segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Telegrama


Feliz ano velho.

Espero que você não passe o final de ano diante do micro. De toda forma, segundo dizem, daqui a uns dias será o fim do mundo. Portanto, feliz 2010.









ViaViva Saliva

domingo, 9 de dezembro de 2012

Telegramas








(­O sábio e desafortunado romano Pompônio Flato fala umas verdades ao Jesus menino. Ou Jesus moleque, se preferir.)
-Tudo que acontece, acontece por vontade de Deus, raboni?
-Não sei. Mas se é assim, devemos perdoá-lo, porque Deus ou os deuses do Olimpo não conhecem a dor de perder as pessoas queridas e isso os faz inferiores a nós.
Jesus me olhou com intensidade e exclamou:
-Isso que você está dizendo não é uma blasfêmia:
-Com certeza. Blasfemar é outro privilégio privativo dos homens. Não serve para muito, mas, em ocasiões como esta, até que não vai mal.



(...e, logo adiante, sobre a imortalidade da alma) 

-Das muitas coisas escritas, muito poucas estão comprovadas. Sócrates estava convencido da imortalidade da alma, assim como Platão. Mas nisso, com toda a humildade, discrepo de tão grandes mestres pelas razões que a seguir exporei. Antes de mais nada, partamos do pressuposto de que o homem é formado de duas partes bem diferenciadas, isto é a matéria e o espírito, ou, o que dá na mesma, o corpo e a alma. A alma é o que infunde vida ao corpo, de tal modo que quando o abandona, o corpo deixa de funcionar e dizemos que o homem a quem pertencia morreu. Já a alma, sim, pode existir sem o corpo, como demonstra o fato de que o corpo inanimado, seja quando dorme, seja quando por alguma causa perdeu a consciência, a alma o abandona e segue a seu bel-prazer, liberada de qualquer amarra, e por isso pode cobrir as maiores distâncias num instante, inclusive se deslocar no tempo, transmutar-se em outra pessoa sem perder, por isso, a consciência de sua própria identidade, e ter contato com seres vivos ou mortos, humanos ou animais, até mesmo com monstros ou quimeras, assim como conseguir façanhas que o corpo seria incapaz de realizar, ou desfrutar deleites, que ao corpo seriam inalcançáveis, para não falar de todo tipo de perversões. A essas experiências chamamos de sonhos. Não obstante, se os analisarmos um pouco, veremos que nesses episódios a alma obtém mais pesares que alegrias, com frequência sofre perseguições, opressões, angústias e tristezas, e encontra-se sempre em um estado de grande confusão, como se tivesse perdido o juízo. Por isso, ao cabo de muito pouco tempo, retorna ao corpo e o desperta com grande pressa e agitação, e quando de novo se une a ele,  tranquiliza-se e experimenta tal bem-estar que os problemas e aborrecimentos da vida real lhe parecem nímios em comparação com os apuros pelos quais passou em suas andanças. E, se é assim, o que acontecerá em comparação com os apuros pelos quais passou em suas andanças. E, se é assim, o que acontecerá se depois da morte a alma se vir obrigada a vagar eternamente, sabendo que nunca poderá voltar ao corpo que a conteve, posto que este se reduziu a pó? Por essa razão, muitos povos embalsamam e mumificam o corpo, para que a alma não se veja totalmente privada dele. Pois embora a alma, por sua capacidade, pareça pertencer à mesma ordem natural dos deuses, na realidade é inferior ao corpo, e está subordinada a ele, e só com ele consegue proteção e sossego. Por tudo isso, não me parece lógico que os deuses nos tenham condenado a um suplício semelhante, e prefiro acreditar que uma vez apurados os trabalhos e dissabores desta vida, quando também nosso corpo deixar de sentir, o espírito também encontrará seu descanso regressando para o nada em que estava tão placidamente antes de ter nascido.





(Trechos extraídos de "A Assombrosa Viagem de Pompônio Flato", de Eduardo Mendoza. Merecia melhor capa da editora. Dá impressão que o título é o nome do autor. Fora isto, ótimo livro, perfeito para amigos secretos)


(Imagem: Tracejado do grafite de Alexámanos. Encontrado em uma das ruínas do Monte Palatino em Roma. Supõe-se que seja uma chacota (bullying?) de um soldado romano contra outro, de fé cristã. No desenho, Cristo estaria representado com uma cabeça de burro. A legenda está em grego: Αλεξαμενοϲ ϲεβετε θεον, que poderia ser algo como "Alexámanos adorando a seu deus". A imagem seria do século III d.C.)

sábado, 8 de dezembro de 2012

Zerografia

Alexandre





Anteontem meu vizinho morreu.

Era um senhor bastante idoso, patriarca de uma família de muitas mulheres, que se distribui em vários apartamentos de meu condomínio. São imigrantes, vieram do ******. São Paulo é uma cidade com gente de todo lugar, do Líbano ao Japão, da Nigéria a Bolívia, mas ****** não é um país típico. Temos curiosidade sobre como vieram para aqui. Por conta das guerras e de tudo mais, imaginamos alguma história triste de fuga. Mas também pode não ser. Como é típico entre vizinhos, não somos íntimos. Não temos coragem de perguntar sua história.

