segunda-feira, 28 de setembro de 2009
pequena história inverossímil de esperança
O homem sem dois dedos da mão direita ultrapassou a catraca. Desceu as escadas rolantes. Conferiu a diferença entre o relógio de pulso e o da plataforma. Afastou-se da linha amarela de segurança. Cedo ainda. Encostado na parede, entre um mapa de localização e um poster de publicidade, observou o movimento. Urro da composição ao sair do túnel e chegar na estação. Os trens cobertos por uma purpurina de gotas de chuva. Passageiros saíam e esbarravam naqueles que pretendiam entrar, empunhando guarda-chuvas. Um sinal sonoro e a porta se fechava, automaticamente. Uma pessoa correu, mas não conseguiu alcançar a tempo. Frustrado, rumou para um lado mais vazio da plataforma. Acidentalmente, encarou aquele que aguardava a hora exata.
Este se moveu, caminhando lentamente até o diagrama das linhas e estações do metrô e suas conexões com o sistema de trens metropolitanos e de ônibus intermunicipais. Colocou o indicador numa das várias linhas coloridas. Depois que o trem seguinte partiu, o homem prosseguiu seu passeio pela plataforma. Um pilar cruzava os vários níveis da estação. Atrás da coluna, ocultas na sombra de concreto, duas adolescentes se beijavam em namoro, mochilas nos pés. Não eram bonitas, nem particularmente interessantes. Ninguém as notava. Apenas o homem sem os dois dedos da mão direita. Antes que percebessem sua presença, ele caminhou novamente em direção a linha amarela e ao precipício dos trilhos.
Conferiu a hora no pulso. Decidiu pegar o próximo. Um papel voou com a vinda do trem. Havia um número pintado na lateral. Ele memorizou para mais tarde, para o telefonema. Entrou, sentou-se em uma das extremidades do interior do vagão, os bancos disponíveis rareando. Ao seu lado, um rapaz distraía-se com o próprio reflexo na janela, isolado em seu fone de ouvido. O som do aparelho escapava nervosamente dos ouvidos, os próprios pensamentos abafados. As meninas entraram no mesmo vagão, mas por uma outra porta. Mãos dadas como irmãs, caminharam pelo corredor até ficarem em pé, por acaso próximas a ele. O homem fixou o olhar em um ponto neutro, o piso preto emborrachado.
Mas depois as paradas do percurso lotavam cada vez mais o trem de passageiros sonolentos e mal-humorados. O clima chuvoso favorecia uma moda de capas e jaquetas em tom cinzento, as pessoas precisavam se camuflar na paisagem. O interior do vagão foi coberto pela penumbra, uma mata fechada de corpos humanos em pé. As meninas acuadas em um ponto privilegiado para a discreta vigilância do homem em cuja mão direita faltavam o dedo mínimo e o anular. Agora, escondidas e ao mesmo tempo expostas, evitavam o abraço. Mas continuava evidente. Ao menos para ele, os demais passageiros as ignoravam, como ignorariam a todos. Cegos uns para os outros. Elas procuravam-se uma no olhar da outra, mas sem coragem de se encarar e terminarem cegas também, mas para o mundo. Elas se tocavam e conversavam, palavras perdidas na floresta de adultos escutando músicas em mp3 ou trocando torpedos ou jogando tetris, e elas, as mãos como cílios e borboletas, as pontas dos dedos de unhas curtas teclando uma a outra, anéis e pulseiras, dedilhando camas de gato, canções invisíveis e sorrisos tímidos. O homem conferiu a hora, preocupado.
