quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Onirogrito

Mata-borrão à tinta de pendrive





É curiosa a menção ao mata-borrão em textos antigos. Tanto Rubem Braga quanto Mário Prata (Rimou?) falaram e explicaram o objeto. Se você for daqueles que se recusam a clicar em hiperlinks, além de perder textos melhores que este, não saberá que o mata-borrão era uma espécie de carimbo para secar a tinta fresca no tempos pré-esferográficos. Mário Prata não encontrou analogia para o mata-borrão no computador e descartou o verificador ortográfico como substituto.

Perdoe a petulância de quem nunca usou tinteiro para escrever… discordo… Assinar a carta, carimbá-la com o mata-borrão, envelopá-la e enviar a missiva ao amante pelo portador supostamente confiável. Não importava o conteúdo: “O culpado é o mordomo”, “Vamos fugir, espero-te atrás da capela.”, “Fui deflorada pelo meu irmão”, era essencial que se concluísse a carta e que ela ficasse limpa, formalmente intelegível : o mata-borrão surgia como um gesto de conclusão. O corretor gramatical parece ser a última coisa a passar pelo texto. Muitas vezes, na verdade, ele analisa o texto “melhor” que a pessoa do outro lado que deixa a mensagem dormir na caixa de entrada.

Gostaria de ver mais recursos tecnológicos presentes na literatura: coisas como celulares, monitores, mouses, teclados, GPS e não-coisas como sites, blogues, emails, google, redes sociais. Pois o imaginário se alimenta da realidade. E, querendo ou não, estes brinquedos vieram para fingir preencher nossas vidas ocas e devem permanecer até darmos um basta. Então se quisermos que a literatura seja minimamente relevante, viva, precisaremos no mínimo resvalar neste mundo colorido e flutuante.

Ao mesmo tempo, escrever sugere permanência. Só sugere, porque na prática nada garante esta imortalidade, mitologia, historicidade, como quer que a chame. A partir do momento que se registra suas ideias no papel ou no monitor, presume-se que estas persistam de alguma forma. Mas sabemos que quanto maior a distância entre o emissor e o receptor maior a chance de que algo dê errado ou seja incompreendido.

Imagine que o Facebook pudesse ser psicografado: teríamos perfis de nossos bisavôs e bisavós. Será que seriam espertos e engraçadinhos como nós? Primeiro há que considerar que, dadas as estatísticas, deveriam ser paupérrimos e analfabetos, caboclos, caipiras, caiçaras, bugres, escravos ou carcamanos. Ignore a ausência física dos dedos, mas não sua brutalidade: como poderiam teclar algo? É por isto que, por sorte, deles sabemos histórias, mas não restaram cartas ou registros mais formais.

Mas vamos supor que seus bisavós eram letrados e registraram sua conta no Facebook ou Orkut, vamos lhes dar a possibilidade de estarem sintonizados com a Rede Social do momento. Será que haveria fotos de viagens, de farras, bagunças e cervejadas? Provavelmente você os acreditasse um tanto presunçosos, com retratos posados em roupa de gala, diplomas, medalhas, certificados, ordem do grau supremo da loja maçônica. Enquanto sua obrigação é ser feliz, a deles era ser honrado, digno, um cavalheiro respeitável.
(Não se anime, crendo que éramos melhores: tudo falso. As hipocrisias unem nossas gerações. Apenas o enfoque era diferente.)

Eu entendo a preocupação de quem não arrisca fotografar o mundo atual nas literatura: mouses, mp3, pendrive, kindle, tablet, URL, fotoblog, YouTube, quanto destas coisas estarão aí, na boca do povo (ou do monitor) daqui a dez anos? Quando se percebe que a Internet gera menos conteúdo do que comunicação, via redes sociais, fóruns, ou conversas pelo msn, skype ou equivalente, nota-se que estes brinquedos, estas pequenas maravilhas se apequenam e tornam-se borrões diante do maior mistério de todos: quem é a pessoa que está do outro lado, atrás de seu perfil, ou de sua cara? Quem é você e, afinal, por que não gosta de mim?





(Imagem: ?. Publicado originalmente AQUI)

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