"UMA COISA ESTRANHA sobre a lâmpada elétrica é ter virado
sinônimo de “gênio” da teoria de inovação – um único inventor criando uma única
coisa, num momento de súbita inspiração –, enquanto a verdadeira história por
trás de sua criação compõe um quadro explicativo bem diferente, o modelo de
inovação num sistema de trabalho em conjunto. Sim, a lâmpada marcou um limite
na história da inovação, mas por razões bem diferentes. Seria forçar a barra
dizer que a lâmpada foi criada por um mutirão, mas afirmar que um único homem
chamado Thomas Edison a inventou é uma distorção ainda mais grave.
A história tradicional é mais ou menos assim: depois de um
triunfante começo de carreira inventando o fonógrafo e o registrador de
cotações (stock ticker) aos trinta
anos de idade, Edison passou alguns meses fazendo uma turnê pelo Oeste
americano – talvez não por coincidência uma região bem mais escura à noite que
as ruas iluminadas a gás de Nova York e Nova Jersey. Dois dias depois de voltar
a seu laboratório em Menlo Park, em agosto de 1878, Edison desenhou três
diagramas em seu caderno de anotações, chamando-os de “luz elétrica”. Em 1879,
ele apresentou um pedido de patente para uma “lâmpada elétrica” que exibia
todas as principais características do bulbo que hoje conhecemos. No final de
1882, a empresa de Edison estava produzindo luz elétrica para todo o distrito
de Pearl Street, na baixa Manhattan.
Essa é uma emocionante história de invenção. O jovem bruxo
de Menlo Park tem um lampejo de inspiração, e em poucos anos sua ideia ilumina
o mundo todo. O problema é que a luz incandescente já tinha sido inventada
oitenta anos antes de Edison voltar sua atenção para o problema. Uma lâmpada
envolve três elementos fundamentais: uma espécie de filamento que brilha quando
a corrente elétrica o percorre, um mecanismo que impede o filamento de queimar
muito depressa e uma fonte de energia elétrica para dar início à reação. Em
1802, o químico britânico Humphry Davy anexou um filamento de platina a uma
primitiva bateria elétrica, fazendo com que queimasse durante alguns minutos.
Lá pela década de 1840, dezenas de inventores independentes trabalhavam em
variações da lâmpada elétrica. A primeira patente foi concedida em 1841 a um
inglês chamado Frederick de Moleyns. O historiador Arthur A. Bright compilou
uma lista de inventores parciais da lâmpada, chegando até o triunfo de Edison
no final dos anos 1870.
Pelo menos metade dos homens havia chegado à fórmula básica
que Edison afinal elaborou: um filamento de carbono suspenso no vácuo para
evitar a oxidação, impedindo assim que o filamento queimasse muito depressa. Na
verdade, quando enfim começou a mexer com a lâmpada elétrica, Edison passou
meses trabalhando num sistema de retroalimentação para regular o fluxo de
eletricidade de modo a evitar a fusão, antes de abandonar essa abordagem em
favor do vácuo, embora quase a metade de seus antecessores já tivesse elegido o
vácuo como o melhor ambiente para o brilho contínuo.
A lâmpada foi o tipo de inovação que juntou partes ao longo
de décadas. Não houve um momento eureca na história da lâmpada. Quando Edison
apertou o botão na estação de Pearl Street, um punhado de outras empresas já
vendia seus próprios modelos de lâmpadas elétricas incandescentes. O inventor
britânico Joseph Swan tinha iniciado a iluminação de casas e teatros no ano
anterior. Edison inventou a lâmpada da mesma forma que Steve Jobs inventou o
MP3 player: não foi o criador original, mas o primeiro a fazer algo que
conquistou o mercado.
Então, por que Edison ficou com todo o crédito? É tentador
usar o mesmo elogio ambíguo que muitos fazem a Steve Jobs: o de ser um mestre
do marketing e das relações públicas. É verdade que Edison tinha um
relacionamento muito próximo com a imprensa nesse momento de sua carreira. (Pelo
menos em uma ocasião ele trocou ações de sua empresa com um jornalista a fim de
obter melhor cobertura da imprensa.) Edison foi também um mestre do que hoje
chamaríamos de “vaporware”: ele
anunciava produtos inexistentes para assustar os concorrentes. Poucos meses
depois de ter começado a trabalhar na luz elétrica, Edison declarou aos
repórteres dos jornais de Nova York que o problema fora resolvido, que ele
estava prestes a lançar um sistema nacional da mágica luz elétrica. Um sistema
tão simples, dizia ele, “que um engraxate pode entender”.