Ele deveria descer na estação imediatamente anterior a da Praça General Vargas, aquela de maior movimento. O homem precisaria romper a barreira de pessoas e se antecipar para sair no intervalo em que as portas ficariam abertas. Elas ignoraram os anúncios por parte do condutor da composição. Sabendo que isto contrariava a diretriz, o homem de oito dedos prosseguiu, sem descer onde deveria. O rapaz a seu lado ouvia Bach, o terceiro concerto de Brandenburgo. Na General Vargas, boa parte dos passageiros saiu do trem, as meninas desceram em meio ao estouro para desaparecer. Ele nunca mais as veria. O homem acompanhou a multidão, encarava o piso e os calçados das pessoas, esqueceu-se do rapaz de fones no ouvido, este continuou a viagem, ele e próprio reflexo, o guarda-chuva abandonado sutilmente sob o banco, timer ativado. Quando o homem ultrapassou a catraca, escutaram aquela trovoada incomum. Todas as demais ocorreram no horário e local previsto. Mas esta explosão ocorreu no túnel entre uma estação e outra, estragando a coreografia planejada para aquela manhã.
(...)
Achados
Modelinho básico: Escafandro francês de 1882, exposto no Museu da Marinha Francesa. Achei no Neatorama.
a)Farrazine 13
Legião, de Ricardo Andrade e Snuckbinks, uma história em quadrinhos noir. O penúltimo capítulo de Albaria, de Wilton Pacheco, mais uma entrevista com o autor. Um artigo sobre o Festival de Censura que assola o país. Seção Por Onde Anda?, HQ’s Bíblicas e Infilmáveis, Baú do Batman. Um festival de contos: Star Warghs, Trave na Treva, As Noites do Bar do Limbo, 37 Dias.
E mais coisas como Dito ou Mal-Dito (seção nova), Toca Raul (homenagem ao Raulzito), Blues, Nostalgia, Uma Sombra Viva.
Escrevi o conto "Trave na treva no campo de trevos"... Para ler, baixe pelo link:
http://www.4shared.com/file/134317356/92f1b2d/FARRAZINE__13.html
b)Sete de Outubro, às 19 horas.
Lançamento do livro "Rapsódias, primeiras histórias breves", de Rodrigo Novaes de Almeida, que participou comigo do Portal Stalker. Será na Editora Multifoco, Av. Mem de Sá, 126, na Lapa, Rio de Janeiro.
c)Um link para quem gosta de astronomia, astronautas e notícias fora de órbita:
Space: http://www.space.com/
d)Mais do Neatorama. É um blogue que recebe colaboração de dezenas de outros blogueiros... Todos os links abaixo em inglês.
Coelhos matando cobras
Sete espécies bizarras de animais de criação
(Na lista descolada pelo Neatorama faltou o Jacobino, um pombo de capuz muito esquisito... Achei umas fotos deste e de outras espécies bem estranhas de pombos AQUI, no Bukisa)
e)E mais um blogues/links interessante pra guardar:
Dinosaurs and robots : sobre objetos incomuns
"Rather than focus on the newest trend, we will seek authentic, handy, rarefied, disgusting, illuminating, delicious, mysterious, intoxicating, commonplace, historic, intensely personal, entertaining and enlightened objects, both priceless heirlooms and exquisite trash. "
Xplanes (via Warren Ellis) : sobre aeroplanos e máquinas voadoras incomuns.
"experimental aircraft. exotic aeromachines. oddities. sleek silver cigars. pedal-o-trons. soviet hive-mind bombers. aerial joy. the olden days. action shots. propaganda posters. etc "
Prensada (em português), da Patrícia.
http://prensada.blogspot.com/
domingo, 20 de setembro de 2009
Telegrama
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Walter Franco
Achados
Gabrielle d'Estrées e uma de suas irmãs
1595
Musée du Louvre, Paris
1595
Musée du Louvre, Paris
a)Pipoquinha
Conhecia o quadro acima de uma história do Giuseppe Bergman, personagem criado pelo Milo Manara. Mas sempre o achei mais estranho do que propriamente erótico, por se tratarem de duas irmãs e pelo gesto parecer mais o de quem pega uma pipoca do que um mamilo. Agora a Beluga (cujo "O Belogue" acabou de fazer quatro anos) esclareceu minhas dúvidas. CLIQUE.
b)As dez árvores mais espetaculares do mundo.
