segunda-feira, 14 de março de 2011

o monólogo






O estrado cedeu um CREC como um estalo de osso, mas era o homem em pé sobre o colchão, Cássia riu pelo inesperado da reação: Otelo um gigante, a mão quase no teto, a sombra enorme na parede, parecia estar em um palco.

-Não ouça o que as pessoas dizem, veja o que elas fazem. Minha mãe sempre falou que amava a gente, que a gente era a melhor coisa do mundo, que amor de filho e mãe ninguém separa, filhos são o nosso futuro. Mas quando teve a chance largou a gente com a vó e foi viver com o espanhol. Já contei esta história um milhão de vezes e você insiste, insiste, insiste. – Parou e mudou repentinamente de tom – Ah, eu vou tomar uma água.

Pulou para o chão, passou sobre as roupas espalhadas, desviou do ventilador no chão, passou nu pela penumbra da sala, varanda aberta, cortina inerte feito fio de prumo. Brisa nenhuma, ar abafado como deve ser hálito preso em boca fechada. Na cozinha, abriu sem cerimônia a geladeira. Deixou o copo na pia junto com o restante da louça suja. Quase sem querer, reparou no celular sobre a mesa. Cássia esqueceu ali quando atendeu a ligação da irmã, estava em Florianópolis com o marido; Pegaram maior chuva no feriado.

Da cozinha mesmo, Otelo perguntou se queria algo. Ela deitada, assistia à TV na claridade do abajur, pediu um copo d´água. Encheu o copo com água do filtro mesmo. Precisava da mão livre para abrir a mensagem. Nada diferente do que imaginava. Apagou o torpedo do outro, deixou o aparelho na mesma posição que o encontrou e levou o copo para Cássia.

No primeiro gole, reclamou em tom de brincadeira, que a água estava quente.

-Eu falei para você, preste atenção no que o cara faz, não no que ele fala; se eu não me preocupei em trazer água gelada é que eu não me preocupo com você, não me importo com você. Portanto, só dá pra concluir uma coisa: eu não amo você. Lamento. Agora me dá esta porra do controle, que eu quero ver o Jackie Chan.









(Imagem Infinite for a Moment... Via Felidae)

3 comentários:

  1. Quem não foi amado não sabe amar. Gostei do texto, mais ainda do nome do protagonista, abre mil frentes.

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    1. Achei essa frase com um sabor amargo..Tento saboreá-la, mas tem um travo amargo no fundo da alma. Quem é Laura Fuentes?

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  2. Também gostava de saber quem é Laura Fuentes. Estou de acordo com a primeira frase. Acho-a muito profunda. Gostava de saber mais. Obrigada.

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