quarta-feira, 30 de junho de 2010

Telegrama

21 de outubro de 1935



Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)






(Álvaro de Campos)

* * * * * *

"As obras de arte dividem-se em duas categorias: as de que gosto e as de que não gosto. Não conheço outro critério"

Anton Tchekhov (Via BELOGUE)

sábado, 26 de junho de 2010

a praça








Na praça, sempre estão eles, os pregadores.


As aglomerações nem sempre permitem que se veja o orador. Aqueles no chão esforçam-se para acompanhar. As cabeças esticam-se, pendem à esquerda ou à direita, desviam-se daquelas outras nucas que estão na frente. Estas nucas, por sua vez, movem-se para escapar daqueles que atrapalham o acompanhamento dos pregadores. E assim, por diante, em círculos cada vez mais apertados ao redor daquele que fala. Como um redemoinho de cabeças que termina ao redor de uma, que declama. Uns são tímidos. Desaparecem em meio aos outros, submetidos sob os que falam continuamente. A vontade de fazer parte torna o público alpinista, passam a escalar o que encontram na rua, postes, parapeitos, andaimes, ou até compram de camelôs ou das lojas de comércio popular, banquinhos, cadeiras, escadas, caixotes, dromedários. Até alugam as costas de outros. As árvores são desfolhadas pelo público que as trepa. Sobre os galhos, a audiência vaia ou aplaude ou cospe naqueles que discordam. E logo o orador some no centro do redemoinho.

Uns contentam-se em usar da própria voz. Gritar não resolve: a praça é um vale encravado em meio a prédios antigos e torres de pedra, e o som reverbera em ecos confusos. Mas mesmo assim, muitos gritam. Outros empregam microfones, megafones, televisores e palcos construídos sobre a calçada. O caminhante se aproxima, tenta entender o que elogiam, reclamam, conclamam. Mas a quantidade de pessoas impede o avanço. Nos círculos mais próximos, há quem aprove, há quem conteste. Mas mesmo ali, tão próximo uns dos outros, duvida-se haver entendimento neste carnaval.

O cheiro de suor e o empurra empurra consequente incomodam o caminhante. Avisaram que era perigoso. A praça está cheia de punguistas e outras espécies de criminosos. Há quem ofereça celulares em uma mão, como se fosse um carteado. Sugeriram que escondesse o relógio e separasse o dinheiro em bolsos diferentes. Ele decide se afastar da aglomeração.

A praça é ampla, existem áreas onde a multidão é menos compacta. O caminhante perscruta os rostos, ninguém lhe é familiar, todos lhe parecem estrangeiros. Cada um se proclama merecedor de atenção, por sua modéstia, por sua generosidade, por ser um cara legal. O caminhante sente que está entre arrogantes e vaidosos, e se pergunta no que seria diferente.

Naquele pedaço da praça é mais difícil obter atenção. Um dos oradores, um senhor de meia-idade, abre o álbum de fotografias. Retira um retrato e exibe para os interessados. Então, o senhor aponta os rostos e cita os nomes dos fotografados. Conta histórias sujas de família: prática de incesto, roubos, adultérios... As pessoas riem, indiferentes ao choro contido do velho. Uns mais piedosos confortam com tapinhas em suas costas e seguem em seu passeio pela praça. Um garoto tenta desesperadamente convencer ao caminhante que aquele vídeo-cassete continha o melhor filme do mundo. Um jovem reclama: quer saber por que chover é com “o”, se chuva é com “u”? Em outra roda, um rapaz tatuado demonstra em um pequeno aparelho digital vídeos sexuais com suas namoradas. Os passantes olham por um segundo ou dois, antes que outro curioso remova o aparelho daquela mão. Mais adiante, um homem de terno disserta sobre a mentira da chegada do homem à lua. Uma mulher fala de Deus, com intimidade mentirosa. Outro fala do diabo. Uma adolescente de unhas cítricas esclarece "Você é aquilo que você consome."


Algumas poucas mulheres atraem mais atenção expondo um seio, ou levantando rapidamente as saias em um abano. Em contrapartida, muitos homens trazem um farto material pornográfico. Alguns se masturbam, indiferentes.

Os razoáveis, se existem, interessam a pouquíssimos.

O caminhante observa os espectadores movimentarem os lábios, como alguém que está aprendendo a ler. Talvez eles apenas escutem, ou também declamem, mas baixinho, num murmúrio quase inaudível. Seria uma repetição automática do que se diz, ou naquele cochicho surge algo inédito? Sem notar, os lábios do caminhante se entreabrem ligeiramente como as pálpebras de alguém que sonha.
Logo ele sussurra para si algo, quase uma prece, quase um sentimento. As pessoas começam a rodeá-lo querendo ouvir o que diz, mas todos estão indiferentes ao fato de que ninguém nunca escuta ninguém. Nunca.








