segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Telegrama







"UMA COISA ESTRANHA sobre a lâmpada elétrica é ter virado sinônimo de “gênio” da teoria de inovação – um único inventor criando uma única coisa, num momento de súbita inspiração –, enquanto a verdadeira história por trás de sua criação compõe um quadro explicativo bem diferente, o modelo de inovação num sistema de trabalho em conjunto. Sim, a lâmpada marcou um limite na história da inovação, mas por razões bem diferentes. Seria forçar a barra dizer que a lâmpada foi criada por um mutirão, mas afirmar que um único homem chamado Thomas Edison a inventou é uma distorção ainda mais grave.

A história tradicional é mais ou menos assim: depois de um triunfante começo de carreira inventando o fonógrafo e o registrador de cotações (stock ticker) aos trinta anos de idade, Edison passou alguns meses fazendo uma turnê pelo Oeste americano – talvez não por coincidência uma região bem mais escura à noite que as ruas iluminadas a gás de Nova York e Nova Jersey. Dois dias depois de voltar a seu laboratório em Menlo Park, em agosto de 1878, Edison desenhou três diagramas em seu caderno de anotações, chamando-os de “luz elétrica”. Em 1879, ele apresentou um pedido de patente para uma “lâmpada elétrica” que exibia todas as principais características do bulbo que hoje conhecemos. No final de 1882, a empresa de Edison estava produzindo luz elétrica para todo o distrito de Pearl Street, na baixa Manhattan.

Essa é uma emocionante história de invenção. O jovem bruxo de Menlo Park tem um lampejo de inspiração, e em poucos anos sua ideia ilumina o mundo todo. O problema é que a luz incandescente já tinha sido inventada oitenta anos antes de Edison voltar sua atenção para o problema. Uma lâmpada envolve três elementos fundamentais: uma espécie de filamento que brilha quando a corrente elétrica o percorre, um mecanismo que impede o filamento de queimar muito depressa e uma fonte de energia elétrica para dar início à reação. Em 1802, o químico britânico Humphry Davy anexou um filamento de platina a uma primitiva bateria elétrica, fazendo com que queimasse durante alguns minutos. Lá pela década de 1840, dezenas de inventores independentes trabalhavam em variações da lâmpada elétrica. A primeira patente foi concedida em 1841 a um inglês chamado Frederick de Moleyns. O historiador Arthur A. Bright compilou uma lista de inventores parciais da lâmpada, chegando até o triunfo de Edison no final dos anos 1870.

Pelo menos metade dos homens havia chegado à fórmula básica que Edison afinal elaborou: um filamento de carbono suspenso no vácuo para evitar a oxidação, impedindo assim que o filamento queimasse muito depressa. Na verdade, quando enfim começou a mexer com a lâmpada elétrica, Edison passou meses trabalhando num sistema de retroalimentação para regular o fluxo de eletricidade de modo a evitar a fusão, antes de abandonar essa abordagem em favor do vácuo, embora quase a metade de seus antecessores já tivesse elegido o vácuo como o melhor ambiente para o brilho contínuo.

A lâmpada foi o tipo de inovação que juntou partes ao longo de décadas. Não houve um momento eureca na história da lâmpada. Quando Edison apertou o botão na estação de Pearl Street, um punhado de outras empresas já vendia seus próprios modelos de lâmpadas elétricas incandescentes. O inventor britânico Joseph Swan tinha iniciado a iluminação de casas e teatros no ano anterior. Edison inventou a lâmpada da mesma forma que Steve Jobs inventou o MP3 player: não foi o criador original, mas o primeiro a fazer algo que conquistou o mercado.

Então, por que Edison ficou com todo o crédito? É tentador usar o mesmo elogio ambíguo que muitos fazem a Steve Jobs: o de ser um mestre do marketing e das relações públicas. É verdade que Edison tinha um relacionamento muito próximo com a imprensa nesse momento de sua carreira. (Pelo menos em uma ocasião ele trocou ações de sua empresa com um jornalista a fim de obter melhor cobertura da imprensa.) Edison foi também um mestre do que hoje chamaríamos de “vaporware”: ele anunciava produtos inexistentes para assustar os concorrentes. Poucos meses depois de ter começado a trabalhar na luz elétrica, Edison declarou aos repórteres dos jornais de Nova York que o problema fora resolvido, que ele estava prestes a lançar um sistema nacional da mágica luz elétrica. Um sistema tão simples, dizia ele, “que um engraxate pode entender”.