Apesar dessa bravata, o fato é que os melhores exemplares de
luz elétrica do laboratório de Edison não duravam cinco minutos. Isso não o
impediu de convidar a imprensa ao laboratório de Menlo Park para ver sua
lâmpada revolucionária. Edison levava um repórter de cada vez, ligava a chave
de uma lâmpada e deixava o repórter curtir a luz por três ou quatro minutos
antes de indicar a porta de saída. Quando o repórter perguntava quanto tempo
suas lâmpadas durariam, ele respondia com confiança: “Para sempre, quase.”
Apesar de todo esse blefe, Edison e sua equipe conseguiram
fazer um produto mágico e revolucionário, como o marketing da Apple teria
definido a lâmpada Edison. Publicidade e marketing levam tudo mais longe. Em
1882, Edison havia produzido uma lâmpada que decididamente superava a de seus
concorrentes, assim como o iPod superou os MP3 players rivais nos primeiros
anos.
Em parte, a “invenção” da lâmpada de Edison não veio de uma
grande ideia original, e sim do fato de ele ter suado nos detalhes. (Sua famosa
piada sobre a invenção ser 1% inspiração e 99% transpiração se aplica muito bem
a suas aventuras com a luz artificial.) Talvez a única contribuição mais
significativa de Edison para a lâmpada elétrica tenha sido o filamento de bambu
carbonizado que acabou implantando. Ele desperdiçou pelo menos um ano tentando
fazer a platina funcionar como filamento, mas aquele era um material muito caro
e propenso a derreter. Quando afinal abandonou a platina, Edison e sua equipe passaram
por um verdadeiro jardim botânico de diferentes materiais: “celuloide, aparas
de madeira (bucho, abeto, nogueira, caoba, cedro, pau-rosa e até bordo),
madeira podre e seca, cortiça, linho, cerdas, casca de coco e uma variedade de
papéis.”Depois de um ano de experimentação, o bambu surgiu como a substância
mais durável, dando início a um dos capítulos mais estranhos da história do
comércio global.
Edison enviou uma série de emissários de Menlo Park para
vasculhar o planeta em busca do bambu mais incandescente no mundo natural. Um
dos representantes percorreu 3 mil quilômetros de rios no Brasil. Outro viajou
para Cuba, onde logo foi abatido pela febre amarela e morreu. Um terceiro
representante, chamado William Moore, aventurou-se na China e no Japão, onde
fez um acordo com um fazendeiro local para fornecimento do bambu mais forte que
os assistentes de Menlo Park haviam encontrado. O acordo continuou cumprido por
muitos anos, fornecendo os filamentos que iluminavam salões em todo o mundo.
Edison não inventou a lâmpada, mas inaugurou uma tradição que seria vital na
inovação moderna: empresas de eletrônicos americanas importando partes de seus
componentes da Ásia. A única diferença é que, na época de Edison, a fábrica
asiática era uma floresta.
Outro ingrediente-chave para o sucesso de Edison estava no
time que ele reuniu em Menlo Park, memoravelmente conhecido como “os
cafajestes”. Os cafajestes eram bem diversificados, tanto em termos de
especialização profissional quanto de nacionalidade: o mecânico britânico
Charles Batchelor, o maquinista suíço John Kruesi, o físico e matemático
Francis Upton e uma dúzia de desenhistas, químicos e metalúrgicos. Como a
lâmpada de Edison era menos uma invenção original que uma bricolagem de
pequenas melhorias, a diversidade da equipe acabou sendo uma vantagem essencial
para o inventor.
Resolver o problema do filamento, por exemplo, exigiu uma
compreensão científica da resistência elétrica e da oxidação que Upton
fornecia, complementando o estilo mais inculto e intuitivo de Edison; e foram
as improvisações mecânicas de Batchelor que permitiram testar tantos candidatos
diferentes para o filamento. Menlo Park marcou o início de uma forma de
organização que viria a predominar no século XX: o laboratório de pesquisa e
desenvolvimento interdisciplinar. Nesse sentido, as ideias transformadoras e as
tecnologias geradas em lugares como a Bell Labs e a Xerox-Parc têm raiz na
oficina de Edison. Ele não apenas inventou a tecnologia, criou todo um sistema
de invenção, um sistema que viria a dominar a indústria do século XX.
