segunda-feira, 22 de março de 2010

Zerografia





As gêmeas Olsen (? – 1907)




Dentre as diversas atrações dos espetáculos circenses do século XIX que vagavam pelo interior dos Estados Unidos, uma das mais inesperadas era a presença das irmãs Taureias, Maria Ida e Mariana Adamanteia (é). Segundo os cartazes, Taureias (ê) seriam filhas de Centauros e Sereias; porém não dispunham de partes bestiais [1]. O nome verdadeiro delas evidenciava a origem latino-americana ou mediterrânea. Entretanto, adotaram o sobrenome artístico e escandinavo de “Irmãs Maria Ida e Mariana Olsen”. Para ilustrar sua imagem nos cartazes, usavam uma figura de Rainha de Copas, as tranças cor de feno unidas em um complicado nó central de inspiração mística. Sem dinheiro para as entradas, você talvez espiasse através de um buraco na lona. E então veria as duas. Embora apresentassem quatro membros, todos eram braços: elas não tinham pernas; quatro seios, mas faltavam as bundas; duas cabeças, ausência de culote e quadril e nenhuma vagina. Onde o ventre de uma terminava iniciava o da outra. Elas remetiam àquela serpente de duas cabeças, feita apenas de começos. O espetáculo delas tinha conotações eróticas: quando uma levantava a saia, lá estava a outra, de cabeça para baixo sob a primeira. E então, esta se virava e assim por diante, dando várias cambalhotas de tal forma que o público já não sabia mais onde era em cima ou em baixo. Vai ver, nem elas sabiam. Cantavam em um idioma crioulo misturando sueco, russo, norueguês, espanhol e nahuatl. Ao fim da música, elas tiravam as saias, deixando apenas os corpetes, sobre uma silhueta de poucas curvas. Os velhos vaqueiros ficavam loucos ao ver as duas se sucedendo e sacavam seus revólveres e disparavam para o alto. O apresentador interrompia o tiroteio: mãos abertas e cartucheiras na cintura. Só depois de cessados os tiros, cheiro de pólvora pelo ar, chamava ao palco “El Comanche Borracho”. Surgia então um homem barrigudo em trajes indígenas. As vaias iniciais eram substituídas por risos quando os espectadores percebiam que o homem estava bêbado[2]. Prendiam as duas a uma roda e esta era colocada em movimento. O apresentador pedia silêncio: o número era perigoso e exigia uma grande concentração. Para o índio, o palco era um navio e o mundo, a tempestade. Mas antecipariam o final do espetáculo para você, um empregado do circo o surpreenderia; sem piedade, o jogaria longe depois de uns catiripapos. Apesar dos tapas e tudo mais, ainda assim você se lembraria da beleza estranha delas, daqueles grandes olhos tristes. Eram obrigadas a devorar coco de criança, para que pela outra boca saíssem pétalas. Brigavam muito, por banalidades: era difícil conciliar a vontade de ambas em ficar na posição normal. Em geral, ficavam estiradas em uma rede, lendo revistas francesas. Permaneceriam no Circo Mantecón por muitos anos até a morte do marido em um acidente incomum envolvendo cangurus e borboletas [3]. Segundo os registros históricos, existiram apenas exemplares femininos de taureias. Acredita-se que os masculinos – devido à sua natureza - estrangulam-se dentro do ventre da mãe. Não possuíam umbigo [4] As Olsen foram as últimas irmãs Taureias registradas: faleceram em doze de dezembro de 1907 na cidade do San Juan, México, em idade avançada. Não deixaram filhos.


