A tortura e a
compaixão
Em geral, as execuções na Rússia eram similares às dos outros países. Os criminosos eram queimados até a morte, enforcados ou decapitados. O condenado ao fogo era queimado no meio de uma pilha de madeira e palha. Já a decapitação requeria que a vítima colocasse a cabeça em um bloco e se entregasse ao golpe de um machado ou espada. (...) Os falsificadores eram punidos com a ajuda de suas moedas falsas, que eram derretidas e derramadas, na forma de metal líquido, em suas gargantas. Os estupradores eram castrados.
Embora tortura pública e
execuções não fossem novidades para nenhum europeu do século XVII, o que
impressionava a maioria dos visitantes na Rússia era o estoicismo, “a teimosia
indomável” com a qual a maioria dos russos aceitava essas terríveis agonias.
Eles resistem com firmeza a dores horrendas, recusando-se a trair amigos e,
quando condenados à morte, seguiam humilde e calmamente até a forca ou os
blocos de pedra para serem decapitados. Um observador em Astracã viu trinta rebeldes
serem decapitados em meia-hora. Não houve barulho ou clamor. Os condenados
simplesmente iam até o bloco e apoiavam as cabeças nas poças de sangue deixadas
pelos predecessores. Nenhum tinha sequer as mãos amarradas às costas.
Essa força incrível e
resistência espantosa à dor impressionavam não apenas os estrangeiros, mas
também o próprio (czar) Pedro. Certa vez, depois que um homem havia sido
torturado quatro vezes com açoite e fogo, o monarca se aproximou impressionado
e perguntou como ele suportava tamanha dor. O homem mostrou-se contente em
conversar sobre o assunto e revelou a Pedro a existência de uma sociedade de
tortura da qual era membro. Explicou que ninguém era aceito sem ser antes
torturado e que, depois disso, a promoção dentro da sociedade residia em ser
capaz de aceitar gradações mais altas de tortura. Para esse grupo bizarro, o
açoite não significava nada. “A mais aguda das dores”, ele explicou a Pedro, “é
quando um carvão em brasa é colocado em sua orelha; também é muito dolorido quando
sua cabeça é raspada e água extremamente fria é derrubada, gota a gota, de uma
altura considerável”.
Mais extraordinária, e ainda
mais tocante, era o fato que às vezes os mesmos russos que podiam suportar o
açoite e o fogo permanecerem mudos até a morte desabavam quando tratados com
gentileza. Isso aconteceu com o homem que contou ao czar sobre a sociedade da
tortura. Ele havia se recusado a dizer uma palavra de confissão, muito embora
tivesse sido torturado quatro vezes. Pedro, percebendo que o homem era
invulnerável à dor, foi até ele e lhe deu um beijo, dizendo “Não é segredo para
mim que você sabe sobre a conspiração contra minha pessoa. E já foi punido o
bastante. Agora confesse, pelo amor que me deve como seu soberano, e juro pelo
Deus que me fez czar não apenas perdoá-lo completamente, mas também, como
demonstração especial da minha clemência, transformá-lo em coronel”. Essa
abordagem não ortodoxa deixou o prisioneiro tão perturbado e comovido que ele
abraçou o czar e declarou “Para mim, essa é a maior de todas as torturas. Não
haveria outra forma de me fazer falar”. O homem contou tudo à Pedro, e o czar,
mantendo-se fiel à barganha, perdoou-o e o promoveu à posição de coronel.
Trecho da maravilhosa
biografia "Pedro, o Grande - sua vida e seu mundo" de Robert K.
Massie (Não sei de quem é a ilustração)
Nenhum comentário:
Postar um comentário