segunda-feira, 15 de junho de 2009

Telegrama2




Stalker, dirigido por Andrei Tarkovsky foi lançado em 1979. O filme conta a história de dois homens guiados por um terceiro (o tal “Stalker”[1]) para o interior de uma Zona proibida, fechada pelo governo e de acesso controlado por militares. A região foi isolada e suspeita-se da presença de alienígenas. Existe a necessidade de um “Stalker” para levar os dois homens ao interior da Zona: eles conheceriam as manhas para conseguir vencer os obstáculos e armadilhas dispostas pelo caminho. Não quero falar muito sobre o filme, entretanto. Apenas um fato me interessa e este não está na película ou na história. O técnico de som (não estou certo se esta é a tradução mais adequada) Vladimir Sharun acredita que as mortes por câncer de Tarkovsky, sua esposa Larissa e do ator Anatoly Solonitsyn se deveram à contaminação por toxinas no local da filmagem [2]. Próximo a usina hidrelétrica onde se realizaram muitas das tomadas havia uma indústria química que despejava resíduos e expelia poluição. Segundo Sharun, as cenas de precipitação de neve durante o verão e de espuma flutuando na superfície do rio são amostras do veneno a que ficaram expostos.


Sete anos mais tarde, em uma noite da primavera de 1986, uma explosão seguida de incêndio destruiu parte de uma usina nuclear em Chernobyl. Removeram milhares de pessoas das regiões mais próximas ao acidente. Mas o número exato de pessoas mortas ou afetadas pela radiação permanece uma incógnita. Os cálculos do governo russo estimam por “baixo”, desconsiderando muitos dos atingidos indiretos, como bombeiros, “voluntários” para limpeza dos destroços e outras pessoas que passaram pela região. Sabe-se que a quantidade de radiação espalhada foi de 100 a 300 vezes a disseminada pela explosão de Hiroshima. É muito, mas talvez não tanto quanto às centenas de testes nucleares realizados rotineiramente pelas superpotências durante a Guerra Fria.


(Assisti a um documentário com imagens de trabalhadores na perigosíssima e mortal operação de reparos e contenção dos danos realizada nos meses seguintes a explosão. Fizeram uma estimativa de quanto tempo uma pessoa poderia ficar próxima aos escombros altamente radiativos. Impressiona ver os homens correndo para trabalhar por quinze segundos antes de repassar a tarefa para o próximo suicida, que também corre, como num revezamento mortal.)


Tal como no filme, isolaram a área do incidente. Um círculo de trinta quilômetros ao redor da usina é conhecido como “Zona de Exclusão” (Já encontrei o termo Zona de Alienação, que deve ser uma má tradução, mas me pareceu apropriada). A região se tornou o maior depósito de lixo nuclear a céu aberto do mundo. Uma floresta de pinheiros morreu em alguns dias depois da explosão e não pôde ser queimada: a fumaça teria sido radiativa. O círculo de dez quilômetros ao redor da usina é tão radioativo que veículos que adentrem a esta área não podem mais retornar. Parece que os funcionários que precisam vistoriar as cercanias das ruínas chamam a si mesmos de “Stalkers”.


Eu não sou o primeiro a notar estas semelhanças. Já criaram um videogame chamado S.T.A.L.K.E.R, the Shadow of Chernobyl, que desenvolve seu enredo sobre estas linhas. Nunca o joguei, entretanto. Apenas o descobri durante as pesquisas para escrever este post sobre relações entre cinema, radiação e gente que se envenena por motivos profissionais.


* * *

[1]palavra que significa “perseguidor” pelo tradutor do google, mas que um bom e velho dicionário prefere “ato de espreitar durante a caça”, no sentido de aproximação furtiva.
[2]esta história remete à outra, sobre a morte do velho caubói John Wayne. Para um filme sobre Genghis Khan, The Conqueror (1956) foi usado como cenário um deserto próximo a uma região de testes atômicos. Anos mais tarde, assim como alguns atores e outros integrantes da equipe de filmagem, Wayne faleceu de câncer.

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