Vá primeiro ao (grande) Bráulio Tavares no Mundo Fantasmo para entender e depois ao link do Neatorama. Existe também uma lista de árvores famosas no wikipedia, onde não consta um único "pé de laranja-lima" sul-americano. Deveria - no mínimo, é a primeira que me ocorre - haver a árvore sob a qual Funes, o Memorioso, passou seus últimos dias... Ou então o Maior Cajueiro do Mundo do Rio Grande do Norte... Ou alguma mangueira, araucária, jaqueira, seringueira, andiroba, jequitibá, as árvores citadas em Bem Leve da Marisa Monte, sei lá...
Chamem a Regina Casé do Pé de quê!!!
c)Kafka faz bem à saúde
Leitura do absurdo estimula habilidades mentais
"
Travis Proulx [Univ. da Califórnia, Santa Bárbara] e Steven Heine [Univ. da British Columbia], psicólogos, descobriram que a nossa habilidade de encontrar semelhanças e sentido é estimulada quando nos absorvemos na literatura do absurdo. E mais interessante ainda: habilitando-se essa capacidade, ela reaparece aprimorada para resolver outras tarefas ou problemas fora do campo da leitura." (Continua...)
fonte: Peregrina Cultural, da Ladyce West
d)A literatura e as escalas de grandeza
"Tera é uma adaptação originária do grego tetra-, que, como sabemos desde 1994, é um prefixo que significa "quatro", como em "tetracampeão", "tetraciclina" ou "tetralegal". Tera é um multiplicador, por exemplo, um teragrama equivale a um trilhão de gramas. (Não confundir com "tetragrama", que significa uma palavra com quatro letras.) Donde podemos concluir que um teraconto são um trilhão de contos." (Continua...)
A fonte do texto é o blogue Prosa Caótica e já é um texto meio antigo (mas eu gostei)...
Mas eu encontrei neste outro blogue que só copia textos de outros blogues.
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Onirogrito
(Compress, de Alyssa Monks)
tatuíra
Éramos muitos. Muraram aquela praia com calçadões e quiosques, mas naquele tempo as castanheiras reinavam. Ficamos naquele mar até cansar. Buracos de tatuíras na beira. Chamam hoje de corruptos. Culpa do Jô. Meu pai dizia que se estes crustáceos estivessem na areia molhada, a água seria limpa. Hoje os banhistas os retiram para guardar em baldes. Comemos por lá qualquer coisa. Talvez até farofa. Não queríamos voltar, desejávamos algo diferente. Um de nós sugeriu o poço. Um lugar onde as crianças caiçaras represaram um pedaço de um ribeirão não muito profundo até formar uma piscina ideal para mergulhos. Fomos para lá. Murmúrio de rio não é chiado de mar. Uma tromba d´água derrubara o dique dos meninos. Mas ainda era bom para nadar. Os homens foram brincar. As crianças estavam livres. Quem quisesse nadar que fosse. Outros tempos. Eu tive medo. No mar só ia onde dava pé, embora soubesse nadar. Era ruim de pisar naqueles seixos. A água fria. Fiquei sobre uma pedra maior. Era cinza muito clara, quase branca, uma pedra calma. Fiquei de córcoras, o sol batia ali. Contorno das árvores e nuvens. Sol. Quando olhei para o lado, dentro do rio estava meu primo de três quatro cinco anos rindo para mim. A cabeça fora d´água, o corpo naquele meio transparente, os pés batendo a esmo sobre um verde profundo. Ele estava a meu alcance. Poderia ter esticado o braço. Não fiz nada, não era muito mais velho. Acho que tive medo de ajudar e me afogar. Hoje ainda é assim. Com você também é. Mas ele afundou uma vez. Eu gritei. Atualmente, recorro à montanha russa ou ao trem fantasma. Entendo a vergonha de quem fica preso no elevador durante dias sem berrar por ajuda. Mas inventaram os interfones. Não sei se gritei algo compreensível, talvez o nome do meu primo. Os homens vieram nadando, ele foi levado na correnteza. Como folha correndo na calha. Lembro de continuar gritando, lembro de meu tio salvar meu primo. Choro, choros. Na outra margem, viraram-no de cabeça para baixo. É assim que se desafoga uma criança. Éramos muitos: deixamos a bola para o outro defender e acabou passando por todos. Assim, ninguém acusou ninguém. Nunca contaram nada para a mãe do menino. Ninguém sabe se ele sabe disso. Ou se ele se lembra. Sem traumas ou sofrimento. Ninguém morreu. Dizem que o rio secou ou envenenou. Derrubaram aquelas árvores. A pedra calma virou pedregulho.
