segunda-feira, 1 de setembro de 2014

mango






Se isto tudo acontecesse hoje, haveria registros mais precisos; porém estes estariam perdidos na rede em links suspeitos para sites carregados de vírus e cavalos de troia. Como não acontece mais e sempre foi raro, há poucas informações sólidas. Um caderno dentro de um baú em uma casa prestes a ser demolida para dar lugar às obras das olimpíadas. Uma fotografia cor de barro de um soldado colonial do Império Britânico. No sonho lisérgico de uma jovem primatologista. Um pedinte cego contador de histórias nas ruas de Zanzibar. Esta versão, sem dúvida a mais tosca, é a de um húngaro, artista circense, que antes de enlouquecer e degolar sua esposa e filhos no Mato Grosso viveu oito anos na África Central acompanhando o pai, na ocasião correspondente de guerra e espião soviético. O homem, que já tivera um bigode diariamente aparado, contou a seus companheiros de cela, mais ou menos, nos seguintes termos:

“Naquelas montanhas vive uma espécie de gorila arredia ao homem. São essencialmente vegetarianos mas conseguem fazer de osso graveto e são evitados pelos negros. Os caçadores ilegais perseguem-nos com alguns objetivos: venda a zoológicos, venda a colecionadores, venda a circos, venda de suas partes a feiticeiros, venda de suas partes a indústria medicinal chinesa, ou por qualquer outro motivo que lhes der na telha.

Quando as conjunturas permitem um dos gorilas do bando cai vítima de febre forte. Os demais membros urram e batem no peito, enquanto as fêmeas se afastam com os filhotes e esperam tudo se acalmar à distância segura. Nenhum dos machos, nem o alfa, nem os próximos na cadeia sucessória do grupo se aproxima muito do febril. Gritam e vociferam expondo seus dentes, mas ninguém ousa perturbar o feio adormecido.

É mais fácil imaginar um crescimento repentino do que um esvaziamento. Mas é isto que lhe ocorre durante aquele dia: como um bulímico, a criatura vomita e evacua seu conteúdo interno sobre o mato e a pele sobra sobre os ossos. Em pouco tempo, este emagrece e quando desperta e abre o couro para revelar dentro dele um homem branco de aspecto semicivilizado. Os cabelos lisos e castanhos e a barba rala sugerem uma rebeldia cristã ou hippie. Ele tenta se expressar com um gentil Boa Noite, mas logo os demais primatas se arremessam contra ele e o massacram como se o pobre Mango houvesse roubado um cavalo. Na manhã seguinte, encontram-se restos e um passaporte britânico sobre a lama da floresta.”






(foto de Patrick Gries, Evolution Conto publicado na revista Flaubert)

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