É curiosa a menção ao mata-borrão em textos antigos. Tanto Rubem Braga quanto Mário Prata
(Rimou?) falaram e explicaram o objeto. Se você for daqueles que se
recusam a clicar em hiperlinks, além de perder textos melhores que este,
não saberá que o mata-borrão era uma espécie de carimbo para secar a
tinta fresca no tempos pré-esferográficos. Mário Prata não encontrou
analogia para o mata-borrão no computador e descartou o verificador
ortográfico como substituto.
Perdoe a petulância de quem nunca usou
tinteiro para escrever… discordo… Assinar a carta, carimbá-la com o
mata-borrão, envelopá-la e enviar a missiva ao amante pelo portador
supostamente confiável. Não importava o conteúdo: “O culpado é o
mordomo”, “Vamos fugir, espero-te atrás da capela.”, “Fui deflorada pelo
meu irmão”, era essencial que se concluísse a carta e que ela ficasse
limpa, formalmente intelegível : o mata-borrão surgia como um gesto de
conclusão. O corretor gramatical parece ser a última coisa a passar pelo
texto. Muitas vezes, na verdade, ele analisa o texto “melhor” que a
pessoa do outro lado que deixa a mensagem dormir na caixa de entrada.
Gostaria de ver mais recursos
tecnológicos presentes na literatura: coisas como celulares, monitores,
mouses, teclados, GPS e não-coisas como sites, blogues, emails, google,
redes sociais. Pois o imaginário se alimenta da realidade. E, querendo
ou não, estes brinquedos vieram para fingir preencher nossas vidas ocas e
devem permanecer até darmos um basta. Então se quisermos que a
literatura seja minimamente relevante, viva, precisaremos no mínimo
resvalar neste mundo colorido e flutuante.
Ao mesmo tempo, escrever sugere
permanência. Só sugere, porque na prática nada garante esta
imortalidade, mitologia, historicidade, como quer que a chame. A partir
do momento que se registra suas ideias no papel ou no monitor,
presume-se que estas persistam de alguma forma. Mas sabemos que quanto
maior a distância entre o emissor e o receptor maior a chance de que
algo dê errado ou seja incompreendido.
Imagine que o Facebook pudesse ser
psicografado: teríamos perfis de nossos bisavôs e bisavós. Será que
seriam espertos e engraçadinhos como nós? Primeiro há que considerar
que, dadas as estatísticas, deveriam ser paupérrimos e analfabetos,
caboclos, caipiras, caiçaras, bugres, escravos ou carcamanos. Ignore a
ausência física dos dedos, mas não sua brutalidade: como poderiam teclar
algo? É por isto que, por sorte, deles sabemos histórias, mas não
restaram cartas ou registros mais formais.
Mas vamos supor que seus bisavós eram
letrados e registraram sua conta no Facebook ou Orkut, vamos lhes dar a
possibilidade de estarem sintonizados com a Rede Social do momento. Será
que haveria fotos de viagens, de farras, bagunças e cervejadas?
Provavelmente você os acreditasse um tanto presunçosos, com retratos
posados em roupa de gala, diplomas, medalhas, certificados, ordem do
grau supremo da loja maçônica. Enquanto sua obrigação é ser feliz, a
deles era ser honrado, digno, um cavalheiro respeitável.
(Não se anime, crendo que éramos melhores: tudo falso. As hipocrisias unem nossas gerações. Apenas o enfoque era diferente.)
Eu entendo a preocupação de quem não
arrisca fotografar o mundo atual nas literatura: mouses, mp3, pendrive,
kindle, tablet, URL, fotoblog, YouTube, quanto destas coisas estarão aí,
na boca do povo (ou do monitor) daqui a dez anos? Quando se percebe que
a Internet gera menos conteúdo do que comunicação, via redes sociais,
fóruns, ou conversas pelo msn, skype ou equivalente, nota-se que estes
brinquedos, estas pequenas maravilhas se apequenam e tornam-se borrões
diante do maior mistério de todos: quem é a pessoa que está do outro
lado, atrás de seu perfil, ou de sua cara? Quem é você e, afinal, por
que não gosta de mim?
(Imagem: ?. Publicado originalmente AQUI)
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