por que não fiz nada?
***
Éramos muitos. Muraram aquela praia com calçadões e quiosques, mas naquele tempo as castanheiras reinavam. Ficamos naquele mar até cansar. Buracos de tatuíras na beira. Chamam hoje de corruptos. Culpa do Jô. Meu pai dizia que se estes crustáceos estivessem na areia molhada, a água seria limpa. Hoje os banhistas os retiram para guardar em baldes. Comemos por lá qualquer coisa. Talvez até farofa. Não queríamos voltar, desejávamos algo diferente. Um de nós sugeriu o poço. Um lugar onde as crianças caiçaras represaram um pedaço de um ribeirão não muito profundo até formar uma piscina ideal para mergulhos. Fomos para lá. Murmúrio de rio não é chiado de mar. Uma tromba d´água derrubara o dique dos meninos. Mas ainda era bom para nadar. Os homens foram brincar. As crianças estavam livres. Quem quisesse nadar que fosse. Outros tempos. Eu tive medo. No mar só ia onde dava pé, embora soubesse nadar. Era ruim de pisar naqueles seixos. A água fria. Fiquei sobre uma pedra maior. Era cinza muito clara, quase branca, uma pedra calma. Fiquei de córcoras, o sol batia ali. Contorno das árvores e nuvens. Sol. Quando olhei para o lado, dentro do rio estava meu primo de três quatro cinco anos rindo para mim. A cabeça fora d´água, o corpo naquele meio transparente, os pés batendo a esmo sobre um verde profundo. Ele estava a meu alcance. Poderia ter esticado o braço. Não fiz nada, não era muito mais velho. Acho que tive medo de ajudar e me afogar. Hoje ainda é assim. Com você também é. Mas ele afundou uma vez. Eu gritei. Atualmente, recorro à montanha russa ou ao trem fantasma. Entendo a vergonha de quem fica preso no elevador durante dias sem berrar por ajuda. Mas inventaram os interfones. Não sei se gritei algo compreensível, talvez o nome do meu primo. Os homens vieram nadando, ele foi levado na correnteza. Como folha correndo na calha. Lembro de continuar gritando, lembro de meu tio salvar meu primo. Choro, choros. Na outra margem, viraram-no de cabeça para baixo. É assim que se desafoga uma criança. Éramos muitos: deixamos a bola para o outro defender e acabou passando por todos. Assim, ninguém acusou ninguém. Nunca contaram nada para a mãe do menino. Ninguém sabe se ele sabe disso. Ou se ele se lembra. Sem traumas ou sofrimento. Ninguém morreu. Dizem que o rio secou ou envenenou. Derrubaram aquelas árvores. A pedra calma virou pedregulho.
por que não fiz nada?
***
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Telegrama
Relembrando antigas lições
Epic
Faith No More
Can you feel it, see it, hear it today?