* * *


(1):
Não confundir com a Taureia (é): criatura similar ao Touro, mas com cauda de baleia, responsável pelo afundamento de inúmeros navios na costa malgaxe. Alguns especialistas consideram a criatura do Oceano Índico uma subespécie do Mermahuatauro, avistada raramente em mares ou céus nórdicos. Ver NADIR, Abu Abdallah Muhamad “Relatos de Naufrágios na Costa Oriental da África: de 1000 a 1500”. Tradução Kawan Zarif; Recife, Editora Nautilus, 1969


(2):
O célebre humanista francês Claude Beau Zeau Klaun (1881-1938) classificaria este riso como um riso de identificação, no qual a audiência reconhece a semelhança do falar e do gestual do palco com aqueles da vida real, sendo em geral paródico e de fundo preconceituoso. Sim, pois como bem se sabe ainda hoje os índios norte-americanos vivem em um processo de degradação social e à margem da sociedade, sendo o alcoolismo e o suicídio resultado comum desta situação. Ver KLAUN, Claude B.Z. “Qual é a graça? Explicando a piada: Por uma explicação e taxonomia do humor”; Tradução Jean Michel Jarret; Rio de Janeiro, Editora Antárctica, 1953


(3):
Para detalhes, ver: INNUIT, Jean Michel & LEDGER, Jonathan Custer “Homeopatia Arqueológica Ártica: memórias do gelo do mundo pré-histórico”, Tradução Aluísio Alonso; Porto Alegre; Editora Globo, 1987.



(4):
A ausência de umbigos ou de registro de outros casos neste século levou à suposição que as Taureias pudessem ser um resultado de uma intervenção cirúrgica radical. Fatos recentes parecem corroborar este ponto de vista. No início da década de 50, um cientista soviético chamado Vladimir Petrovich Demikhov conseguiu transplantar a cabeça, ombros e parte dianteira de um cachorro pequeno em um mastim adulto. Os animais sobreviveram por alguns dias. Durante os quinze anos seguintes, o cientista refez várias vezes o transplante, todavia em nenhum caso os cães sobreviveram por mais de um mês. No início da década de 70, um outro cientista, desta vez o médico norte-americano Robert J. White (posteriormente se tornaria consultor de Bio-ética do Vaticano) promoveu transplantes de cabeças entre macacos Rhesus. Veja o documentário “Dr. White’s Total Body Transplant”, disponível no You Tube ou (mais rápido) leia o conteúdo deste LINK (Via Sedentário & Hiperativo). A repercussão do caso chegou a inspirar filmes de qualidade discutível.
Diante destes fatos escabrosos e amplamente divulgados, chegou-se à uma nova teoria conspiratória, esta tradição tão norte-americana. Suspeita-se que as Taureias pudessem ser fruto de um experimento cirúrgico com a macabra intenção de criar monstros circences. Veja Ortiz, James Wido,”Aberrações Circenses no Oeste Americano após a Guerra da Secessão”, Tradução José Canjica Maupassant; Rio de Janeiro, Rio Gráfica Editora, 1979. Infelizmente, nove metros de lava cobriram o sepulcro delas depois da erupção do vulcão Paricutin em 1952, tornando impossível a verificação atual de tais hipóteses.

















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Links à maneira de Taxi Pluvioso)

2 comentários:

  1. Credo que espectáculo! os americanos sempre tiveram esse apetite por pão circense, actualmente desenrola-se na Casa Branca e chama-se "enterrar a economia mundial", pela dupla BushBarack.

    Conhecia as outras gémeas Olsen, as do cinema e TV, são magras, mas creio que não lhes falta nada, deduzo, nunca experimentei, com alguma pena minha, pois partilhar a cama com pessoa famosa é sempre bom para o currículo. Estou a lembrar-me aí do conterrâneo, Jesus Luz, o DJ que actuou há dias em Portugal e que sacou a Madonna. É, ou era, também um sonho português: sacar uma velha americana rica.

    Os links, abuso deles, mas isto de viver numa sociedade conectada, em que tudo está ligado, obriga-nos a ligações sobre ligações... bfds

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  2. Oi Táxi.

    Pois é, a Madonna tanto fez que acabou ficando com Jesus. De todo o presépio, só deve estar faltando a mulinha e o São José para ela completar a coleção.

    Mas não devemos culpar (só) os BBs pela crise financeira mundial... Ainda há muita gente no mundo achando que dinheiro pode brotar do ar eternamente, sem perigo.

    Obrigado e bfds pra vc também.

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