segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Telegrama





Você é um adulto?

 
















Depois tudo ficou calmo. Danny achou que estava sozinho, mas, quando virou a cabeça, lá estava o filho de Howard, Benjy, na cadeira em que Howard estivera sentado. A criança estava de pijama de manga comprida, estampado com peixes vermelhos. Seu cabelo escuro, emaranhado, como se tivesse acabado de acordar.

Benjy: Doeu?

Danny olhou para ele, esperando que os olhos se adaptassem à luz. O pijama do menino o confundiu – eram peixes vermelhos grandes comendo os vermelhos menores ou será que todos os peixes eram iguais?

Danny: Doeu o quê? Cair da janela?

Benjy: Não. A injeção.

Que nada. Foi até bom.

Benjy franziu a testa, como se não conseguisse saber se Danny estava brincando. Por fim, disse: Na verdade, não me deixam subir no parapeito das janelas porque é perigoso.

Vou anotar isso.

Benjy: Sua mãe já disse isso para você?

Provavelmente.

Agora você vai ter que ir para casa?

Por que eu iria para casa? Acabei de chegar.

Benjy: Sua casa é um apartamento?

É. Quer dizer, em geral, sim, mas neste momento eu não tenho casa. Estou numa fase de transição.

Por que diabo ele estava explicando tudo aquilo? Danny se revirou na cama, em busca de alguém que o resgatasse daquele pirralho. Mas até onde podia ver, não tinha mais ninguém no quarto. O vento soprava pela janela e balançava as tapeçarias penduradas nas paredes de pedra.

Benjy: Você tem uma esposa?

Não.

Minha mãe é esposa de meu pai.

É, eu percebi isso.

Você tem um cachorro?

Não.

Você tem um gato?

Não tenho nenhum animal de estimação, ok?

Nem um porquinho-da-índia?

Minha nossa! Sua voz soou muito alta e Benjy pareceu assustado. Danny torceu para que aquilo fizesse o garoto calar a boca.

Benjy: Você tem filhos?

Danny rangeu os dentes e cravou os olhos nas vigas do teto. Não, eu não tenho filho nenhum. Graças a Deus.

O garoto ficou calado por muito tempo. Afinal, disse: O que você tem?

Danny abriu a boca para responder. O que ele tinha?

Benjy: Eu perguntei o que você...

Já ouvi, já ouvi.

O que você tem?

Não tenho nada, ok? Nada. E agora eu gostaria de fechar os olhos.

Benjy inclinou-se mais perto dele. Em seu rosto, Danny viu compaixão misturada com uma espécie 
de curiosidade fria, que nunca se vê em adultos. Eles já aprenderam a disfarçar isso.

Benjy: Você não fica triste por não ter nada?

Não, não fico.

Só que ele estava triste. A tristeza baixou sobre Danny de repente e o soterrou. Ele viu a si mesmo: estirado de costas no meio do nada, naquele fim de mundo, com a cabeça esmagada. Um cara que não tinha nada.

Benjy: Está chorando?

Danny: Você deve estar de brincadeira com a minha cara.

Estou vendo lágrimas.

É só por causa do... minha cabeça está doendo. Você está fazendo ela doer.

Os adultos às vezes choram. Vi mamãe chorar.

Preciso dormir.

Benjy olhou bem para ele. Danny fechou os olhos, ouviu a criança respirando bem perto de seu ouvido.

Benjy: Você é um adulto?







(Trecho de "O Torreão", de Jennifer  Egan (Intrínseca). Imagem do CreepypastaWiki AQUI)