If you can't, then it doesn't matter anyway
You will never understand it cuz it happens too fast
And it feels so good, it's like walking on glass
It's so cool, it's so hip, it's so right
It's so groovy, it's outta sight
You can touch it, smell it, taste it so sweet
But it makes no difference cuz it knocks you off your feet
You want it all but you can't have it
It's cryin', bleedin', lying on the floor
So you lay down on it and you do it some more
You've got to share it, so you dare it
Then you bare it and you tear it
You want it all but you can't have it
It's in your face but you can't grab it
It's alive, afraid, a lie, a sin
It's magic, it's tragic, it's a loss, it's a win
It's dark, it's moist, it's a bitter pain
It's sad it happened and it's a shame
You want it all but you can't have it
It's in your face but you can't grab it
What is it?
Epic
Faith No More
Can you feel it, see it, hear it today?
If you can't, then it doesn't matter anyway
You will never understand it cuz it happens too fast
And it feels so good, it's like walking on glass
It's so cool, it's so hip, it's so right
It's so groovy, it's outta sight
You can touch it, smell it, taste it so sweet
But it makes no difference cuz it knocks you off your feet
You want it all but you can't have it
It's cryin', bleedin', lying on the floor
So you lay down on it and you do it some more
You've got to share it, so you dare it
Then you bare it and you tear it
You want it all but you can't have it
It's in your face but you can't grab it
It's alive, afraid, a lie, a sin
It's magic, it's tragic, it's a loss, it's a win
It's dark, it's moist, it's a bitter pain
It's sad it happened and it's a shame
You want it all but you can't have it
It's in your face but you can't grab it
What is it?
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Achados
(Crayoneater, por James Jean - via A night´s owl playground)
a)DIA19 de SETEMBRO, 18 horas
Lançamento Livro Enchente, de Olivia Rabacov.
Ilustrações e projeto gráfico de Weberson Santiago.
Onde? Livraria da Vila, na Alameda Lorena
Detalhes no convite abaixo:
b)DIA 26 de SETEMBRO, das 15 às 18.
Lançamento de antologia de contos com com enredos envolvendo seres (extra) ordinários e suas múltiplas personalidades.
Será na Livraria Martins Fontes da Paulista, das 15h às 18h30, tem o lançamento do livro AlterEgo, organizado pelo quadrinista internacional Octavio Cariello.
Prefácio de Santiago Nazarian, e contos dos autores Roger Cruz (DC), Weberson Santiago (Folha de São Paulo), Gian Danton (MAD), Marcela Godoy (Devir), entre outros escritores e quadrinistas (incluindo o humilde dono deste blogue).
Detalhes no convite abaixo:
c)DIA 30 de SETEMBRO, 20 horas
Encontro com a Agente Literária Maria Moura
Pós graduada em Marketing Cultural pela USP, mais de dez anos de experiência no mercado editorial, fundou a Página da Cultura, empresa de agenciamento literário.
Será na UNICSUL, Campus Liberdade, Av Galvão Bueno, 898, em São Paulo, SP. Com entrada franca
Mais detalhes no folder abaixo:
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sexta-feira, 11 de setembro de 2009
alegria, alegria
Há quem receba médicos, pintores, pensadores famosos, generais, atores, ginastas, soldados, escritores, magistrados, diplomatas, comendadores e outros ilustríssimos. Outros psicografam somente os que precisam avisar, ensinar, lembrar e sentir saudades. Existem criancinhas afeitas ao diabo. Telêmaco não se classifica nestes casos. Não. O transe de Telêmaco tornava-o receptáculo do mais enfadonho dos espíritos, um certo dr.Ulysses Padilha.
A caneta dançava sob o apoio dos dedos de Telêmaco e o que saía em sua ponta era em fonte datilográfica e linguagem cartorial. No começo, o pessoal da Mesa frequentada por ele até se assustou: depois, durante a leitura do relatório contábil e de palavreado insosso do dr.Ulysses Padilha, deixaram escapar bocejos.
Os espíritos mais iluminados oravam para que aquela alma pobre encontrasse seu caminho. Mas tudo que dr.Ulysses Padilha compreendia era a legislação tributária de 1954 ou a manutenção de computadores a válvula. Telêmaco esforçou-se para abrir espaço a outras almas, mas concluiu que mesmo os outros mortos queriam distância daquele caroço.
