Mobiliário
Como se saído de uma ampulheta
o pó cotidianamente se derrama sobre os móveis.
E a mulher, com mão de Sancho,
recolhe com pano umedecido
os vestígios do tempo
na serenidade da casa.
Não há nada de eterno sob a razão do tempo.
E o que é a realidade
se não a tentativa frequente
de recolher o pó caído da ampulheta
e depositado na mobília;
se não o polimento contínuo das coisas
para que a imagem delas fique intacta;
se não o movimento incessante da mão
até o esgotamento
- até que outra mão substitua a anterior
e sob sua força se construa uma nova realidade
tão irreal quanto a primeira.
Como se fosse possível eternizar o amor
que também se vai, tão quanto a areia.
1997.
Poesia de Verônica de Aragão
(Imagens da mexicana Ana Teresa Fernandez, via The Mafu Cage)