Era um senhor de nome jovem, helênico. Nos dias frios usava uma boina. Tinha olhos azuis, o que imagino ser incomum no oriente. É uma família de muitas mulheres, divididas entre solteiras, viuvas e solteironas. Com elas há um pouco mais de diálogo. O básico de elevador. Bom dia, boa tarde, boa noite, meteorologia amadora, o crescimento dos filhos, o síndico, a roubalheira do governo ou de quem quer que seja.

Com aquele senhor, entretanto, evitávamos uma conversa mais longa. Falava com dificuldade, e não somente pelo sotaque. Por culpa do trânsito e de nossa preguiça, estamos sempre atrasados e com pressa. E que diálogo poderia haver entre nós, sem nada em comum?

Os encontros com este senhor viúvo ocorriam quase sempre pela manhã, horário para uma caminhada lenta ao redor do condomínio ou do quarteirão, dependendo do clima. Depois do passeio, ele sentava ao lado do porteiro do prédio e observava o movimento de pedestres e de carros e de vizinhos indo para escola ou trabalhar.

Numa destas manhãs, nevoeiro prometendo sol depois, eu saía com as crianças. Meus filhos não são dados, escondem-se entre as pernas na presença de estranhos no elevador. “São tímidos”, explicamos, enquanto os incentivamos a cumprimentar. Passamos pelo senhor viúvo, ele de boina e o cumprimentei. Enquanto esperávamos a grade da prisão se abrir (a portaria do nosso edifício também têm dois portões que se abrem separadamente), aquele velho senhor sentado gesticulou com as mãos um rápido “vem cá-vem cá” para meus filhos. Sem dizer nada, as crianças foram até lá para serem abraçadas. Meus dois filhos nascidos após a queda das Torres e a dispersão do wireless responderam ao abraço daquele senhor viúvo das montanhas, que caminhou entre ovelhas e rios gelados, em vilarejos destruídos por bombas e terremotos. Século XX e século XXI. Depois se afastaram.

Enquanto o portão se fechava, houve tempo para um último tchauzinho. Não sei se eles se viram depois disso. Possivelmente minha mulher e as crianças tenham se cruzado mais uma vez. Naquele dia de neblina, caminhamos de mãos dadas rumo a escola, onde se espera que sejam preparados para a vida. Enquanto isto, deixamos vidas passarem.





(Publicado originalmente no blog da Terracota. Imagem: pedaço de um mosaico encontrado em uma casa (A Casa do Fauno) nas ruínas de Pompéia, representando Alexandre o Grande enfrentando Dario III. O mosaico representa a batalha de Isso e é parte do acervo do Museu Arqueológico de Nápoles)

domingo, 2 de dezembro de 2012

Telegrama






(Páprika, o anime)

1)

"O mundo dos vivos já contém suficientes maravilhas e mistérios sendo como é; maravilhas e mistérios agindo sobre nossas emoções e inteligências de modos tão inexplicáveis que quase justificariam a vida como um estado de encantamento."

Joseph Conrad, ao justificar seu desapego ao Sobrenatural, em introdução para o livro "A Linha de Sombra".

2)

Dois trechos (fora de ordem) de  uma antiga (2009) matéria de Audrey Furlaneto (na Folha de São Paulo) sobre Jorge Furtado, diretor da TV Globo e de filmes, como “O Homem que Copiava” e “Meu Tio Matou um Cara” e que fez a versão de Decamerão (Bocaccio).

a)

Em 2002, hospedado com a equipe num hotel para as filmagens de “O Homem que Copiava”, Furtado descobriu na TV do quarto um canal que exibia imagens da recepção em tempo real.”Eu ficava olhando a TV no quarto e me dei conta de que toda a equipe assistia”, lembra, rindo.

“Tem uma compulsão pela realidade, com Big Brother e todos os realities, os blogs, o YouTube. E o atrativo é: isso está acontecendo. Tudo bem. A “TV Portaria” está realmente acontecendo. O cara está realmente chegando com a pizza, está realmente entregando a pizza para a pessoa. E daí? Qual o valor dramático disso? O que eu aprendo com isso? É quase um voyeurismo e eu acho que a poesia é outra coisa. A arte é uma outra coisa.

Ou pelo menos, pode ser outra coisa que não tem nada a ver com a realidade.”


b)

Numa casa de matéria em que tudo remete ao século XIX, há uma caneca de plástico esquecida sobre a mesa. Nela, lê-se a frase de Rimbaud: “Jamais réel et toujours vrai”(Nunca real e sempre verdadeiro). Foi escrita à mão por Jorge Furtado, porque sintetiza sua busca como diretor de cinema e televisão: quer estar distante da realidade e perto da mágica.


(“Abaixo o realismo na TV”
Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, sexta-feira, 22 de maio de 2009)



3)


- Lembre-se: é a verdade que surge da ficção.

(Páprika, anime de 2006 dirigido por Satoshi Kon)