segunda-feira, 8 de março de 2010

os leopardos







Disseram que tomasse cuidado com os leopardos. Que daqui a 150 anos não haverá leões, ursos, jaguares ou tigres, exceto talvez nos zoológicos ou em algum show de Las Vegas. Mas ainda haverá os leopardos. Dos cinco grandes da África, os leopardos são os mais invisíveis. Escondem-se sobre as árvores, arrastam suas vítimas para cima dos galhos, que penduradas pelas presas, lembram santos em martírio. Caçam à noite, nos eclipses, e quando quilômetros de espessura das nuvens bloqueiam a luz do sol e da lua e a enxurrada abafa os gritos, os passos, os rugidos. Durante o dia também matam, apenas para lembrar que podem. Não se engane por sua beleza prostituída em calcinhas e sutiãs de senhoras que se acreditam mocinhas, os fios prateados cobertos por tintura loira, as dobras esticadas por veneno botulínico: se os leões são reis e os tigres, imperadores, os leopardos são os carrascos; após a queda, as cabeças dos regentes decoram a sala de troféus dos novos ocupantes do trono; entretanto, o leopardo permanece em seu cargo, um executor a afiar suas garras. As leoas trabalham em grupo, para emboscar e surpreender suas vitimas. Os tigres afamam-se por serem caçadores de homens, quebram o pescoço em um único golpe. Os leopardos não são tão fortes: primeiro pulam o muro e matam a cadela de guarda; depois, aproveitam a janela aberta pelo calor, ou escondem-se na garagem ou no celeiro ou entre os galhos da mangueira, esperando o descuido que os permita invadir a casa; escondem-se na cozinha, no calorzinho detrás da geladeira, ou sob a cama, ou atrás do sofá: Os leopardos preferem as crianças no berço, mas se não houver nenhuma, então rastrearão as mulheres pelo cheiro de suas menstruações. Mas as mulheres são difíceis, sempre desconfiam de algo, arrumarão uma desculpa, como visitar a mãe ou o amante. Então os leopardos esperam a noite para sufocá-lo, presas na garganta, você tenta reagir, procura o crachá, a carteira, usar o celular, despertar sua esposa, mas ela não está lá. Depois de matá-lo, o animal o arrasta para o devorar entre os galhos da mangueira. O som não é de frutos caindo. O leopardo não precisa do Natal; se acreditasse, sentiria-se como uma criança abrindo o presente sob a árvore.

A presa era indigesta, o leopardo sente-se desconfortável, ofega, as moscas rodeiam a boca e os olhos. O bicho mal consegue sustentar sua barriga. Pesado, decide dormir na cama de sua vítima. A mulher retorna da casa do amante ou da mãe. Está irritada: ou o amante não fora eficiente ou a presença sufocante dos parentes a fez sentir enjaulada. Está escuro, e o leopardo ainda tem o cheiro do marido. Confunde o zumbir das varejeiras com o ronco do sono. Pobrezinho, tão cansado. Despe-se e deita junto a ele.

A mulher convence o leopardo que precisam comprar uma cadela para substituir a outra. É preciso pensar no filho que ainda virá.









(Turn (2008): Quadro do finlandês Samuli Heimonen.)

4 comentários:

  1. É tão precisa e minuciosa a descrição do comportamento dos leopardos, impossível de ser contestada porque é completa, que me veio à cabeça chamar de "leopardos" os nossos políticos, de uma precisão de bote e de impedimento de defesa das vítimas que os torna o único tipo humano com as qualificações do animal.

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  2. Oi Antônio.

    Obrigado pelo comentário.

    Para políticos, teria preferido usar carrapatos e pulgas... Também são precisos em seus botes e mesmo que você consiga se livrar deles, já sugaram seu sangue, transmitiram malária, dengue ou coisa pior.

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    Vale saber algo mais sobre os Leopardos. Trecho extraído de "Monstros de Deus", livros de David Quammem, sobre a situação atual de algum dos grandes predadores no mundo:

    "No distrito de Bhagalpur ao longo do baixo Ganges, diz-se que leopardos mataram 350 pessoas entre 1959 e 1962. O leopardo devorador de homens que Corbett caçou (...) no fim dos anos 20 tomara pelo menos 125 vítimas humanas. Mesmo em tempos recentes, o problema é sério. De 1982 a 1989, segundo um cálculo, leopardos mataram 170 pessoas na Índia. Só na Grande Bombaim (...), houve 14 ataques fatais ao lonfo dos dez anos que terminaram em 1996."


    Abs

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  3. Estou convencido que, no futuro, com o material genético guardado, quando um cidadão de posses económicas quiser ver um leão ou um elefante, telefona para o zoo, e eles, "fabricam" o animal a partir do ADN, para o cidadão rico e família passarem uma tarde agradável. Depois o animal clonado é incinerado. Os pobres? bom, esses vêem fotos, como sempre.

    Meti este blog nos links do meu. Operação complicada, pois o computador ainda se ressente de um ataque viral, mas saiu tudo bem. boa semana

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  4. Oi Táxi,

    Não duvido nada que aconteça isto.

    Este livro do David Quammem prevê que, em 150 anos, já não haverá mais grandes predadores na Terra. Estes animais não são "úteis" ao homem, demandam um território enorme (e estamos pressionando cada vez mais por terra pra agricultura ou conjuntos habitacionais), e ainda por cima ameaçam ao próprio homem que estiver bobeando perto deles.

    Alguns biólogos de espírito-capitalista acreditam que a única opção pra estes bichos seria liberar a caça. Economicamente viável, sem dúvida. Mas MUITO discutível.

    (Afinal, só por ser economicamente viável, não poderíamos liberar simplesmente o uso de drogas, bebidas, pedofilias, escravidão... Poderíamos?)

    Abs

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