuro me adaptar às circunstâncias.
Escrever no metrô funciona, desde que haja lugar para sentar (e não há mais). Computador, às vezes funciona, desde que a ideia me absorva, desde que esteja calmo. Caderno e esferográfica funcionam muito bem, quando precisa ser "jorrado". O papel propõe um ritmo.
Quando a coisa complica nos becos sem saída ou na falta de inspiração, posso ficar meses, (anos?), com a ideia na cabeça, esperando algo que a faça funcionar ou lendo coisas para alimentar, sustentar aquilo que julgo fraco.
Poesia areja, ajudou a me tirar de atoleiros. Assuntos completamente diferentes também já me ajudaram. Desenhar também funciona. Andar. Tomar banho. Dormir. Assistir TV.
Mas meu maior problema - atualmente - é ser interrompido. Se não conseguir ir até o ponto que preciso, depois é muito difícil retomar. Isto me faz escolher alguns horários complicados para escrever (o que nem sempre funciona).
Recentemente li sobre a técnica do Antonio Lobo Antunes, de deixar uma "frase em suspenso" pra continuar depois. Me pareceu uma boa. Dia destes, se der tempo, se eu puder, se eu houver algo relevante pra dizer, vou tentar.
Apaixonar-se costuma atrapalhar. Então evito.)
(Escrevi inicialmente aqui, no fórum Meia Palavra. Depois, mudei de ideia e trouxe pra cá. No blog de Michel Laub, pode-se encontrar uma compilação com as manias - ou a falta de manias - de 100 escritores brasileiros. Imagem ??? - via Popholic)
( Não sou artista. Odeio quem se diz artista. Ou melhor, odeio quem se diz Artista. Eu não tenho, não desenvolvi, não sei se vou ter um ritual para escrever. Trabalho, tenho filhos, etc. Escrever não é meu "viver". Escrever não é viver. Assim, procuro me adaptar às circunstâncias.
Escrever no metrô funciona, desde que haja lugar para sentar (e não há mais). Computador, às vezes funciona, desde que a ideia me absorva, desde que esteja calmo. Caderno e esferográfica funcionam muito bem, quando precisa ser "jorrado". O papel propõe um ritmo.
Quando a coisa complica nos becos sem saída ou na falta de inspiração, posso ficar meses, (anos?), com a ideia na cabeça, esperando algo que a faça funcionar ou lendo coisas para alimentar, sustentar aquilo que julgo fraco.
Poesia areja, ajudou a me tirar de atoleiros. Assuntos completamente diferentes também já me ajudaram. Desenhar também funciona. Andar. Tomar banho. Dormir. Assistir TV.
Mas meu maior problema - atualmente - é ser interrompido. Se não conseguir ir até o ponto que preciso, depois é muito difícil retomar. Isto me faz escolher alguns horários complicados para escrever (o que nem sempre funciona).
Recentemente li sobre a técnica do Antonio Lobo Antunes, de deixar uma "frase em suspenso" pra continuar depois. Me pareceu uma boa. Dia destes, se der tempo, se eu puder, se eu houver algo relevante pra dizer, vou tentar.
Apaixonar-se costuma atrapalhar. Então evito.)
(Escrevi inicialmente aqui, no fórum Meia Palavra. Depois, mudei de ideia e trouxe pra cá. No blog de Michel Laub, pode-se encontrar uma compilação com as manias - ou a falta de manias - de 100 escritores brasileiros. Imagem ??? - via Popholic)
Marcadores:
escrever,
janes addiction,
música,
onirogrito,
ritual de lo habitual
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Achados
a)K.Beaton
Mordazes os quadrinhos desta moça. Muito bom. Abaixo, uma tradução descompromissada da história acima, "Mistery Solving Teens". Ela tem outras, talvez mais caprichadas e inteligentes, porém gostei desta.
DETETIVES ADOLESCENTES
Q1
Adulto: Rapazes, temos um mistério para vocês solucionarem.
Moleques: ok
Q2
Não seja mala véi, me deixa dá um pega.
Q3
Véi, você acha que dá para voltar?
Q4
hmm...Que horas são?... Ah fooooda-se, acho que já dá.
Q5
Adulto: O que vocês descobriram?
Moleques: hã... Foi o padeiro, um negócio assim.
Q6
O PADEIRO, EU SABIA!!!
Q7
SOU INOCENTE!!!!
-Pfff....
b)Livros infantis Poloneses
(Via Coisas do Arco da Velha)
c)Comic Book Cartography
Imagens de Mapas, Plantas e Diagramas em quadrinhos. Bem legal. Bastante completo e - felizmente - não se restringe ao universo "superheroístico". Sim, há plantas do satélite da Liga da Justiça, da Mansão dos Vingadores...
Este é o mapa do pântano de Pogofenokee, do clássico Pogo, de Walter Kelly.
Via The Ephemerist
Marcadores:
achado,
crianças,
design de livros,
ilustração,
literatura,
quadrinhos,
strange maps
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Telegrama
Venus in Furs
(Velvet Underground)
Shiny, shiny, shiny boots of leather
Whiplash girlchild in the dark
Comes in bells, your servant, don't forsake him
Strike, dear mistress, and cure his heart
Downy sins of streetlight fancies
Chase the costumes she shall wear
Ermine furs adorn the imperious
Severin, Severin awaits you there
I am tired, I am weary
I could sleep for a thousand years
A thousand dreams that would awake me
Different colors made of tears
Kiss the boot of shiny, shiny leather
Shiny leather in the dark
Tongue of thongs, the belt that does await you
Strike, dear mistress, and cure his heart
Severin, Severin, speak so slightly
Severin, down on your bended knee
Taste the whip, in love not given lightly
Taste the whip, now plead for me
I am tired, I am weary
I could sleep for a thousand years
A thousand dreams that would awake me
Different colors made of tears
Shiny, shiny, shiny boots of leather
Whiplash girlchild in the dark
Severin, your servant comes in bells, please don't forsake him
Strike, dear mistress, and cure his heart
(Muitas outras versões - Imagem ? - via tumbrl Kaliyuga Blues do Cabra Preta Daniel Pelizzari)
Marcadores:
música,
telegramas,
velvet underground,
venus in furs
Assinar:
Postagens (Atom)