Apesar dessa bravata, o fato é que os melhores exemplares de luz elétrica do laboratório de Edison não duravam cinco minutos. Isso não o impediu de convidar a imprensa ao laboratório de Menlo Park para ver sua lâmpada revolucionária. Edison levava um repórter de cada vez, ligava a chave de uma lâmpada e deixava o repórter curtir a luz por três ou quatro minutos antes de indicar a porta de saída. Quando o repórter perguntava quanto tempo suas lâmpadas durariam, ele respondia com confiança: “Para sempre, quase.”

Apesar de todo esse blefe, Edison e sua equipe conseguiram fazer um produto mágico e revolucionário, como o marketing da Apple teria definido a lâmpada Edison. Publicidade e marketing levam tudo mais longe. Em 1882, Edison havia produzido uma lâmpada que decididamente superava a de seus concorrentes, assim como o iPod superou os MP3 players rivais nos primeiros anos.
Em parte, a “invenção” da lâmpada de Edison não veio de uma grande ideia original, e sim do fato de ele ter suado nos detalhes. (Sua famosa piada sobre a invenção ser 1% inspiração e 99% transpiração se aplica muito bem a suas aventuras com a luz artificial.) Talvez a única contribuição mais significativa de Edison para a lâmpada elétrica tenha sido o filamento de bambu carbonizado que acabou implantando. Ele desperdiçou pelo menos um ano tentando fazer a platina funcionar como filamento, mas aquele era um material muito caro e propenso a derreter. Quando afinal abandonou a platina, Edison e sua equipe passaram por um verdadeiro jardim botânico de diferentes materiais: “celuloide, aparas de madeira (bucho, abeto, nogueira, caoba, cedro, pau-rosa e até bordo), madeira podre e seca, cortiça, linho, cerdas, casca de coco e uma variedade de papéis.”Depois de um ano de experimentação, o bambu surgiu como a substância mais durável, dando início a um dos capítulos mais estranhos da história do comércio global.

Edison enviou uma série de emissários de Menlo Park para vasculhar o planeta em busca do bambu mais incandescente no mundo natural. Um dos representantes percorreu 3 mil quilômetros de rios no Brasil. Outro viajou para Cuba, onde logo foi abatido pela febre amarela e morreu. Um terceiro representante, chamado William Moore, aventurou-se na China e no Japão, onde fez um acordo com um fazendeiro local para fornecimento do bambu mais forte que os assistentes de Menlo Park haviam encontrado. O acordo continuou cumprido por muitos anos, fornecendo os filamentos que iluminavam salões em todo o mundo. Edison não inventou a lâmpada, mas inaugurou uma tradição que seria vital na inovação moderna: empresas de eletrônicos americanas importando partes de seus componentes da Ásia. A única diferença é que, na época de Edison, a fábrica asiática era uma floresta.

Outro ingrediente-chave para o sucesso de Edison estava no time que ele reuniu em Menlo Park, memoravelmente conhecido como “os cafajestes”. Os cafajestes eram bem diversificados, tanto em termos de especialização profissional quanto de nacionalidade: o mecânico britânico Charles Batchelor, o maquinista suíço John Kruesi, o físico e matemático Francis Upton e uma dúzia de desenhistas, químicos e metalúrgicos. Como a lâmpada de Edison era menos uma invenção original que uma bricolagem de pequenas melhorias, a diversidade da equipe acabou sendo uma vantagem essencial para o inventor.

Resolver o problema do filamento, por exemplo, exigiu uma compreensão científica da resistência elétrica e da oxidação que Upton fornecia, complementando o estilo mais inculto e intuitivo de Edison; e foram as improvisações mecânicas de Batchelor que permitiram testar tantos candidatos diferentes para o filamento. Menlo Park marcou o início de uma forma de organização que viria a predominar no século XX: o laboratório de pesquisa e desenvolvimento interdisciplinar. Nesse sentido, as ideias transformadoras e as tecnologias geradas em lugares como a Bell Labs e a Xerox-Parc têm raiz na oficina de Edison. Ele não apenas inventou a tecnologia, criou todo um sistema de invenção, um sistema que viria a dominar a indústria do século XX.

