quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Onirogrito


(Compress, de Alyssa Monks)


tatuíra

Éramos muitos. Muraram aquela praia com calçadões e quiosques, mas naquele tempo as castanheiras reinavam. Ficamos naquele mar até cansar. Buracos de tatuíras na beira. Chamam hoje de corruptos. Culpa do Jô. Meu pai dizia que se estes crustáceos estivessem na areia molhada, a água seria limpa. Hoje os banhistas os retiram para guardar em baldes. Comemos por lá qualquer coisa. Talvez até farofa. Não queríamos voltar, desejávamos algo diferente. Um de nós sugeriu o poço. Um lugar onde as crianças caiçaras represaram um pedaço de um ribeirão não muito profundo até formar uma piscina ideal para mergulhos. Fomos para lá. Murmúrio de rio não é chiado de mar. Uma tromba d´água derrubara o dique dos meninos. Mas ainda era bom para nadar. Os homens foram brincar. As crianças estavam livres. Quem quisesse nadar que fosse. Outros tempos. Eu tive medo. No mar só ia onde dava pé, embora soubesse nadar. Era ruim de pisar naqueles seixos. A água fria. Fiquei sobre uma pedra maior. Era cinza muito clara, quase branca, uma pedra calma. Fiquei de córcoras, o sol batia ali. Contorno das árvores e nuvens. Sol. Quando olhei para o lado, dentro do rio estava meu primo de três quatro cinco anos rindo para mim. A cabeça fora d´água, o corpo naquele meio transparente, os pés batendo a esmo sobre um verde profundo. Ele estava a meu alcance. Poderia ter esticado o braço. Não fiz nada, não era muito mais velho. Acho que tive medo de ajudar e me afogar. Hoje ainda é assim. Com você também é. Mas ele afundou uma vez. Eu gritei. Atualmente, recorro à montanha russa ou ao trem fantasma. Entendo a vergonha de quem fica preso no elevador durante dias sem berrar por ajuda. Mas inventaram os interfones. Não sei se gritei algo compreensível, talvez o nome do meu primo. Os homens vieram nadando, ele foi levado na correnteza. Como folha correndo na calha. Lembro de continuar gritando, lembro de meu tio salvar meu primo. Choro, choros. Na outra margem, viraram-no de cabeça para baixo. É assim que se desafoga uma criança. Éramos muitos: deixamos a bola para o outro defender e acabou passando por todos. Assim, ninguém acusou ninguém. Nunca contaram nada para a mãe do menino. Ninguém sabe se ele sabe disso. Ou se ele se lembra. Sem traumas ou sofrimento. Ninguém morreu. Dizem que o rio secou ou envenenou. Derrubaram aquelas árvores. A pedra calma virou pedregulho.

por que não fiz nada?












***

Um comentário:

  1. Aproveitei e li o texto do menino afogado. Que lindo, cara. Curti pacas. Então, o horário é à partir das 14:00 hs, té 8 da noite.

    Um abração, nos vemos lá.
    Rafa.

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