(Imagem LIFE.)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Achados



(desenho do Rafael Coutinho)

a)São Paulo 3014
Algumas semanas atrás, foi publicada no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo, uma curtíssima HQ de FC com argumento do escritor Daniel Galera e desenhada por Rafael Coutinho, chamada São Paulo 3014.

O Rafael deixou a história disponível em seu blogue. Clique AQUI para ler.

b)Lançamento Cachalote
O Rafael e o Galera trabalharam juntos em um livro chamado "Cachalote" que foi lançado agorinha-agorinha pela Cia das Letras. Uma prévia chegou a sair na Piauí, não sei se você viu. O lançamento em São Paulo está meio em cima (dia 26), mas haverá no Rio e em Porto Alegre também durante a próxima semana. Clique AQUI para detalhes.

c)E o homem ainda vai dar um curso na Quanta. Agora chega, antes que me acusem de jabá.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Telegrama

Lembrando que 2010 é ano de eleição:





Discurso do filho da puta
(De Alberto Pimenta)


O pequeno filho da puta
é sempre
um pequeno filho da puta;
mas não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho da puta.
no entanto, há
filhos-da-puta que nascem
grandes e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho da puta.
de resto,
os filhos da puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o pequeno filho da puta.
o pequeno
filho da puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno
filho da puta.
no entanto,
o pequeno filho da puta
tem orgulho
em ser
o pequeno filho da puta.
todos os grandes
filhos da puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno
filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
dentro do
pequeno filho da puta
estão em ideia
todos os grandes filhos da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
o pequeno filho da puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem
e semelhança,
diz o pequeno filho da puta.

é o pequeno filho da puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que
ele precisa
para ser o grande filho da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
de resto,
o pequeno filho da puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho da puta:
o pequeno filho da puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja,
o pequeno filho da puta.

II

o grande filho da puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho da puta,
e não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
no entanto,
há filhos da puta
que já nascem grandes
e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho da puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o grande filho-da-puta.
o grande filho da puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho da puta.
por isso
o grande filho da puta
tem orgulho em ser
o grande filho da puta.
todos
os pequenos filhos da puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
dentro do
grande filho da puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos da puta,
diz o
grande filho da puta.
tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos da puta,
diz
o grande filho da puta.
o grande filho da puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho da puta.

é o grande filho da puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa para ser
o pequeno filho da puta,
diz o
grande filho da puta.
de resto,
o grande filho da puta
vê com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho da puta:
o grande filho da puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja,
o grande filho da puta.



(Charge Angeli. Via Coisas do Arco da Velha)

Achados

a)A História Única da África



Importante ouvir a escritora nigeriana Chimamanda Adichie (Segundo a New Yorker, uma das melhores escritoras com menos de quarenta anos): sobre não nos deixar levar sobre o que dizem, sobre aquilo que aprendemos e apreendemos sem perceber.

(Via fórum Meia-Palavra e Libru Lumen)

b)Aproveitando que falamos de outros lugares, alguns links interessantes com aspectos inusitados de outros países:

Pink Tentacle
, sobre o Japão. EnglishRussia, sobre a Rússia (Warren Ellis gosta deste). Vida na Islândia, de um brasileiro "perdido" na Islândia.

O site da Folha tem vários blogues com este "tema": Pé na África, do jornalista Fabio Zanini com mestrado em relações internacionais pela School of Oriental and African Studies (Soas), da Universidade de Londres; Buenos Aires, de Gustavo Hennemann; Raul na China, de Raul Juste Lores.

c)Acho que o Brasil até merecia um blog parecido contando nossas esquisitices (temos muitas), mas pra ficar bom mesmo precisaria de um olhar estrangeiro. Não sei se existe um neste sentido.

Há um livro muito bom, escrito por Alex Bellos, um correspondente inglês que viajou o país (e mais alguns outros) atrás de histórias de nosso futebol. Aqui foi publicado pela Jorge Zahar: Futebol - O Brasil em Campo (O título original é Futebol: The brazilian way of life). Vale muito uma olhada, mesmo para quem não liga para futebol. Como eu.

d)Falando em futebol, leiam o artigo "A pátria em Copas", de Maria Rita Kehl, sobre como nosso amor foi embalado e sufocado pelo mondo marketing.:

"Hoje é impossível fugir do protocolo a ser seguido por todo brasileiro em casa, nos bares, nos estádios. Aprendemos pela tevê, com meses de antecedência, como devemos nos vestir, o que beber durante os jogos, quais os gestos e os gritos de guerra apropriados para os momentos mais emocionantes, como pular e dançar depois de um gol do Brasil. Tudo dominado, tudo decodificado. "

