segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Telegramas

BAD TRIP





a)Uma mega tristeza

(Christian Carvalho Cruz emulando uma teen. Publicado no Estadão em janeiro deste ano, com a história de uma garota brasileira que estava naquele naufrágio cretino do Costa Concordia. Lembram? Ou já é notícia velha?)

Trecho

"
Bom, tinha também a primeira vez de fazer um cruzeiro num daqueles naviozões enormes, com piscina, lojas, cinema, teatro, balada... E, o mais importante, o motivo da minha volta, da minha alegria e ansiedade (minha mãe até me deu floral antes do embarque em São Paulo, hehe), a primeira vez que eu via a Juliana desde o dia em que nos despedimos, ela chorando horrores, na minha partida um ano e pouco atrás. Super hiper melhor amiga, a Juliana. Nos conhecemos no colégio em Barcelona, ela recém-chegada da Colômbia, meio perdida e isolada. Como eu no começo.

Gente, vocês não têm noção do inferno que pode se transformar a adaptação de um adolescente estrangeiro num país que não é o dele. Com o tempo melhora, mas até lá, afff!

A Juliana ia fazer 15 anos em 12 de janeiro e ganhou de presente dos pais uma viagem no Costa Concordia. Uma semana pelo Mediterrâneo com a família toda e direito a levar uma amiga - no caso, eu \o/. Do dia 9 ao 16. Só que tinha uma maldita sexta-feira 13 no meio. Cheguei a Barcelona no dia 2, e como tínhamos muuito tempo livre antes de subir no navio, aproveitamos basicamente para:

1) Fazer corujão (passar a noite conversando e só dormir quando o sol nasce).

2) Ir ao kart perto da minha ex-casa, que era o nosso programa preferido. Dessa vez, achei engraçado poder usar os carrinhos grandes, de adulto. Antes a gente só andava nos de criança. Caraca, cresci!

3) Comprar o meu primeiro salto alto da vida, porque no navio rola noite de gala. Tive que praticar pra não cair, UHUAHUAHUA... Eu tinha um vestido longo na mala, vermelho, e a mãe da Juliana me deu outro, dourado, pro jantar de aniversário a bordo.

4) O melhor de tudo: ficar vendo na internet uns vídeos do Costa Concordia. Muuuito tops! A gente riu bastante dos elevadores panorâmicos que subiam e desciam por trilhos iluminados por lâmpadas verdes. E foi aí que a Juliana inventou a expressão que depois a gente repetia toda hora que via uma coisa legal na viagem: "guuaauuuu!"

Assim que embarcamos eu e a Juliana corremos pros elevadores. Apertamos todos os botões e em cada andar entrava alguém falando um idioma diferente. Só muito tempo e risadas depois é que fomos pra nossa cabine. Ela ficava no lado direito do navio, bem o que tombou. Número 2.405, piso Suécia, que era o nome do segundo andar do Costa Concordia. Ficamos numa Suécia esquisitamente localizada em cima da Holanda e embaixo da Bélgica - meio diferente das aulas de geografia, hehe. Ainda mais pra cima, tudo empilhado, ficavam Grécia, Itália, Grã-Bretanha, Irlanda, Portugal, França, Alemanha e Espanha no topo \o/\o/. Na nossa cabine não rolava varanda, mas ela tinha um janelão onde cabíamos nós duas sentadas. Passamos os melhores momentos da viagem ali, vendo o mar, rindo e combinando como faríamos pra nos ver de novo quando as férias acabassem e eu voltasse pro Brasil.

A tal noite de gala, que acontecia em dias alternados, não era nada demais, tirando o fato de a gente ter que se produzir toda. E só pra jantar, hehe. Eu e a Juliana saíamos da cabine meio envergonhadas. Cabelo, unha, longo, salto alto... E ainda tinha um moooonte de gente circulando de sunga e maiô, UHUAHUAHUA. Depois da refeição, os adultos dançavam um pouco no restaurante e no final todos cantavam Volare, ô-ô, Cantare, ô-ô-ô rodopiando os guardanapos de pano no ar. Divertido até ;-). Numa dessas noites, antes do jantar, fomos pro teatro. O comandante do navio ia se apresentar aos passageiros. O teatro ficou lotado, e olha que era beeeem grande, três andares. O capitão apareceu no palco, junto com a equipe dele. Falou primeiro em italiano, depois em inglês e espanhol. Se apresentou, apresentou os colegas e desejou boa viagem. Só isso. Foi mega aplaudido, parecia Domingão do Faustão. Umas pessoas gritavam, assoviavam, U-HU!, tipo, "esse cara é bom!" Na hora eu não prestei atenção no nome dele, mas depois de tudo não esqueço mais: Schettino. Schettino cretino. :-(

