sábado, 28 de novembro de 2015

Telegrama





Os gigantes de Frederico Guilherme



Em sua vida pessoal, Frederico Guilherme I era um homem curioso e infeliz. Excêntrico, caseiro, apoplético, tirano, detestava tudo o que seu pai adorava, especialmente tudo relacionado à França. Frederico Guilherme I desprezava o povo, a língua, a cultura e até mesmo a comida do país do Rei Sol. Quando criminosos eram enforcados, o rei os fazia colocar roupas francesas. Superficialmente, Frederico Guilherme era um simples monarca protestante, um marido fiel, um pai enfadonho e burguês. Fez sua corte deixar de lado as afetações, vendendo a maior parte dos móveis e das joias de seu pai e dispensando a maioria dos cortesões. Apaixonou-se por e casou com sua prima de primeiro grau de Hanover, Sofia Doroteia (...). Referia-se a ela como “minha esposa” em vez de “a rainha” e a seu filho como “Fritz” em vez de o “herdeiro do trono”. Todas as noites ceava com a família.

O que estragava essa bela cena doméstica eram os ataques violentos de raiva de Frederico Guilherme. De forma totalmente repentina, ele atacava brutalmente seus filhos ou qualquer pessoa que estivesse por perto. Furioso por comentários pequenos e inofensivos, ou até mesmo por olhares, ele começava a agitar sua bengala de madeira, atingindo os rostos das pessoas, quebrando-lhes o nariz ou os dentes. Quando ele agia dessa forma nas ruas de Berlim, a vítima não podia fazer nada; se resistisse ou contra-atacasse, seria punida com a morte. A explicação aparente para esses ataques era a porfíria (...). Um desarranjo do metabolismo cujos sintomas são gota, enxaquecas, abscessos, furúnculos, hemorroidas e dores terríveis no estômago, a doença fazia o rei mergulhar em agonia e passar por momentos de insanidade. Frederico Guilherme se tornou muito gordo, seus olhos ficaram arregalados e sua pele brilhava como marfim polido. Buscando distração desses tormentos, aprendeu a pintar e passou a assinar suas telas como FW in tormentis pinxit. Todas as noites após o jantar, convocava seus ministros e generais para beberem jarros de cerveja e fumarem longos cachimbos. Nessas grosseiras reuniões masculinas, os líderes da Prússia se divertiam provocando e atormentando um pedante historiador da corte, em quem certa vez atearam fogo.

A mais famosa obsessão do monarca era sua coleção de gigantes, pela qual ele era famoso em toda a Europa. Conhecidos como Prussianos Azuis ou Gigantes de Postdam, somavam mais de 1.200, organizados em dois batalhões de seiscentos homens cada. Nenhum tinha menos de 1,83 de altura, e alguns, na especial Unidade Vermelha do Primeiro Batalhão, mediam quase 2,10 metros de altura. O rei os vestia com jaquetas azuis com costuras douradas e lapelas escarlates, calças escarlates, meias brancas, sapatos pretos e chapéus vermelhos e altos. Entregava-lhes mosquetes, com bandeirolas e pequenas adagas, e brincava com eles como uma criança faria com enormes brinquedos vivos. Nenhuma despesa era alta (SIC) demais para esse hobby, e Frederico Guilherme gastava milhões para recrutar e equipar seus granadeiros gigantes, que eram contratados ou comprados por toda a Europa. Os exemplares especialmente desejados que recusavam a oferta de recrutamento dos agentes do rei eram simplesmente sequestrados. Por fim, o recrutamento dessa forma tornou-se caro demais – um irlandês de 2,15 metros custava mais de seis mil libras – e Frederico Guilherme passou a tentar criar gigantes. Todos os homens altos de seu reino foram forçados a se casar com mulheres altas. O problema era que o rei precisava esperar quinze ou vinte anos até os produtos dessas uniões crescerem, e frequentemente o resultado era um garoto ou garota de altura normal. O método mais simples para se obter gigantes era recebe-los como presentes. Embaixadores estrangeiros aconselharam seus mestres sobre a forma de conseguir favores do Rei da Prússia: presenteá-lo com gigantes. (O czar) Pedro apreciava especialmente o interesse de seu colega soberano nas raridades da natureza, e a Rússia oferecia ao rei cinquenta novos gigantes todos os anos. (...)

É desnecessário dizer que o rei nunca arriscou seus queridos colossos diante de inimigos em batalha. Em troca, os gigantes ofereciam grande deleite ao monarca. Quando ele estava doente ou deprimido, os dois batalhões inteiros, precedidos por mouros com turbante e címbalos e trombetas, e o mascote dos granadeiros, um enorme urso, marchavam em uma longa fila pelos aposentos do rei para animá-lo.


Trecho da maravilhosa biografia "Pedro, o Grande - sua vida e seu mundo" de Robert K. Massie

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