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Achados




a)




Um clip (tirado DAQUI) para uma música do Death in Vegas com uma colagem do filme L´Enfer de Henri-Georges Clouzot.

b)


" "A História do Futuro" soa como um conto de Borges, mas, na realidade, é o título de um livro do grande pregador jesuíta Antônio Vieira. Como muitos ocidentais em meados do século XVII, Vieira acreditava na iminência do milênio, associada a quinta e última monarquia mundial, a do rei português dom João IV. Sua história do futuro previa a chegada do reino de mil anos de Cristo na Terra. Não sou profeta nem futurólogo, de modo que o que se segue será uma discussão não do futuro propriamente dito, mas de diferentes visões daquilo que aguarda a humanidade. Como estas visões mudaram ao longo do tempo, podemos afirmar que o futuro tem um passado. "

(Início de artigo intitulado "História do Amanhã" do inglês Peter Burke que faz referência a um outro livro de outro historiador, Reinhart Koselleck. Acredito que seja a ESTE livro que Burke se referencia)


c)
Um senhor achado: Poesias transformadas em Músicas, neste blog.


d)
Sarau de lançamento do livro "Paraíso Líquido" de Luiz Bras, dia 26 de junho: não percam.

sábado, 12 de junho de 2010

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Telegrama





Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar meu irmão.
Matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catatumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o peito a punhal…
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira…
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.



(Carlos Drummond de Andrade... Imagem: Torso de Nefertite - 18ª Dinastia - Via @mateurdart )

Escadas



nº03: perspectiva histórica



1.METRÔ



Hoje em dia, o trânsito é uma reclamação constante. Em Londres, em meados do século XIX, também. Engarrafamentos frequentes de carruagens e cavalos. Esterco se acumulava pelas calçadas. Pressão sobre governo para encontrar uma solução. Surgiu a ideia do metrô. Os primeiros túneis não contavam com um sistema adequado de ventilação. Os trens eram a vapor, uma permanente e sufocante fumaceira preenchia galerias e estações. Já durante a escavação, alguns operários chegaram a morrer intoxicados na fumaça das locomotivas. O barulho provocava surdez precoce em maquinistas, mais uma entre tantas outras doenças de natureza laboral da época. De início, os vagões eram sem janelas, caixotes apenas com portas de entrada. Naquela paisagem subterrânea, janelas para quê? Além disso, pressupunha-se uma melhor proteção para os passageiros. A claustrofobia do público obrigou-os a reinventar o vagão com janelas. Felizmente estes são tempos passados e aqui não é Londres (apesar do desejo de muitos). Dentro das composições, as pessoas adquirem um ar bovino, os olhos mortos, enjaulados em seus pensamentos, hipnotizados pelos monitores digitais, ensurdecidos pelo som dos arquivos MP3. Talvez os antigos engenheiros tivessem razão em retirar as janelas. Às 17:17, Maria chega à estação de metrô, alheia do mundo ao redor e a como ele chegara até ali, concentrada na longa volta para casa.


2.ESCADAS ROLANTES


O reduzido tempo de espera faz das escadas rolantes um excelente meio de transportar pedestres. A máquina garante o fluxo contínuo e veloz de um grande volume de pessoas, ao contrário de elevadores e escadarias. Modelos diferentes foram patenteados desde 1859, mas apenas em 1896 foi construído um operacional. Era um brinquedo de um parque de diversões norte-americano. Divertido? Talvez tanto quanto hoje em dia seria divertido um teleférico (ou um bondinho). Em 1900 surgiu a primeira escada rolante comercial; recebeu o primeiro prêmio na Exposition Universelle em Paris. Os degraus não possuíam ranhuras e provocavam escorregões. Para evitar quedas, um funcionário de uniforme auxiliava no “embarque” e “desembarque” dos pedestres (em geral, um moleque de uniforme, comum naqueles tempos. Ganhavam gorjeta, quando não um convite de alguma senhora mais assanhada.). Ainda hoje, todos os anos acontecem milhares de acidentes em escadas rolantes. Cadarços, cabelos e pedaços de roupas presos entre as engrenagens e degraus. Outros estão relacionados a sua má-utilização: pessoas que tentam montar no corrimão, crianças que correm no sentido contrário da escada. Recentemente, norte-americanos descobriram um novo jogo arriscado envolvendo escadas rolantes, o “escalator-spinning”. Mas a maioria das pessoas é obediente e trata as escadas rolantes com a deferência de quem merece ser carregado como peças em linha de montagem. Concentrada apenas no movimento da multidão a sua frente, Maria prepara-se para descer as escadas rolantes rumo à plataforma de embarque, às 17:18.