Telêmaco lembrava-se da mãe: praticante e incentivadora da generosidade para evolução da alma. Orações, entretanto, não eram suficientes para trazer malemolência aquele sistemático. Pois as preces iluminam o caminho do bem. Ser legal ou ser chato está muito além do bem e do mal. A alma de dr. Ulysses Padilha não atormentava os viventes com maldade. Apenas carimbava uma couraça de rotina à vida. Tinha a serventia de um relógio de pulso, seu tique taque um parafuso cada vez mais fundo ancorado no cérebro.
Tamanho dissabor provocou leve desespero. Telêmaco queria ajudar aquele espírito. Mas ignorava como proceder, já empregara os métodos usuais de auxílio às Almas. Além disso, era perceptível que o dr.Ulysses Padilha se afeiçoara a Telêmaco. Talvez por solidão do além-túmulo, o espírito se fazia sempre presente. Não dava brecha. Abandonou a psicografia, começou a possuir o corpo do médium, que jorrava um fluxo monótono e incontrolável de palavras. Seu dom desperdiçado em discursos entediantes em momentos estapafúrdios, como shows de rock, viagens de metrô, sessões de cinema. Os viventes perdiam a paciência para lidar com o médium.
Telêmaco, normalmente abstêmio, deu para beber. Esperava - quem sabe? - espantar aquele encosto. Mas o álcool tornava o médium mais suscetível a influência do espírito e durante os porres discursava em voz empolada sobre as qualidades políticas da conduta internacional de Café Filho ou a fórmula química da baquelite. Os bêbados escutavam extasiados àquele que subia na mesa para declamar longos discursos sobre a grandiosidade das coisas mesquinhas e a relevância dos detalhes desimportantes. Gritavam vivas e outros incentivos, apesar de não terem compreendido a maior parte do real assunto do discurso, mas dito assim, de forma tão aborrecida, certamente mereceria ser levada a sério.
Uma noite, já trançando as pernas, Telêmaco se perdeu. Caminhou pela madrugada sem encontrar o caminho de casa. Mas dr.Ulysses Padilha, que afinal, não era um mau espírito, procurou orientá-lo. A cidade mudara muito, com suas antenas luminosas cheias de parafusos e celulares cheios de botãozinhos. Andou pelas antigas ruas, saudoso da vida simples e dos vaga-lumes. Lá pelas tantas, a alma reconheceu a cadência e a batida de sambas antigos. Seguiu o batuque e encontrou uma porta aberta, cujo final da escadaria terminava em um Clube de Danças de Salão.
Hesitou antes de entrar, não era lugar que costumasse frequentar, mas eis que passava um grupo de senhoras sorridentes e gargalhantes, talvez um tanto esvoaçantes demais para a idade. Teve a impressão de reconhecer uma delas. Subiu a escadaria em sua perseguição. Lá em meio aos casais suados e rodopiantes redescobriu dona Leocádia, antiga paixão da adolescência. Ficou de longe a observá-la. Viu a transformação de Leocádia em uma senhora pingando de tanto dançar no salão, a sombra e o rímel escorrendo-lhe nas rugas. Mas ela era indiferente a estas máscaras: lambia os beiços até estalar após os copões de cerveja. A velha paixão reacendeu o peito incorpóreo de dr.Ulysses Padilha: fez Telêmaco abordar aquela viúva. Dona Leocádia admirou-se por um bebê como aquele parecer interessado nela. “És arqueólogo ou tão somente golpe do baú?”. Mas a vida para ela era curta demais para estas inconveniências. Conversaram muito e ela, sempre direta: “Como um menino como você pode ser tão chato?” e o puxou para o meio do Salão. Ele desculpou-se por não saber dançar, por estar tão bêbado e ela respondeu que era taxi-girl na juventude, tinha paciência com pés de chumbo e já vira bebuns em estado muito pior que o dele. E ela o conduziu para lá e para cá e o fez girar. Tanto que Telêmaco sentiu-se mal e vomitou. Mesmo assim, Leocádia não abandonou o garoto. Quando se cansava, pedia a uma de suas amigas que se encarregasse do rapaz: Cota, Leninha, Edwirges, Genoveva, Esmeraldina, Penélope. Cada uma delas explodindo de tesão do viver, apesar dos enterros, das artroses, das temporadas celibatárias, das varizes, da catarata, dos filhos que tomam dinheiro, das dentaduras, das noras vagabundas, dos remédios para evitar o que virá, dos netos invisíveis ou viciados, da solidão do rádio ou televisão no último volume pela madrugada.
