domingo, 8 de agosto de 2010

au revoir, mon amur





O micro já estava desligado e precisou conferir a hora no celular. Só então se deu conta que a bateria se esgotara. Apropriado até: a bateria de Marco também estava nas últimas. Precisava dormir. Espiou entre as persianas e leu a hora na torre do outro lado da Avenida. Mais de onze.

Jogou a caixa da pizza no lixo, os caroços de azeitona correram em seu interior. Apagou a luz, trancou a sala e depois a porta de vidro. Chamou o elevador, a chave do carro na mão. Demorava. Só falta esta merda estar quebrada. Sentiu então um cheiro estranho, antigo, remetia a terra e a zoológico. A campainha indicou qual das portas iriam abrir. Marco se posicionou diante e, ao abrir, espantou-se com o fato da cabine estar cheia num horário ingrato como aquele.


Eram três caçadores de faces asiáticas. Em dois deles, longos e finos bigodes desciam pelos cantos dos lábios dos lábios, evocando pequenos cabides pendurados nas narinas. O último era um adolescente de aspecto feroz. Vestiam peles escuras e grossas e traziam várias zibelinas mortas penduradas em varas. Marco disse boa noite e eles (menos o adolescente) devem ter respondido o mesmo em seu idioma, espremendo-se no fundo do elevador.

Marco deu as costas para os três, os números das planilhas ainda dançavam em sua cabeça, sentia que estava esquecendo de algo, mas que se dane, já era tarde demais. Se faltasse algo, amanhã ele veria. Tentou conter o odor de carniça beliscando sutilmente as narinas como se as coçasse ou estivesse resfriado. Depois do silêncio inicial, os dois mais velhos retomaram o diálogo anteriormente interrompido. Um fez um gesto a demonstrar como era pesada sua vara. O outro pesou com a mão algumas das zibelinas do primeiro e ponderou algo que fez ambos rirem. O adolescente calado não esboçou um esgar. Fungou profundamente, chamando catarro e cuspiu no mármore do elevador.

O andar dos três caçadores chegou antes: pediram passagem e Marco deu espaço para eles saírem, um de seus sapatos afundou e ele sentiu o suor nas meias se condensar rapidamente. Eles desceram numa paisagem nevada de árvores desfolhadas como foguetes abandonados em suas plataformas de lançamento. Estava dia.

Marco desceu no S3. Passou pela cadeira vazia do segurança. Desta vez não foi difícil encontrar o carro, era o último estacionado, junto a uma pilastra. Caminhava rapidamente, destravou o alarme a distância e o veículo buzinou e piscou em resposta. Todavia, Marco não o alcançou. Um leopardo-de-amur saltou sobre suas costas, o molho de chaves tilintou no chão, ele não chegou a entender o que estava acontecendo, sentiu apenas o peso do animal, as garras atravessando o paletó, a prensa das presas em seu pescoço. Mas chegou a escutar o sistema automático de seu carro travar novamente o alarme do carro.







(Minha pesquisa sobre Amur foi zero, portanto não levem a sério demais. O Leopardo de Amur é um dos animais mais ameaçados de extinção no planeta. A imagem é do Endangered Species Print Project. )

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