3.ESCADAS FIXAS



“Ninguém terá deixado de observar que frequentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano, para dar passagem a uma nova perpendicular, comportamento que se repete em espiral ou em linha quebrada até alturas extremamente variáveis.”, já dizia de forma irretocável o escritor Julio Cortázar em “Instruções para subir uma escada”(1964). Faz muito tempo que o homem sobe escadas. As mais antigas escadarias construídas pelo homem remontam a seis mil anos antes de Cristo. Lugares altos eram e continuam sendo pontos estrategicamente importantes. As escadas forneciam meios de subir com um menor risco de desequilíbrio e ainda possibilitavam mãos livres. Como bem sabem os alpinistas, “descer” é tão ou mais arriscado que “subir” e as escadas concediam velocidade e agilidade. Para descer uma escadaria circular, o sentido era sempre horário e para subir, anti-horário, de forma a dificultar o trabalho de invasores e facilitar o dos protetores. A mão da espada era favorecida para quem descesse as escadas. A não ser que os invasores fossem canhotos, mas naquele tempo era uma obrigação ser destro. Mas João é indiferente a estas questões bélicas e de esquerda ou direita. Olha para o alto da escada sem razão aparente, talvez para confirmar que ele terá seus movimentos restritos ao do restante do rebanho a subir. E então ele a vê, de longe, descendo a escada rolante. À medida que avança, o rosto de Maria se aproxima e ele fixa-se nela, sob risco de tropeçar. As pessoas miram o chão ou a bunda de quem está adiante. João encara Maria. Ela está distraída, poderia deixar passar e acabar ali. Mas ela se surpreende com os olhos de João. Maria cora e abaixa o rosto. Talvez seja a timidez, talvez seja amor. Seja o que for, João decide ir atrás dela.


4.SENHORAS GORDAS



As senhoras gordas existiram desde sempre. Por toda a Eurásia, encontram-se pequenas figuras de pedra: são mulheres gordas, calipígias, regaços profundos, as formas arredondadas como bolas de sorvete sobre uma casquinha. Os braços finos, a cabeça sem rosto, coberta por tranças, ou chapéu ou olhos como os de um inseto. Pensava-se serem elas representações de alguma deusa feminina, a Grande Mãe, relacionaram estas imagens com a ideia de uma sociedade pré-histórica matriarcal. As imagens não ficam de pé, trazendo a suposição de se tratar de uma espécie de amuleto. Mas surgiram hipóteses nas quais estas figuras de pedra seriam brinquedos de homem, o equivalente ancestral da revista Penthouse. Os caçadores de mamutes usariam estes ídolos para se masturbar. Ou inserida na vagina em um ritual da fertilidade. Ou no rabo conforme a vontade. Nas paredes das cavernas, é difícil encontrar a figura humana bem representada. Alguns povos possuíam um senso artístico bastante desenvolvido: eram capazes de pintar com precisão e realismo animais selvagens; usavam o próprio relevo da parede da caverna para sugerir altos e baixos relevos. Já o ser humano era quase sempre esboçado, rascunhado, não se viam rostos ou pessoas. As imagens eram pouco melhores que bonequinhos de palitos. Apesar disso, em uma pedra no nordeste brasileiro ainda é possível reconhecer duas senhoras gordas. O povo argumenta ser possível acompanhar sua história como quem lê uma tira de jornal, apesar da crítica dos antropólogos que ridicularizam tais teses. Observa-se que estavam no caminho de um caçador. As imagens sugerem que o caçador não titubeou diante dos obstáculos obesos. Arremessou a lança contra as senhoras. Daquela vez, o animal escapou e as senhoras gordas sofreram o pior destino. A história sempre se repete, nunca da mesma forma. Vejamos, portanto, às 17:19, que duas senhoras gordas se interpuseram no caminho de João. Ele vê a Maria ir embora em um trem lotado para lugar ignorado, as costas dela prensadas contra o vidro das portas automáticas. As senhoras gordas prosseguem conversando, indiferentes. João gostaria de uma lança. Sem ela, volta a encarar a escadaria fixa, repleta de passageiros do trem que acabou de partir. São 17:22.





(=++=)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Telegrama






ou melhor ainda:


"Do not believe in anything simply because you have heard it. Do not believe in anything simply because it is spoken and rumored by many. Do not believe in anything simply because it is found written in your religious books. Do not believe in anything merely on the authority of your teachers and elders.
Do not believe in traditions because they have been handed down for many generations. But after observation and analysis, when you find that anything agrees with reason and is conducive to the good and benefit of one and all, then accept it and live up to it."

Siddhārtha Gautama

(Via Erospainter; via Codice Binario; via Girls in White Dresses)

p.s.: não fui conferir se a frase é mesmo do Buda.
Deixei isto pra você.