A alma sentiu o desperdício de se atrelar.
Na noite seguinte, Telêmaco e dr.Ulysses Padilha estavam novamente no Clube. Dona Leocádia gostou de ver o rapazola. Eles chegaram, por conta própria, a mesma conclusão de Benjamin Franklin a respeito da mulher madura. Apesar disso, ela sempre ameaçava Telêmaco: “Se me passares para trás, te mato, filho da puta!” Depois de morta, a Alma submersa aprendeu a pirar e a respirar. Tirou o doutor e o Padilha do nome, conforme ela lhes ensinara: “Precisa de sobrenome quem não sabe conquistar respeito”. Telêmaco faleceria muitos anos depois de cirrose, mas até chegar lá, foi só alegria, alegria.
***(imagem do filme brasileiro "Chega de Saudade": clique na imagem para depoimento da Diretora Laís Bodansky. Conto criado para o tema do Encaixe-se de Setembro: Transe/Imersão)
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Onirogrito
agulhada
Eu não quero que me reconheçam. Eu não quero que saibam quem sou. Eu não quero proteção. Eu quero justiça. Para a justiça ser cega, ela não pode olhar na sua cara, nem saber quem você é.
Ser legal ou ser chato está muito além do bem e do mal. Não fui quem disse isto. Foram as eleições a repetir os mesmos erros. Foram os amores incorrespondidos. Foram os filhos preferidos girando em falso na vida. Foram as crianças que correm atrás de quem não quer brincar. Foram as pessoas que me disseram sim, mas que deveria ter sido não. Foram as pessoas que nunca me disseram nada, mas fizeram o que deveria ter sido feito.
Conviver é uma arte. Uma arte tão bonita que a gente até acredita que a vida se resume nisso. Mas convivência não é conveniência.
***(ouija guitar)
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Achados
a)Vampiros
Lista de filmes de Vampiro: tem até um “Nosferatu no Brasil”(??? Será pornochanchada?)
Fangoria é uma revista norte-americana especializada em filmes de terror. Quando criança, a gente achava fácil nas livrarias... Faz muito tempo que não vejo. Não é só sobre vampiros... Mas tem sangue à beça.
b)Andy Warhol, Batman e Drácula
Através destas listas de filmes vampirescos, descobri a existência de um filme estilo porra-muito-muito-muito-louca de Andy Warhol chamado “Batman vs Drácula”
Eu já ouvira falar que os filmes deste cara são completamente malucos. Houve um, creio que era chamado Sonho, que filmava um sujeito dormindo por três horas...
Um pouco mais sobre Warhol e seus filmes (em português):
http://ipsislitteris.opensadorselvagem.org/andy-warhol-polaroid-esportistas/
Fórum que contém fotos de Andy Warhol como Robin e Nico (1ª vocalista do Velvet Underground) como Batgirl:
http://forums.superherohype.com/showthread.php?p=15339326
You Tube com um pedaço do filme (O cara tinha "inventado" as animações GIF em 1964!!! Vejam o começo)
Existe um outro filme chamado “Batman vs Drácula”.É de 67. Pirataria das Filipinas. Achei um link com o cartaz do filme.
