Se isto tudo acontecesse
hoje, haveria registros mais precisos; porém estes estariam perdidos na rede em
links suspeitos para sites carregados de vírus e cavalos de troia. Como não
acontece mais e sempre foi raro, há poucas informações sólidas. Um caderno
dentro de um baú em uma casa prestes a ser demolida para dar lugar às obras das
olimpíadas. Uma fotografia cor de barro de um soldado colonial do Império
Britânico. No sonho lisérgico de uma jovem primatologista. Um pedinte cego
contador de histórias nas ruas de Zanzibar. Esta versão, sem dúvida a mais
tosca, é a de um húngaro, artista circense, que antes de enlouquecer e degolar
sua esposa e filhos no Mato Grosso viveu oito anos na África Central
acompanhando o pai, na ocasião correspondente de guerra e espião soviético. O
homem, que já tivera um bigode diariamente aparado, contou a seus companheiros
de cela, mais ou menos, nos seguintes termos:
“Naquelas montanhas vive uma
espécie de gorila arredia ao homem. São essencialmente vegetarianos mas
conseguem fazer de osso graveto e são evitados pelos negros. Os caçadores
ilegais perseguem-nos com alguns objetivos: venda a zoológicos, venda a
colecionadores, venda a circos, venda de suas partes a feiticeiros, venda de
suas partes a indústria medicinal chinesa, ou por qualquer outro motivo que
lhes der na telha.
Quando as conjunturas
permitem um dos gorilas do bando cai vítima de febre forte. Os demais membros
urram e batem no peito, enquanto as fêmeas se afastam com os filhotes e esperam
tudo se acalmar à distância segura. Nenhum dos machos, nem o alfa, nem os
próximos na cadeia sucessória do grupo se aproxima muito do febril. Gritam e
vociferam expondo seus dentes, mas ninguém ousa perturbar o feio adormecido.
É mais fácil imaginar um
crescimento repentino do que um esvaziamento. Mas é isto que lhe ocorre durante
aquele dia: como um bulímico, a criatura vomita e evacua seu conteúdo interno
sobre o mato e a pele sobra sobre os ossos. Em pouco tempo, este emagrece e
quando desperta e abre o couro para revelar dentro dele um homem branco de
aspecto semicivilizado. Os cabelos lisos e castanhos e a barba rala sugerem uma
rebeldia cristã ou hippie. Ele tenta se expressar com um gentil Boa Noite, mas
logo os demais primatas se arremessam contra ele e o massacram como se o pobre
Mango houvesse roubado um cavalo. Na manhã seguinte, encontram-se restos e um
passaporte britânico sobre a lama da floresta.”
(foto de Patrick Gries, Evolution Conto publicado na revista Flaubert)
(foto de Patrick Gries, Evolution Conto publicado na revista Flaubert)
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