Uns meses atrás, alguns artigos reclamavam do cenário habitualmente sombrio da ficção científica. Dentro do caderno Link do Estadão, o colunista Alexandre Matias dava espaço às ideias do neurocientista palmeirense Miguel Nicoelis. Conforme Nicoelis afirma, a ficção científica prefere os futuros apocalípticos: “Hoje em dia você pega um filme de Hollywood ou um livro best-seller, é tudo assim: ‘Vamos destruir a raça humana… Vai acabar o mundo… Vamos criar um híbrido de não sei o quê… Os computadores vão nos deixar obsoletos…’
Escritores gringos de ficção científica
também se comunam nesta percepção. O artigo de Alexandre Matias cita o
norte-americano Neal Stepherson e o crítico e escritor Antonio Luiz
M.C.Costa analisa Shine, uma antologia do holandês Jetse de Vries que se
propunha a ficção científica em um contexto otimista.
Costa ainda discorre sobre os motivos históricos que levaram a uma
preponderância das distopias e cenários pessimistas na Ficção
Científica, que, para mim, soou mais interessante que os contos de
Shine.
O fato é que esta conversa toda inverte a questão.
A ficção não molda a realidade. A realidade é quem molda a ficção.
A ficção fornece “lentes” que permitem
diferentes interpretações da realidade. Mas quem escolhe as
interpretações são os indivíduos. Qualquer pessoa que viveu os últimos
trinta anos de transformações abraçou – principalmente via consumismo –
todas as grandes mudanças que a ciência e tecnologia disponibilizou à
humanidade. O impacto destas mudanças acelerou a economia e a vida e
trouxe muitos benefícios. E, também malefícios. É inegável o sentimento
de descontrole, de se estar perdido em meio ao turbilhão.
E isto se espelha na ficção de, pelo
menos, duas formas: ou na fantasia de indivíduos absurdamente poderosos…
ou na distopia apocalíptica ou totalizadora na qual as pessoas são
meros joguetes.
Não existe bem ou mal. Existem gestos,
ações e reações. Para cada passo a frente, um mundo fica para trás, e
tudo que é belo e horrível também desaparece. Hoje não conseguimos
imaginar o que seria o mundo sem celulares, televisão , internet. E
também não conseguimos imaginar o que é silêncio, que estar sozinho é
diferente de estar solitário. “Acreditar” ne evolução do homem,
“acreditar” nos benefícios da tecnologia, “acreditar” que o futuro
sempre será melhor, é ignorar a realidade.
(Publicado originalmente aqui, na Terracota. Fonte da imagem: o tumbrl Metropolis of Tomorrow)