Edison também ajudou a inaugurar outra tradição que se tornaria vital para a inovação contemporânea de alta tecnologia: pagar seus funcionários com dividendos, e não apenas em dinheiro. Em 1879, em meio às pesquisas mais frenéticas para a lâmpada, Edison ofereceu a Francis Upton ações no valor de 5% da Edison Electric Light Company – embora ele tivesse de renunciar a seu salário de US$ 600 por ano. Upton relutou em aceitar a proposta, mas afinal decidiu receber as ações, apesar das objeções do pai, mais conservador em termos fiscais. Até o final do ano, o aumento do valor das ações da Edison significava que seu patrimônio já valia US$ 10 mil, mais de US$ 1 milhão em moeda atual. Sem qualquer delicadeza, Upton escreveu ao pai: “Não consigo deixar de rir quando penso quão tímido você era em casa.”

Sem dúvida, Edison foi um verdadeiro gênio, uma figura de destaque na inovação do século XIX. No entanto, como a história da lâmpada deixa claro, temos entendido mal esse gênio ao longo da história. Sua maior conquista pode ter sido a maneira que descobriu para tornar as equipes mais criativas, agregando diversas habilidades num ambiente de trabalho que valorizava a experimentação e aceitava os erros, incentivando o grupo com recompensas financeiras alinhadas ao sucesso global da organização, e com base em ideias originadas em outro local. “Não me sinto muito impressionado com os grandes nomes e reputações de quem pode estar tentando me vencer numa invenção. … São suas ‘ideias’ que me interessam”, disse Edison em uma das suas famosas declarações. “Sou corretamente descrito como ‘mais uma esponja que um inventor’.”

A lâmpada foi produto de inovação em rede, e por isso é justo que a realidade da luz elétrica, em última instância, tenha se revelado mais como rede ou sistema que como entidade única. A verdadeira vitória de Edison não veio com o filamento de bambu incandescente no vácuo, chegou com a iluminação do distrito de Pearl Street, dois anos depois. Para que isso acontecesse, era necessário inventar a lâmpada, sim, mas também era preciso uma fonte de corrente elétrica confiável, um sistema de distribuição de corrente que abrangesse a localidade, um mecanismo para conectar as lâmpadas individuais à rede e um medidor para auferir a quantidade de eletricidade utilizada em cada casa. Uma lâmpada por si só é uma curiosidade, algo para deslumbrar os repórteres. O que Edison e seus aventureiros criaram era muito maior que isso: uma rede de múltiplas inovações, todas ligadas entre si para tornar a magia da luz elétrica segura e acessível.

Por que deveríamos nos importar se Edison inventou a lâmpada agindo como gênio solitário ou como parte de uma rede mais ampla? Para começar, se a invenção da lâmpada é uma história ilustrativa de como novas tecnologias passam a existir, seria preciso construir uma narrativa verídica. A questão, todavia, vai além de apenas obter os fatos de forma correta, pois há implicações sociais e políticas em histórias desse tipo. Sabemos que um motor essencial do progresso e dos padrões de vida é a inovação tecnológica. Sabemos que queremos incentivar as tendências que nos levaram dos dez minutos de luz artificial com uma hora de salário para trezentos dias. Se pensarmos que a inovação vem de um gênio solitário, de criar uma nova tecnologia a partir do zero, esse modelo nos leva naturalmente a determinadas decisões políticas, como uma proteção de patente mais forte. No entanto, se pensarmos que a inovação sai de redes colaborativas, é preferível apoiar diferentes políticas e formas organizacionais: leis de patente menos rígidas, normas abertas, participação de funcionários nos programas de ações, conexões interdisciplinares. A lâmpada faz a luz iluminar melhor nossa leitura de cabeceira; nos ajuda a ver mais claramente o caminho para o nascimento de novas ideias e como cultivá-las numa sociedade."

Como chegamos até aqui – Steven Johnson – Editora Zahar

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