A retirada, segundo o testemunho do tenente Eugenio Corti
(Trecho de “Inferno: o mundo em guerra 1939-45” (Intrínseca),
de Max Hastings)
Em 12 de janeiro (de 1943), quatro frentes russas atacaram o
exército do Don, ao norte de Stalingrado, repelindo as forças do Eixo, que
fugiram em debandada. A Divisão Pasubio, parte do VIII Exército italiano no
bolsão do Don, viu-se lutando para seguir na direção oeste. Sem combustível, as
infelizes tropas foram obrigadas a abandonar armas pesadas e fugir a pé. “Veículos
repletos de cargas eram abandonados na estrada”, escreveu o tenente de
artilharia Eugenio Corti. “Partiu meu coração vê-los. Quanto esforço e dinheiro
aquele equipamento deve ter custado à Itália!” Os soldados exaustos que
tentavam pegar caronas em viaturas alemãs eram repelidos com berros e
palavrões.
Corti fez esforços inúteis para preservar a disciplina em
sua unidade. “Porém, como esperar que pessoas desacostumadas a viver em ordem
como se civis se tornem ordeiras (...) simplesmente porque se veem usando
uniformes? Enquanto o fogo inimigo chovia, a chusma apressava seu passo
cambaleante. Vi, então uma das cenas mais lamentáveis da retirada: italianos
matando italianos (...) Não éramos mais um exército; eu não estava entre
soldados, mas entre criaturas que não podiam se controlar, obedientes a um
único instinto animal: autopreservação.” Ele amaldiçoava sua própria brandura,
que não lhe permitiu matar um homem que desafiou a ordem de que somente feridos
poderiam viajar nos poucos trenós. “Inúmeros exemplos de fraqueza como a minha
explicavam a confusão em que nos encontrávamos (...) Um soldado alemão entre
nós não conseguiu disfarçar seu desdém. Preciso admitir que tinha razão (...)
estávamos lidando com homens indisciplinados e desnorteados.”
Num posto de primeiros socorros, “os feridos jaziam uns por
cima dos outros. Quando um dos poucos auxiliares de enfermagem que cuidavam
deles apareceu com um pouco de água, aos gemidos foram acrescidos os gritos
daqueles em que ele inadvertidamente tropeçava. Na parte externa, colocou-se
palha sobre a neve, onde centenas de homens estavam deitados (...) Fazia
provavelmente quinze ou vinte graus negativos. Os mortos estavam misturados aos
feridos. Um médico fazia a ronda: ele mesmo havia sido ferido duas vezes por
estilhaços enquanto fazia amputações com uma navalha.”
Independentemente dos exércitos que predominavam na luta, os
sofrimentos russos persistiam. Numa cabana camponesa, Corti encontrou uma
família aflita. “Fui recebido pelo cadáver de um velho gigantesco, com uma
longa barba branca, deitado numa poça de sangue (...) Acuadas contra uma
parede, aterrorizadas, estavam três ou quatro mulheres e cinco ou seis crianças
– russas, magras, delicadas, rostos brancos como cera. Um soldado comia com
calma batatas cozidas (...) Como a casa estava aquecida! Insisti que as
mulheres e as crianças comessem antes que outros soldados chegassem e
engolissem tudo.” Soldados do Eixo costumavam ficar estupefatos e
impressionados com o estoicismo dos russos, que mais lhes pareciam vítimas do
comunismo do que inimigos. Mesmo após os invasores trazerem desgraças
indizíveis ao seu país, camponeses simples às vezes demonstravam uma simpatia
humana pelos aflitos e sofridos soldados do Eixo que os comovia. Corti
escreveu: “Nas pausas daquelas marchas, muitos de nossos compatriotas foram
salvos das ulcerações de congelamento pelos cuidados altruístas e maternais de
mulheres pobres.”
(...)
Corti horrorizava-se com o espetáculo do massacre de
prisioneiros russos pelos alemães, embora soubesse que o Exército Vermelho
fazia o mesmo com seus prisioneiros. “Era extremamente penoso – pois éramos
homens civilizados – estar preso naquele conflito selvagem entre bárbaros.” Ele
se sentia dividido entre o nojo diante da crueldade dos alemães, “que, por
vezes, os desqualificava, a meus olhos, como membros da família humana”, e o
respeito relutante por sua força de vontade. Lamentava o desprezo que tinham
por outras raças. Ouvira falar sobre oficiais alemães que matavam a tiros
soldados feridos demais para andar, sobre estupros e assassinatos, sobre trenós
carregados com italianos feridos sequestrados pela Wehrmacht. Porém,
admirava-se com a maneira como soldados alemães desempenhavam suas obrigações
por instinto, mesmo sem ordens de um oficial ou graduado. “Eu (...) me
perguntava (...) o que seria de nós sem os alemães. Com relutância, eu era
obrigado a admitir que, sozinhos, acabaríamos nas mãos dos inimigos (...)
Agradeci aos céus por eles estarem conosco naquela coluna (...) Sem sombra de
dúvida, ninguém se iguala a eles como soldados.”
Repetidas vezes, tanques alemães e aviões Stuka repeliram
ataques de blindados russos, permitindo que as colunas em retirada
prosseguissem sob os terríveis morteiros soviéticos. Os testículos de um
soldado italiano foram decepados por um estilhaço de bomba. Enfiando-os no
bolso, o homem amarrou o ferimento com barbante e seguiu em frente. No dia
seguinte, num posto de primeiros socorros, ele arriou as calças e, remexendo
nos bolsos, segundo o relato de Eugenio Corti, ofereceu ao médico, “na palma da
sua mão, os testículos escurecidos misturados com farelo de biscoito e
perguntou se poderiam ser costurados no lugar.” Corti sobreviveu até alcançar o
terminal ferroviário em Yasinovataya e, dali, viajou para a Alemanha através da
Polônia. Um trem-hospital finalmente levou-o para casa, em sua amada Itália. No
fim de 1942, um general italiano afirmou que 99% de seus compatriotas não
apenas esperavam perder a guerra, como desejavam ardentemente perde-la o mais
depressa possível.”
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