Fizemos muitos amigos a bordo, e passávamos o dia inteiro circulando. Teen Zone, piscina, lojinhas, o deck. O navio é mesmo uma cidade. Mas tínhamos que estar no restaurante Milano às 9 horas para jantarmos juntos. Era uma ordem dos pais da Juliana. E, pensando agora, vejo como foi importante essa ordem, porque quando tudo aconteceu não tinha ninguém do nosso grupo de 15 pessoas em outra parte do navio. Estávamos todos no restaurante Milano, na mesma mesa, assim que o Costa Concordia bateu na pedra. E se vocês vissem a cara dos pais procurando os filhos que não estavam perto deles... Ai, foi muuuuito apavorante. A pior parte."





b)


No mundo do ócio, compras e viagens se tornaram fins em si porque são atividades de puro potencial – cheias de possibilidades e promessas. (...)

As viagens também se baseiam em expectativas. O novo destino será exótico, diferente, inesperado, e dali nascerá um novo ser transfigurado. Mas o novo lugar, embora provavelmente mais empolgante, não passa de outro lugar, com céu, edifícios, pessoas e árvores – e o self ansioso e triste insistiu em vir junto. Em “A Arte de Viajar”, Alain de Botton conta uma temporada de férias que passou no Caribe com uma namorada. Antes de partir, eles sonhavam com a harmonia que praias, mar azul, palmeiras e magnífico pôr do sol com certeza inspirariam, mas, assim que chegaram, começaram a discutir sobre o tamanho e a aparência das sobremesas servidas no restaurante. Ambos pediram a mesma sobremesa, mas a porção dele tinha uma apresentação melhor, enquanto a dele era maior. Ela trocou os pratos e se justificou alegando que fazia aquilo para agradar a ele, quando na verdade agradava a si mesma. Eles discutiram e voltaram ao hotel de mau humor, indiferentes ao glorioso cenário que deveria inspirá-los. Todos já tivemos experiências como essa – e convenientemente as esquecemos. Porque as próximas férias já estão planejadas e com certeza trarão a verdadeira felicidade.

Tal é a compatilibilidade entre comprar e viajar que as duas coisas andam cada vez mais juntas. Pode-se comprar no aeroporto, no avião, na estação de trem, no saguão do hotel e até mesmo no quarto do hotel via internet – mas naturalmente, tudo isso é só uma preparação para o principal: experiências de compras inteiramente novas no novo destino.

A combinação perfeita entre viajar e comprar, porém, é o cruzeiro de luxo. Na verdade, como o cruzeiro também envolve diversão e outros mimos, o navio é o símbolo perfeito da era contemporânea: um enorme palácio móvel do prazer, que transporta crianças crescidas, vestidas em roupas informais de cor pastel, circulando em uma série de lojas.

O relato hilariante e terrível de David Foster Wallace sobre um cruzeiro pelo Caribe, “A supposedly fun thing I´ll never do again”, é de um escrupuloso realismo documental, mas também uma fábula de nosso tempo – porque o cruzeiro apresenta, embora de maneira exagerada, todas as novas tendências culturais. Ali está a universal sensação de direito a privilégios – todo mundo acredita que merece aquelas férias mais do que ninguém. Ali está a infantil necessidade de ser mimado – o navio de cruzeiros oferece serviços dia e noite, prestados por um exército de diligentes funcionários. Ali está a incansável, quase fanática, alegria da equipe de serviço. Ali está a recusa a pensar dos passageiros infantilizados. Wallace observa:

“Ouvi cidadãos americanos de classe alta perguntarem ao funcionário na mesa de informações se para mergulhar com snorkel era preciso se molhar; se o tiro ao alvo móvel seria praticado ao ar livre; se a tripulação dormia a bordo; e a que horas seria servido o bufê da meia noite.”

Ali estão as infinitas oportunidades de compras a bordo e nos portos, e as infindáveis oportunidades de distração e entretenimento: piscinas, academias, instações para a prática de vários esportes (inclusive um local para treinamento de golfe), cassinos, piano bars, discotecas, cinemas e um salão de shows, onde se apresentam um imitador, um ilusionista, um casal que canta um pot-pourri de músicas da Broadway e um hipnotizador que alega ter colocado em transe a rainha Elizabeth II e o Dalai-Lama.


(A Era da Loucura, por Michael Foley, editora Alaúde. Outros trechos AQUI, no Grifando.)

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