segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Telegramas

Provérbios do Inferno





No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.

Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.

A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.

A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.

Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.

O verme partido perdoa ao arado.

Mergulha no rio quem gosta de água.

O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.

Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.

A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.

A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.

Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.

Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.

Um cadáver não vinga as injúrias.

O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.

Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando sábio.

A loucura é o manto da velhacaria.

O manto do orgulho é a vergonha.

Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da educação.

As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.

O orgulho do pavão é a glória de Deus.

A luxúria do bode é a bondade de Deus.

A fúria do leão é a sabedoria de Deus.

A nudez da mulher é a obra de Deus.

O rugir dos leões, o uivar dos lobos, o furor do mar tempestuoso e a espada destruidora são fragmentos de eternidade grandes demais para os olhos humanos.

A raposa condena a armadilha, não a si própria.

Os júbilos fecundam. As tristezas geram.

Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.

O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.

O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.

A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.

A cisterna contém; a fonte derrama.

Um só pensamento preenche a imensidão.

Dize sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.

Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade.

A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.

Da água estagnada espera veneno.

A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.



(As Mercenárias: um grupo paulista da década de 80, punk feito por garotas. Elas musicaram boa parte dos "Provérbios do Inferno", de William Blake, provavelmente em cima da tradução de Paulo Vizioli. Eu tinha uma gravação extraída do rádio em cassete. Ilustração de Jeremy Enecio.)

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