Além disso, pressinto que ele “conversa” com os estudos do físico americano Yaneer Bam Yam que mencionei na postagem imediatamente anterior. ...Qual a melhor maneira de lidar com os problemas da sociedade? Por processos? Por resultados? Em escala ou em complexidade? E qual desses métodos é mais esquerda ou direita?
A princípio, eu diria que tudo que é autoritário (tanto faz se de esquerda ou de direita) é de escala, e tudo que é milícia, linchadores e blackblocks (tanto faz que é de esquerda ou de direita) são complexidade. Mas eu não sou ninguém, portanto esqueçam-me)
Direita X Esquerda - o retorno
Depois que o muro de Berlim foi partido em
cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey
Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou
que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante,
os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os
laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da história e, como
sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.
Mas o mundo gira, gira e – eis aí um grande
problema de rodar em torno do próprio eixo – voltamos para o mesmo lugar. Se a
história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia,
mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o
tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um
Chicabom sem optar-se por um dos blocos.
Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela
dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria
intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o
que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou
menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao
cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.
Estado e Mercado são apenas a ponta de um
iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos,
gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos,
patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais,
metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos,
cosmogônicos -- e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.
Justamente agora, quando esquerda e
direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações
entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos
acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com
toda a força, como o tubarão de Spielberg.
Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um
boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine
seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas,
digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa
mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é
chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando
inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e
causando inestancáveis verborragias.
A lista é curta e provisória. Outras notas
vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer
evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas
juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.
* * *
A esquerda acha que o homem é bom, mas vai
mal -- e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem -- e
tende a melhorar.
A esquerda acusa a direita de fazer as
coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar
para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer
nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).
Temos trânsito na cidade. O que faz a
direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a
direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está
preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que faz a
esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade.
Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a
direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A
direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são uma maneira de
encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se
dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita.
Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“filosofar é
aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o corpo que tem,
diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a
direita. Neurótica! -- grita a esquerda. Ressentida! -- grita a direita.
A direita vai à academia, porque é
pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é tão
ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de
direita).
Um estudo de direita talvez prove que as
pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do
que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como
uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios
privados geram benefícios públicos -- se encararmos vício privado como o
enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora
de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda).
Um estudo de esquerda talvez prove que o
povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados,
acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga (processo,
holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do
que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus
ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se
endireita”).
Dieta da proteína: direita. Dieta por
pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo.
Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante
sobre os Vigilantes do Peso).
Evidente que, dependendo da época, as
coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e
mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo
for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris).
Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.
As coisas também mudam, dependendo da
perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de
uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de
graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um
generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).
Leão, urso, lobo: direita. Pinguim, grilo,
avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social
democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda.
Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao
mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico
estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa). Lápis:
esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps,
abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação,
animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão).
Liquidificador é de direita. (Maquiavel:
dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da
mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é um
caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de
pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita
-- e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de
esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de
direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é
de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é
de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal
moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita, Fazendinha é de
esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano.
Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.
No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação
precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de
quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de
esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher -- de esquerda).
Vogais são de esquerda, consoantes, de
direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar,
pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e
Freakonomics embaixo do braço. (A trema e a crase acham todo esse debate uma
pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no começo” é de esquerda.
“Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol
é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda.
Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de
direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita
é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita,
partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é
de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron informou que ele
prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para os de direita)
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