quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

arruda não arreda elefantes




Não é mole deixar os elefantes fora de nosso quintal. Tentamos cercas elétricas, pendurar saquinhos transparente com água, apanhadores de sonhos, rodear a propriedade com sal grosso, móbiles com CDs velhos, rádios tocando o hino nacional, folha de arruda atrás da orelha. Deixamos sinos de vento na varanda e quando escutamos o som oco do bambu acordamos apavorados. Pois quando os elefantes vêm, abanando suas orelhas enormes, provocam uma brisa própria de sua aproximação. Nós nos arredamos dali: só há tempo de pegar as crianças e recolher o cão (a esta altura, já late entre desesperado e valente) da coleira, jogamos nossos filhos na caçamba da picape e, se isto fosse filme, sairíamos cantando os pneus. Ficamos no alto de um morro, de meias, pijamas, lençóis e bichos de pelúcia. Acompanhamos os urros e o som de suas patas sem dedos esmagarem nosso fusca e nossa tv de plasma. A fiação irrompe em faíscas de onde nasce o incêndio e vemos o contorno das trombas como periscópios e serpentes sondando o ar. Procuram o cheiro de nosso medo. As crianças acomodam-se e dormem finalmente. Ficamos nós dois ouvindo a destruição de tudo e o brilho dourado e quente de nosso doce lar no meio da escuridão do bosque. E pensamos no elefante e ficamos a imaginar sua tromba mole, flácida e cheia de dobras e rugas como um prepúcio velho e mole, ombreado pelas rijas presas eretas de osso. Enquanto a mim aflige a violência, minha mulher ressente-se pela impotência. No amanhecer retornamos a nossa casa esperando encontrar escombros, mas lá foi erguido um palacete de mármore, com escritura falsa e garagem para seis veículos importados e uma lancha. Nossa chave não consegue abrir os portões e tocamos o interfone. Um empregado de turbante nos informa que deve haver algum engano, nos mostra os documentos e o nome do governador ou de seus amigos assinados neles e, finalmente, a imobiliária que vendeu-lhes o terreno: Marajá Incorporações. Ele sorri muito e notamos que seus dentes amarelos são de marfim. Sugere procurarmos um advogado. Hoje moramos em um depósito de lixo e repartimos o que encontramos com os abutres, os vira-latas, as gaivotas e outros elefantes. Ao pôr do sol, reunimo-nos todos na beira do mar, esperando o fim, no fim.










(Photo8)

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