Os gigantes de Frederico Guilherme
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Em sua vida pessoal, Frederico Guilherme I era um homem
curioso e infeliz. Excêntrico, caseiro, apoplético, tirano, detestava tudo o
que seu pai adorava, especialmente tudo relacionado à França. Frederico
Guilherme I desprezava o povo, a língua, a cultura e até mesmo a comida do país
do Rei Sol. Quando criminosos eram enforcados, o rei os fazia colocar roupas
francesas. Superficialmente, Frederico Guilherme era um simples monarca
protestante, um marido fiel, um pai enfadonho e burguês. Fez sua corte deixar
de lado as afetações, vendendo a maior parte dos móveis e das joias de seu pai
e dispensando a maioria dos cortesões. Apaixonou-se por e casou com sua prima
de primeiro grau de Hanover, Sofia Doroteia (...). Referia-se a ela como “minha
esposa” em vez de “a rainha” e a seu filho como “Fritz” em vez de o “herdeiro
do trono”. Todas as noites ceava com a família.
O que estragava essa bela cena doméstica eram os ataques
violentos de raiva de Frederico Guilherme. De forma totalmente repentina, ele
atacava brutalmente seus filhos ou qualquer pessoa que estivesse por perto.
Furioso por comentários pequenos e inofensivos, ou até mesmo por olhares, ele
começava a agitar sua bengala de madeira, atingindo os rostos das pessoas,
quebrando-lhes o nariz ou os dentes. Quando ele agia dessa forma nas ruas de
Berlim, a vítima não podia fazer nada; se resistisse ou contra-atacasse, seria
punida com a morte. A explicação aparente para esses ataques era a porfíria (...).
Um desarranjo do metabolismo cujos sintomas são gota, enxaquecas, abscessos,
furúnculos, hemorroidas e dores terríveis no estômago, a doença fazia o rei
mergulhar em agonia e passar por momentos de insanidade. Frederico Guilherme se
tornou muito gordo, seus olhos ficaram arregalados e sua pele brilhava como
marfim polido. Buscando distração desses tormentos, aprendeu a pintar e passou
a assinar suas telas como FW in tormentis
pinxit. Todas as noites após o jantar, convocava seus ministros e generais
para beberem jarros de cerveja e fumarem longos cachimbos. Nessas grosseiras
reuniões masculinas, os líderes da Prússia se divertiam provocando e
atormentando um pedante historiador da corte, em quem certa vez atearam fogo.
A mais famosa obsessão do monarca era sua coleção de
gigantes, pela qual ele era famoso em toda a Europa. Conhecidos como Prussianos
Azuis ou Gigantes de Postdam, somavam mais de 1.200, organizados em dois
batalhões de seiscentos homens cada. Nenhum tinha menos de 1,83 de altura, e
alguns, na especial Unidade Vermelha do Primeiro Batalhão, mediam quase 2,10
metros de altura. O rei os vestia com jaquetas azuis com costuras douradas e
lapelas escarlates, calças escarlates, meias brancas, sapatos pretos e chapéus
vermelhos e altos. Entregava-lhes mosquetes, com bandeirolas e pequenas adagas,
e brincava com eles como uma criança faria com enormes brinquedos vivos.
Nenhuma despesa era alta (SIC) demais para esse hobby, e Frederico Guilherme
gastava milhões para recrutar e equipar seus granadeiros gigantes, que eram
contratados ou comprados por toda a Europa. Os exemplares especialmente
desejados que recusavam a oferta de recrutamento dos agentes do rei eram
simplesmente sequestrados. Por fim, o recrutamento dessa forma tornou-se caro
demais – um irlandês de 2,15 metros custava mais de seis mil libras – e Frederico
Guilherme passou a tentar criar gigantes. Todos os homens altos de seu reino
foram forçados a se casar com mulheres altas. O problema era que o rei precisava
esperar quinze ou vinte anos até os produtos dessas uniões crescerem, e
frequentemente o resultado era um garoto ou garota de altura normal. O método
mais simples para se obter gigantes era recebe-los como presentes. Embaixadores
estrangeiros aconselharam seus mestres sobre a forma de conseguir favores do
Rei da Prússia: presenteá-lo com gigantes. (O czar) Pedro apreciava
especialmente o interesse de seu colega soberano nas raridades da natureza, e a
Rússia oferecia ao rei cinquenta novos gigantes todos os anos. (...)
É desnecessário dizer que o rei nunca arriscou seus queridos
colossos diante de inimigos em batalha. Em troca, os gigantes ofereciam grande
deleite ao monarca. Quando ele estava doente ou deprimido, os dois batalhões
inteiros, precedidos por mouros com turbante e címbalos e trombetas, e o
mascote dos granadeiros, um enorme urso, marchavam em uma longa fila pelos
aposentos do rei para animá-lo.
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Trecho da maravilhosa biografia "Pedro, o Grande - sua vida e seu mundo" de Robert K. Massie