Acho que com estas tranqueiras do Batman circulando pela Internet, a Warner resolveu fazer um DVD de uma das séries de desenhos animados do Batman exatamente com este título: “Batman vs Drácula”.
c)Mahabarata (em inglês)
http://www.mahabharataonline.com/
http://www.mahabharataonline.com/translation/index1.php
d)Literatura
Entrevistas de Claudio Brites no Boxliberis:
Giulia Moon
Nelson de Oliveira
Conversas no Sótão : Marcelo Maluf e Flavia Muniz
Pós-Estranho: Fabio Fernandes e José J. Veiga (já é meio antiga)
e)Revistas Eletrônicas:
Revista Zunái
Terra Incognita , sobre Ficção Científica. Parou no quarto?
f)SANNA ANNUKKA:
Esta finlandesa foi a responsável pela arte do CD do Keane, Under the Iron Sea. Apesar da música e do clipe Crystal Ball serem muito bons, a verdade é que o que me impulsionou a compra do CD foi a arte desta moça, que usa elementos tradicionais finlandeses em seu trabalho. A moça é bonita (como, reza a lenda, dizem ser todas as finlandesas. Uma outra lenda afirma que elas são mudas, mas aí já seria perfeição demais para ser verdade). A imagem da Octo-City está no CD, mas esta veio do site dela.
g)Museu das tábuas de Ouija (em inglês)
Quem imaginaria tábuas de Ouija vendidas como brinquedo?
"Welcome to the heart and soul of the Museum of Talking Boards: our picture gallery of talking boards. Presented in no particular order are ninety-six talking boards and an assortment of planchettes produced during the years 1860 to 2005."
Uma tábua que eu recomendo uma olhada mais de perto é esta AQUI: perfeita para quem não quer perder tempo.
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segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Telegrama
(Extraído do blog Peregrina Cultural. Clique na imagem
para encontrar o post com detalhes sobre a aquarela da Árvore de Jessé)
para encontrar o post com detalhes sobre a aquarela da Árvore de Jessé)
...
Meu nome veio através de sete gerações de homens com o mesmo nome, cada um dando ao primogênito o mesmo nome do pai e as mães apelidavam aos filhos para não confundí-los com os pais quando ouviam seus nomes serem chamados ao ar livre, enquanto trabalhavam lado a lado no trigo alto até a cintura.
Os filhos acreditavam que os apelidos eram seus nomes flutuando por estes campos e respondiam a eles, imaginando quem eram pelo som das palavras, sem supor que seu nome real-oficial-registrado-carimbado os aguardavam sobre algum documento em Chicago, e aquele seria o nome precedido por "Sr." e aquele nome seria o qual levariam quando morressem.
2/5/80 Homestead Valley, California
Sam Shepard, extraído de Crônicas de Motel (1984, Brasiliense)
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Achados
a)1984 ou Brave New World?
Uma pequena história em quadrinhos (em inglês) diferenciando Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e 1984, de George Orwell.
Dica enviada pelo Brites, do Hipocentro.
Grato ao Esquema/Trabalho Sujo por ter encontrado o original.
b) Cantos dos pássaros
Site de canções de pássaros. Em inglês. Há cantos gravados de diversas espécies do mundo e fóruns de discussão pra descobrir a origem de cantos desconhecidos.)
c)Ernst Haeckel's Kunst-Formen der Natur
Um belo e antigo livro de formas orgânicas e naturais.
d)Bookride
Guia para livros mais raros e desejados. Em inglês. Existe algo similar em português? Tudo que achei foram sebos.
e)O ser bibliotecário
Em português, vale uma olhada neste blog. Publica informações úteis aos bibliotecários e profissionais afins, disponibilizando textos jornalísticos, literários, acadêmicos e opinões sobre nossa profissão e áreas correlatas.
f)Imagination
No blogue do Golden Age Comic Book Stories (que possui imagens escaneadas de paleo-quadrinhos e pulp fiction do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça), encontrei algumas imagens de uma revista norte-americana de ficção científica chamada Imagination. Para ver algumas outras imagens, clique na imagem.
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