Edison também ajudou a inaugurar outra tradição que se
tornaria vital para a inovação contemporânea de alta tecnologia: pagar seus
funcionários com dividendos, e não apenas em dinheiro. Em 1879, em meio às
pesquisas mais frenéticas para a lâmpada, Edison ofereceu a Francis Upton ações
no valor de 5% da Edison Electric Light Company – embora ele tivesse de
renunciar a seu salário de US$ 600 por ano. Upton relutou em aceitar a
proposta, mas afinal decidiu receber as ações, apesar das objeções do pai, mais
conservador em termos fiscais. Até o final do ano, o aumento do valor das ações
da Edison significava que seu patrimônio já valia US$ 10 mil, mais de US$ 1
milhão em moeda atual. Sem qualquer delicadeza, Upton escreveu ao pai: “Não
consigo deixar de rir quando penso quão tímido você era em casa.”
Sem dúvida, Edison foi um verdadeiro gênio, uma figura de
destaque na inovação do século XIX. No entanto, como a história da lâmpada
deixa claro, temos entendido mal esse gênio ao longo da história. Sua maior
conquista pode ter sido a maneira que descobriu para tornar as equipes mais
criativas, agregando diversas habilidades num ambiente de trabalho que
valorizava a experimentação e aceitava os erros, incentivando o grupo com recompensas
financeiras alinhadas ao sucesso global da organização, e com base em ideias
originadas em outro local. “Não me sinto muito impressionado com os grandes
nomes e reputações de quem pode estar tentando me vencer numa invenção. … São
suas ‘ideias’ que me interessam”, disse Edison em uma das suas famosas
declarações. “Sou corretamente descrito como ‘mais uma esponja que um
inventor’.”
A lâmpada foi produto de inovação em rede, e por isso é
justo que a realidade da luz elétrica, em última instância, tenha se revelado
mais como rede ou sistema que como entidade única. A verdadeira vitória de
Edison não veio com o filamento de bambu incandescente no vácuo, chegou com a
iluminação do distrito de Pearl Street, dois anos depois. Para que isso
acontecesse, era necessário inventar a lâmpada, sim, mas também era preciso uma
fonte de corrente elétrica confiável, um sistema de distribuição de corrente
que abrangesse a localidade, um mecanismo para conectar as lâmpadas individuais
à rede e um medidor para auferir a quantidade de eletricidade utilizada em cada
casa. Uma lâmpada por si só é uma curiosidade, algo para deslumbrar os
repórteres. O que Edison e seus aventureiros criaram era muito maior que isso:
uma rede de múltiplas inovações, todas ligadas entre si para tornar a magia da
luz elétrica segura e acessível.
Por que deveríamos nos importar se Edison inventou a lâmpada
agindo como gênio solitário ou como parte de uma rede mais ampla? Para começar,
se a invenção da lâmpada é uma história ilustrativa de como novas tecnologias
passam a existir, seria preciso construir uma narrativa verídica. A questão,
todavia, vai além de apenas obter os fatos de forma correta, pois há
implicações sociais e políticas em histórias desse tipo. Sabemos que um motor
essencial do progresso e dos padrões de vida é a inovação tecnológica. Sabemos
que queremos incentivar as tendências que nos levaram dos dez minutos de luz
artificial com uma hora de salário para trezentos dias. Se pensarmos que a
inovação vem de um gênio solitário, de criar uma nova tecnologia a partir do
zero, esse modelo nos leva naturalmente a determinadas decisões políticas, como
uma proteção de patente mais forte. No entanto, se pensarmos que a inovação sai
de redes colaborativas, é preferível apoiar diferentes políticas e formas
organizacionais: leis de patente menos rígidas, normas abertas, participação de
funcionários nos programas de ações, conexões interdisciplinares. A lâmpada faz
a luz iluminar melhor nossa leitura de cabeceira; nos ajuda a ver mais
claramente o caminho para o nascimento de novas ideias e como cultivá-las numa
sociedade."
Como chegamos até aqui – Steven Johnson – Editora Zahar
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